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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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NO PLANALTO

Dinheiro da Educação escorre pelo ladrão

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A justa grita de Cristovam Buarque por mais verbas para a educação abafa um som produzido nos fundões de seu ministério. Ruído antigo e incômodo. Barulho de dinheiro público escapando pelo ladrão.
Aqui se noticiou, em março e em dezembro de 2002, detalhes de uma encrenca chamada escândalo das escolas técnicas. Deitou raízes sob o tucanato. Está florescendo sob o petismo.
Antes localizado, o problema se alastrou. O MEC gerencia rede de 72 escolas técnicas e agrotécnicas. Todas custeadas pelas arcas públicas. Pelo menos 20 estão sob suspeição. Colecionam-se indícios de que têm a contabilidade carunchada.
Encontra-se em Belém a ramagem mais viçosa da confusão. Ali está assentado o Cefet/PA (Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará). Tem cerca de 7.000 alunos. Vem sendo auditado pela Secretaria Federal de Controle desde 2001.
Documentaram-se desvios de R$ 4,5 milhões. Outros gastos de R$ 7 milhões exalam mau cheiro. Ou seja, o buraco pode atingir, só nessa escola, a profundidade de R$ 11,5 milhões.
Com o auxílio do Ministério Público, os auditores colheram notas frias e documentos falsos; desencavaram uma folha salarial oculta; descerraram contas bancárias paralelas borrifadas com verbas oficiais.
É de 7 de julho de 2003 o relatório mais recente dos auditores acerca das malfeitorias praticadas no Cefet/PA. Farejaram-se novas irregularidades em convênios que a escola firmou com quatro prefeituras do interior do Pará (Tucuruí, Santarém, Redenção e Parauapebas).
Pelos convênios, o Cefet/PA treinou professores nessas localidades. Em troca, tornou-se credor de R$ 5,028 milhões. Parte do dinheiro foi desviado para a conta de uma empresa privada. Chama-se MLC Terraplanagem e Serviços Ltda. De lá, a grana migrou para o bolso de pessoas que ocupavam postos de direção na escola. Um acinte.
Os auditores anotaram em suas conclusões:
1) "[...] A direção do Cefet/PA, em conjunto com diversos servidores, praticou atos que atentam contra os princípios basilares da administração pública e causaram prejuízo à Fazenda Nacional";
2) "Foram constituídas comissões de processo administrativo disciplinar, tanto pela direção do Cefet/PA quanto pelo Ministério da Educação, entretanto, até a presente data, nenhuma alcançou os resultados esperados";
3) "[...] A administração das receitas próprias, objeto de grande parte dos desvios de recursos, continua sendo feita de forma irregular";
4) "[...] É necessário que a direção do Cefet/PA, em conjunto com o Ministério da Educação, adote providências objetivando mudar os rumos adotados até então, de modo a apurar efetivamente a responsabilidade pelos atos irregulares e os desvios de recursos."
O relatório aportou em Brasília no mês de julho. Em 1º de setembro, o governo decidiu agir. E o fez no melhor estilo petista: resolveu constituir um grupo de trabalho.
Em 8 de setembro, Jorge Hage Sobrinho, subcontrolador-geral da União, enviou ao MEC uma portaria instituindo o grupo. O documento trazia a assinatura do controlador-geral Waldir Pires. E reservava espaço para a rubrica de Cristovam Buarque.
O papel dormitou nos escaninhos do Ministério da Educação durante um mês e meio. Na última quarta-feira, o repórter discou para Antonio Ibañez Ruiz, o assessor de Cristovam incumbido de chefiar o setor que controla as escolas técnicas. Perguntou: por que a portaria ainda não foi ao "Diário Oficial"?
Ibañez Ruiz disse: "O ministro [Cristovam] assinou e o documento foi devolvido para a Controladoria [da União]." Contatado, Hage Sobrinho o contraditou: "Aqui não chegou".
Na quinta-feira, Ibañez telefonou para o repórter. Corrigiu-se: "A portaria estava aqui, na mesa de alguém. Amanhã [sexta], vai estar no Diário Oficial". De fato, foi, finalmente, publicada.
Para pedir dinheiro, Cristovam fala dez vezes antes de pensar. Para fechar ralos instalados nos porões do Ministério da Educação, conta 45 dias antes de apor a assinatura numa reles portaria. Contaria mais não fosse o telefonema do repórter a Ibañez Ruiz.
É com pesar que aqui se vaticina: nos próximos meses, o contribuinte brasileiro ouvirá falar muito a respeito de escolas técnicas. As más notícias virão de localidades variadas: Maceió (AL), Salvador (BA), São Luiz (MA), Vitória de Santo Antão (PE), Bento Gonçalves (RS) e um imenso etc.
Ex-reitor da UnB, Ibañez Ruiz tem lindos planos para as escolas técnicas. Deseja transformá-las em centros de desenvolvimento regional, em parceria com a iniciativa privada. Antes, terá de fechar o "desvioduto". Já afastou alguns diretores. Mas há muito por fazer.
Ou o MEC age com celeridade, ou suas pretensões escorrerão pelo dreno, junto com as verbas de uma pasta em petição de miséria.


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