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IMPRENSA
Valor é referente à negociação de publicação de textos em 76 veículos em 2002, durante o governo de Jaime Lerner (PFL)
Mídia do PR vende R$ 6,4 mi de "reportagens"
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo do Estado do Paraná
gastou R$ 6,418 milhões em 2002
com a compra de "reportagens"
em 76 veículos de comunicação
(68 jornais, 6 revistas e 2 colunas).
O governador do Estado na época
era Jaime Lerner (PFL). As operações são legais e estão registradas,
embora a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) proíba essa prática em seu código de ética.
A Folha teve acesso a 187 notas
fiscais que atestam as negociações. As informações foram tabuladas e checadas. O processo de
apuração levou sete meses. Todos
os envolvidos foram procurados,
sendo que 67 foram localizados.
Desses, um negou a venda de "reportagens", apesar de ter sido
confrontado com documentos.
O Paraná é o sexto Estado mais
rico do país, segundo o IBGE
(Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística). Em 2002,
gastou R$ 86,129 milhões com publicidade e propaganda -desse
total, 7,43% (R$ 6,418 milhões) foram para "reportagens".
A existência de "matérias pagas", como se diz no jargão jornalístico, é uma prática disseminada
no Brasil, sobretudo em publicações de pequeno e médio portes.
O país não tem uma mídia regional forte nem com independência
financeira. Parte dos jornais e das
revistas aceita dinheiro para divulgar como "reportagem" informação de interesse de políticos ou
empresas. Não havia registro até
hoje, porém, de tantas "matérias
pagas" comprovadas com notas
fiscais como nesse caso do Paraná. Empilhada, a documentação
tem quase meio metro de altura
-as 187 notas fiscais, as planilhas
de inserção dos textos, os processos de faturamento e as milhares
de páginas com cópias dos textos.
O código de ética da ANJ condena a prática de venda de reportagens. A regra manda "diferenciar,
de forma identificável pelos leitores, material editorial e material
publicitário". A Folha é filiada à
ANJ e cumpre essa determinação.
Todos os 120 veículos associados da ANJ devem seguir a regra.
No Paraná, 13 jornais são filiados
à ANJ. Quatro venderam reportagens em 2002 sem identificar para
os leitores que se tratava de uma
operação comercial. São eles:
"Diário dos Campos" (Ponta
Grossa), "Diário Popular" (Curitiba), "O Estado do Paraná" (Curitiba) e "Tribuna do Norte"
(Apucarana). Ouvidos pela Folha, representantes dessas quatro
publicações confirmaram as operação de venda de reportagens.
Apenas um veículo de circulação nacional está incluído na documentação das "matérias pagas"
do Paraná: a revista "IstoÉ Gente", da Editora Três. Em duas edições veiculou reportagens sobre
atrações turísticas paranaenses
para as quais há notas fiscais cobrando R$ 500 mil pela "inserção". Desse valor, R$ 100 mil foram pagos de comissão à agência
de publicidade que estava licitada
para fazer o negócio, a Loducca.
A direção da "IstoÉ Gente" nega
que tenham sido operações de
venda de "reportagens". Seriam,
diz a revista, casos de reimpressões de textos em forma de encarte para serem distribuídos pelo
cliente (o governo Lerner).
Licitações legais
A operação de venda de "reportagens" é clara nos documentos.
À exceção da "IstoÉ Gente", os
proprietários e editores dos veículos ouvidos pela Folha confirmam os negócios. "Eu faço através de nota fiscal", diz Newton
Della Bona, dono da revista "Panorama".
Cada processo de venda de "reportagens" contém três itens
principais: 1) a nota fiscal do meio
de comunicação que vendeu o espaço para a publicação do texto
do governo estadual; 2) fotocópias do que foi divulgado no veículo; e 3) a nota fiscal da agência
de publicidade que intermediou o
negócio. Tudo está carimbado e
conferido pelos então responsáveis no governo paranaense.
O material a que a Folha teve
acesso está arquivado em dois lugares: no Tribunal de Contas do
Estado do Paraná e na Procuradoria Geral do Estado do Paraná.
Todos os casos de "reportagens" pagas foram intermediados
por três agências de publicidade:
Loducca, Opus Múltipla e Master.
Ao fazer a intermediação, as
agências exerciam um direito adquirido por meio de licitação pública. O governo paranaense fez
uma concorrência para divulgação de "ações de governo" junto
com publicidade. Aí estão embutidas as "matérias pagas". A comissão das agências foi de 20%,
uma praxe no mercado publicitário. Do total de R$ 6,418 milhões
gastos pelo governo, R$ 1,283 milhão foi para o cofre dos publicitários contratados -cujo trabalho
foi apenas emitir as notas fiscais.
Os textos eram produzidos pelos
veículos ou pelo governo.
Tom laudatório
Há um tom laudatório a favor
de Jaime Lerner nas "reportagens" vendidas. O então governador é dado como responsável por
várias boas ações na mídia local.
"Lerner construiu 534 pontes
em sete anos", publicou o "Jornal
do Oeste", de Toledo, em 10 de
março de 2002. Valor pago por essa e mais 22 "notícias", inclusive
"Lerner recebe medalha de honra
da Ucrânia": R$ 30 mil.
"Programas educacionais do
governo reduzem em 21% o analfabetismo entre jovens", divulgou
o jornal "A Notícia", em 14 de
março de 2002, por R$ 1.600.
Como as reportagens falavam
do governador paranaense, muitas vezes seus aliados também
aparecem beneficiados pelas
"matérias pagas". Por exemplo,
em 18 de março do ano passado, o
"Jornal Regional", de Loanda, publicou no alto de uma página:
"Lerner e FHC inauguram pontes
e pregam a união pela governabilidade". A nota fiscal descreve o
valor do serviço "com chamada
na capa" em cores: R$ 3.200.
Fani Lerner, mulher de Jaime
Lerner, também teve sua imagem
divulgada à custa de "matérias pagas". Em 24 de abril do ano passado, ela apareceu em foto ilustrando metade da primeira página do
"Diário da Manhã", de Ponta
Grossa. Na página 13, a "reportagem": "Fani Lerner é a mulher do
ano". Por esse e outros textos, o
jornal recebeu R$ 24 mil.
Apesar de venderem as "reportagens", alguns jornais têm slogans para autopromoção defendendo a ética jornalística. O "Jornal Caiçara", de União da Vitória,
estampa na sua primeira página:
"Professa a Verdade - Insinua o
Belo - Advoga o Bem". Cobrou R$
1.000 para publicar que o "Paraná
gerou em fevereiro [de 2002] 5.511
empregos formais".
O "Impacto", de Santo Antônio
do Sudoeste, apregoa em sua nota
fiscal: "O jornalismo que valoriza
a sua imagem". Na fatura, registra
R$ 1.600 em troca de "divulgações
de ações de governo".
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