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JANIO DE FREITAS
Sólidos e líquidos
O manifesto "Resgate do
PT", definido por signatários como um "gesto de alarme"
inicialmente de 2.300 petistas
sobre os rumos do governo e do
próprio PT, nada tem de divisionista, como lhe foi logo imputado. É, isso sim, um jato de iluminação sobre a existência de suas
faces do PT, que se encobriam
mutuamente na expectativa de
construir uma unidade política,
ideológica e partidária que, no
momento de consumar-se de fato, mostra-se difícil senão inviável.
Na discussão, entre petistas,
da quarta candidatura de Luiz
Inácio Lula da Silva à Presidência já era possível notar a dicotomia do PT. Diferentes segmentos do PT tentaram muito a
indicação de outro candidato,
mas não estavam preparados
para enfrentar a máquina partidária manejada pelos adeptos
da candidatura Lula. A campanha restabeleceu a aparente
identificação interna do partido. Mas a vitória não pôde fazer
das duas faces uma só. Muito ao
contrário.
O PT que chegou ao poder e o
controla é o lulismo. É a corrente formada por sindicalistas
ainda à época de Lula líder sindical e fortalecida, com o tempo,
pela volumosa adesão que, a rigor, tinha e tem um sentido acima de partido e ideologia: são os
que se situam como liderados
incondicionais de Lula. Criaram e compõem o lulismo.
O outro PT é composto pelos
que se fizeram petistas porque o
partido se tornou o representante, com legitimidade que o neoliberalismo em vão sonhou contestar, das propostas do reformismo estrutural, não limitado
ao retorno à democracia.
O lulismo -tal como é da
própria natureza do sindicalismo, embora o seu óbvio componente social- é pouco ideológico e se orienta sobretudo pelo
senso pragmático. Não desprovido, porém, esse pragmatismo,
de ética que não proporcionou
até recentemente.
Se o lulismo é pouco ou menos
idealista, o PT reformista leva o
seu idealismo acima de tudo e
de todos. Não lhe faltam reconhecimento e aceitação à liderança de Lula, mas não incondicional, não a ponto de concessões ou tergiversações no ideário
que, do seu ponto de vista, é o
verdadeiro e único petismo.
Em síntese, pode-se dizer que
o manifesto "Resgate do PT"
torna claramente pública a existência sem coexistência do petismo sólido no seu idealismo e do
petismo que, à maneira dos líquidos, adapta-se às formas a
ele externas, desenhadas pelo
convencionalismo conservador.
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