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São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2003

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JANIO DE FREITAS

Sólidos e líquidos

O manifesto "Resgate do PT", definido por signatários como um "gesto de alarme" inicialmente de 2.300 petistas sobre os rumos do governo e do próprio PT, nada tem de divisionista, como lhe foi logo imputado. É, isso sim, um jato de iluminação sobre a existência de suas faces do PT, que se encobriam mutuamente na expectativa de construir uma unidade política, ideológica e partidária que, no momento de consumar-se de fato, mostra-se difícil senão inviável.
Na discussão, entre petistas, da quarta candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência já era possível notar a dicotomia do PT. Diferentes segmentos do PT tentaram muito a indicação de outro candidato, mas não estavam preparados para enfrentar a máquina partidária manejada pelos adeptos da candidatura Lula. A campanha restabeleceu a aparente identificação interna do partido. Mas a vitória não pôde fazer das duas faces uma só. Muito ao contrário.
O PT que chegou ao poder e o controla é o lulismo. É a corrente formada por sindicalistas ainda à época de Lula líder sindical e fortalecida, com o tempo, pela volumosa adesão que, a rigor, tinha e tem um sentido acima de partido e ideologia: são os que se situam como liderados incondicionais de Lula. Criaram e compõem o lulismo.
O outro PT é composto pelos que se fizeram petistas porque o partido se tornou o representante, com legitimidade que o neoliberalismo em vão sonhou contestar, das propostas do reformismo estrutural, não limitado ao retorno à democracia.
O lulismo -tal como é da própria natureza do sindicalismo, embora o seu óbvio componente social- é pouco ideológico e se orienta sobretudo pelo senso pragmático. Não desprovido, porém, esse pragmatismo, de ética que não proporcionou até recentemente.
Se o lulismo é pouco ou menos idealista, o PT reformista leva o seu idealismo acima de tudo e de todos. Não lhe faltam reconhecimento e aceitação à liderança de Lula, mas não incondicional, não a ponto de concessões ou tergiversações no ideário que, do seu ponto de vista, é o verdadeiro e único petismo.
Em síntese, pode-se dizer que o manifesto "Resgate do PT" torna claramente pública a existência sem coexistência do petismo sólido no seu idealismo e do petismo que, à maneira dos líquidos, adapta-se às formas a ele externas, desenhadas pelo convencionalismo conservador.


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