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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Sentenças de João Carlos da Rocha Mattos e dos irmãos Mazloum beneficiam empresários e políticos acusados da prática de delitos

Juízes estão no centro de casos polêmicos

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A denúncia de formação de quadrilha contra os juízes federais João Carlos da Rocha Mattos e os irmãos Casem e Ali Mazloum é vista pelo MPF (Ministério Público Federal) como um segundo movimento na tentativa de depuração da Justiça Federal em São Paulo. Esse processo foi iniciado com o afastamento dos desembargadores Roberto Haddad e Paulo Theotonio Costa do TRF (Tribunal Regional Federal), suspeitos de enriquecimento ilícito e falsificação de documentos.
A ação do MPF, que já havia alcançado a segunda instância da Justiça Federal em São Paulo (onde desembargadores julgam decisões de juízes) chegaria agora à esfera da primeira instância.
A atuação de Rocha Mattos e dos Mazloum não havia, até então, sido caracterizada -numa denúncia- com as fortes suspeitas de formação de quadrilha. Mas é certo que desembargadores do TRF e membros do MPF há muito tempo apontavam, inconformados, procedimentos comuns dos magistrados agora acusados: sentenças controvertidas, beneficiando criminosos de alta periculosidade ou empresários e políticos acusados por delitos, e o confronto -aberto ou velado- com a maioria dos desembargadores do TRF, com repercussões no Superior Tribunal de Justiça.
Rocha Mattos ficou famoso nos dois tipos de procedimento. Foi afastado do cargo, em 1992, por ter ameaçado, por carta, o então presidente do TRF, Homar Cais.
Recentemente, Rocha Mattos representou contra 13 desembargadores no STJ, numa espécie de represália à investigação sigilosa de que é alvo, no TRF, a partir de depoimento de ex-namorada. Ela teria revelado ligações do juiz com doleiros ou defensores de doleiros, entre os quais o advogado Carlos Alberto da Costa e Silva, um dos denunciados na Operação Anaconda.
Costa e Silva é procurador da "offshore" uruguaia dona do apartamento da r. Maranhão, no bairro de Higienópolis, onde o juiz mora sem pagar aluguel.
Na época, a ex-namorada do juiz foi ouvida, depois de depor a procuradores, pelo desembargador Paulo Theotonio Costa.

Importações
Como exemplo das decisões controvertidas, todas sustentadas em aspectos técnicos ou na inviolável convicção do magistrado, Rocha Mattos isentou o ex-governador Orestes Quércia da responsabilidade pela importação superfaturada de equipamentos de Israel. Quércia autorizara essas compras em documento firmado de próprio punho.
Durante as investigações daquele caso, o juiz Casem Mazloum decretou a prisão preventiva do intermediário das compras superfaturadas, Arie Halpern, "diante do temor de que interferisse na produção de provas".
Numa canetada, Rocha Mattos decidiu, mais recentemente, que a denúncia contra ex-secretários de Quércia e intermediários daquela compra deveria ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal, graças ao foro privilegiado. Os denunciados foram beneficiados pelo foro especial, o STF arquivou o caso, enterrando junto a votação unânime pelo recebimento da denúncia, quando o Órgão Especial do TRF acompanhara o voto de 255 páginas da relatora, desembargadora Ana Maria Pimentel, atual presidente do tribunal.

Fórum trabalhista
Ainda no campo das sentenças de difícil compreensão, Casem Mazloum absolveu o ex-senador Luiz Estevão da acusação de corrupção ativa no escândalo do Fórum Trabalhista de São Paulo. Aceitou que Estevão havia remetido US$ 1 milhão para o juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, mas entendeu que não havia "um ato em troca de uma vantagem". Ou seja, se não há corrupto passivo, não haveria corrupto ativo. Nicolau foi condenado solitariamente, quando era apenas uma peça do escândalo do TRT.
Mazloum considerou como provas lícitas documentos do governo norte-americano. Depois, julgou que eram ilícitas, por falta de autorização judicial para quebra de sigilo bancário de Estevão, esquecendo-se de que ele mesmo determinara a quebra do sigilo.
Estevão não foi o único beneficiado por Mazloum no caso do TRT paulista. Ele rejeitou denúncia contra o perito judicial Antonio Carlos da Gama e Silva, acusado de fraudar perícias e receber US$ 42,5 mil da Incal. O perito atestou terem sido realizados serviços não executados pela construtora do fórum trabalhista.
Ainda no mesmo caso, Mazloum inovou, ao se deslocar para a carceragem da Polícia Federal para interrogar Nicolau, quando a praxe é todo e qualquer réu ser inquirido no fórum. No terreno dos confrontos, Mazloum moveu ação de indenização contra o desembargador Fábio Prieto, sob a alegação de que teria afirmado que Mazloum proferira decisões para beneficiar o juiz Nicolau.

Narcotraficantes
Se Theotonio Costa foi denunciado por manipular habeas corpus para liberar um narcotraficante com prisão preventiva, Casem Mazloum ordenou a transferência, da Casa de Detenção de São Paulo para a penitenciária de Manaus, do maior traficante desta região, Antonio Mota Graça, o Curica, por motivos humanitários, para que o criminoso ficasse próximo da família, apesar do risco de fuga alegado pelo MPF.
Casem Mazloum já foi juiz convocado da 1ª turma do TRF, em que atuavam Haddad e Theotonio Costa. Acompanhou seus pares, por exemplo, quando recusaram anular laudo do falso engenheiro Antonio Carlos Suplicy, famoso por calcular que a União deveria pagar R$ 66,4 milhões por imóvel com uma simples choupana. Suplicy estipulou, para efeito de desapropriação de um prédio usado pelo próprio TRF no centro velho de São Paulo, o preço do metro quadrado correspondente ao da avenida Paulista ou da Quinta Avenida, em Nova York.
Um exemplo da resistência do TRF aos Mazloum: em fato inédito, o tribunal rejeitou, por duas vezes, a indicação de Ali Mazloum, apresentado por Haddad, para substituir Theotonio Costa.
A Operação Anaconda trata de decisões do juiz Ali Mazloum no caso da "máfia dos combustíveis", mas pescou suspeitas mais antigas, como tratativas entre delegados da PF e a ex-mulher de Rocha Mattos, no "Caso Law".
No caso, Theotonio Costa concedeu liminar, determinando à PF a devolução ao chinês Law Kin Chong, acusado de ser um dos maiores contrabandistas do país, de toneladas de mercadorias e documentos apreendidos.


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