|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FOLCLORE POLÍTICO
Um crime político perfeito
RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES
O ano era 1964. O mês era
agosto. O Congresso Nacional se preparava para votar a
emenda constitucional que prorrogaria por um ano o mandato
do presidente Castello Branco,
que deveria se extinguir em 1965,
quando o sr. Jânio Quadros terminaria o seu mandato.
A articulação política pela prorrogação se fez entre os líderes da
UDN no Congresso Nacional, a
frente do senador Daniel Krieger
e o deputado Bilac Pinto e os principais ministros do presidente, entre os quais o marechal Cordeiro
de Faria e o general Golbery do
Couto e Silva.
Quando o processo legislativo
começou, o Carlos Lacerda estava
na Europa, explicando o movimento que derrubara o presidente João Goulart. E este escriba
eventual exercia o cargo de governador da Guanabara, de cujo governo o Helio Beltrão era secretário do Planejamento, além de
candidato escolhido à sucessão
estadual na eleição que se realizaria em 1965, coincidente com a
eleição presidencial.
O presidente chamou-me, solene, ao Palácio. E me afirmou, peremptoriamente, ser contra a
prorrogação de seu mandato. Tão
contra que fizera uma carta ao
senador Daniel Krieger manifestando sua discordância. Tinha-na como inconveniente do ponto
de vista político e inaceitável do
ponto de vista ético -uma violação aos princípios que inspiraram
a intervenção de março. Assegurar a normalidade político-institucional do país seria garantir a
realização da eleição presidencial
de 1965. Comentei com ele que a
sua carta era irrespondível e que,
se as razões de conveniência política poderiam ser removidas, as
razões éticas, estas eram absolutas e inamovíveis.
Antes da votação da emenda de
prorrogação, o Carlos Lacerda,
que era, antes da eclosão do movimento militar de 64, candidato
escolhido em convenção pela
UDN para disputar o pleito de 65,
foi comigo e com o Helio Beltrão,
a Brasília para uma reunião com
a cúpula da UDN sob a liderança
do senador Daniel Krieger. Interpelada, a bancada desconversou
sobre a iniciativa da emenda bem
como sobre sua posição diante da
prorrogação. Mesmo os mais afirmativos parlamentares -do
João Agripino ao Aliomar Baleeiro- foram reticentes.
Saímos de volta ao Rio. E o Helio Beltrão, no avião, virou-se para o Carlos Lacerda e comentou:
"Carlos, o presidente é contra a
prorrogação. A bancada da UDN
diz que não tem nenhuma responsabilidade na iniciativa. Mas
a emenda vai passar. É um crime
sem autoria, cujo alvo é a sua
candidatura. Um crime perfeito".
A votação deu-se pouco tempo
depois. E por um voto -o do deputado pela UDN da Paraíba
Luiz Bronzeado- o mandato do
presidente Castello Branco foi,
afinal, prorrogado, alcançando a
emenda o "quórum" constitucional para sua aprovação.
Ficaram, assim, para 1966 as
eleições para a escolha do sucessor do presidente Jânio Quadros,
substituído, primeiro pelo vice-presidente João Goulart e depois
pelo marechal Castello Branco,
cujos ministros bateram ponto no
Congresso Nacional para arrancar os votos dos parlamentares recalcitrantes. E a autoria do crime
político perfeito se desvendava na
sessão de votação pela desembaraçada presença no plenário do
ministro Cordeiro de Faria, "doublé" de militar e político, o mais
íntimo colaborador do presidente
da República. E do mesmo passo
inicia-se a trajetória do afastamento de Carlos Lacerda do governo militar que acabaria por
arrastá-lo, em 1968, para a Frente
Ampla.
RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES,
71, ex-governador da Guanabara e ex-ministro da Previdência do governo Sarney, escreve às quartas nesta seção
Texto Anterior: No Ar - Nelson de Sá: Esperando o debate Próximo Texto: Reta Final: Serra vê "armação" para tirá-lo do 2º turno Índice
|