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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ VISÃO DA CRISE
Primo do ex-presidente da República, ministro do TSE sinaliza que Justiça Eleitoral deve derrubar verticalização das coligações
Crise é pior que a de Collor, diz Marco Aurélio
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro do STF (Supremo
Tribunal Federal) Marco Aurélio
de Mello, que deverá presidir o
TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
nas eleições deste ano, disse à Folha que a atual crise política é assustadora e a considerou "muito
pior" do que a que provocou, em
1992, a abertura do processo de
impeachment e a posterior renúncia de Fernando Collor de
Mello, que é primo do ministro.
"Acho que tudo o que surgiu é
assustador. Nem a mente mais
antagônica, mais criativa, não poderia imaginar um décimo do que
acabou vindo à tona", afirmou
Marco Aurélio. Indagado sobre a
comparação possível entre o
"mensalão" do governo Lula e o
escândalo de corrupção no governo Collor, ele respondeu: "Já li e já
ouvi que o que está nos dias atuais
é muito pior do que o que surgiu
na época do presidente Collor".
O TSE é composto por sete ministros, dos quais três são do STF,
e a sua presidência sempre é exercida por um desses três. Atualmente, o comando do TSE está
nas mãos de Carlos Velloso, que
completará 70 anos em 19 de janeiro e se aposentará compulsoriamente pelo critério de idade.
Inicialmente Gilmar Mendes
substituirá Velloso, mas a saída
dele até junho é tida como certa.
Ele terá de optar entre presidir o
TSE e ser o vice-presidente do
STF. A expectativa é que faça a segunda opção. Na entrevista, Marco Aurélio defendeu que a norma
da verticalização, adotada em
2002, seja derrubada pelo TSE e já
não tenha validade nas eleições de
2006. Por ela, os partidos ficam
obrigados a não contrariar, nas
campanhas estaduais, a coligação
presidencial. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Folha - O sr. deve presidir o TSE
nas eleições de 2006 caso se confirme a expectativa de que o ministro
Gilmar Mendes deixe o TSE até junho para se tornar vice-presidente
do STF. O sr. pretende iniciar o recadastramento dos eleitores?
Marco Aurélio de Mello - Não há
tempo hábil para o recadastramento. Estamos a alguns meses
das eleições e precisamos marchar com segurança jurídica, sem
a introdução de novidades que
possam pôr em risco o pleito.
Quanto à presidência do TSE,
hoje sou o terceiro membro do
STF. A presidência do TSE é exercida por um dos três. Na minha
frente tem Carlos Velloso, que se
aposentará agora em 19 de janeiro, e Gilmar Mendes. Pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional,
ele terá de escolher entre a presidência do TSE e a vice-presidência do STF. Ele é que dirá.
Folha - O sr. falou que não será o
momento de introduzir novidades
por causa da segurança jurídica.
Marco Aurélio - A Lei Eleitoral
está em vigor desde 1997. O que se
busca com uma legislação é a estabilidade, a certeza do que pode
ou não pode ocorrer. Isso dá ênfase maior à segurança jurídica.
Folha - Há muitas pessoas, incluindo o presidente do TSE, que
defendem mudanças imediatas
nas regras eleitorais. Para elas, pode haver alterações neste ano se
elas não interferirem no processo.
Qual é sua opinião?
Marco Aurélio - A meu ver, isso
não se coaduna com a Constituição. Quando a Carta se refere, no
seu artigo 16, ao processo eleitoral, é o conjunto de atos visando o
pleito. Não dá para pinçar esta ou
aquela matéria de acordo com a
carga processual que ela possua.
Hoje temos uma regra que já começou a surtir efeito, segundo a
qual a modificação do processo
eleitoral tem de se verificar um
ano antes do pleito. Eu creio que
não é possível o afastamento da
eficácia dessa norma no período
crítico por ela já abrangido.
Folha - Seria casuísmo?
Marco Aurélio - Não, mas seria
algo que a meu ver também é nefasto: proceder-se de forma normativa na crista de uma crise. Em
tempo de crise, devemos guardar
os princípios já reinantes, não
simplesmente pensar que poderemos modificar o Brasil, ter dias
melhores mediante novos diplomas [leis], quando na verdade o
que precisamos é de homens públicos que observem a legislação.
Folha - Isso vale para a emenda
que acaba com a verticalização?
Marco Aurélio - Sobre a verticalização, o STF já disse que não é
matéria constitucional, porque
ela está regulada na lei 9.504. Nós
temos uma consulta que será respondida pelo TSE na abertura do
ano judiciário. Eu creio que essa
solução é menos traumática para
a matéria: o TSE responder à consulta, para manter a ótica que prevaleceu em 2002 ou para homenagear a prática anterior.
Folha - A verticalização foi um erro? O sr. é contra ela?
Marco Aurélio - Não defino a
procedência ou não da verticalização sob o ângulo político, mas
sob o ângulo normativo. Em 2002,
quando o TSE adotou a verticalização, eu sustentei que o tribunal
atuara normatizando de forma
abstrata e autônoma, o que não
poderia ocorrer, e mais: entendi
que ele teria ido além do que previsto no artigo 6º da Lei Eleitoral.
Sustentei isso na época no julgamento de duas ações no STF, mas
uma maioria escassa dos ministros negou as ações. Por causa daquele julgamento, os meios de comunicação agora têm estampado
que sou contrário à verticalização.
Folha - O que aconteceu que o sr.
pretendia apresentar a consulta
aos colegas e depois desistiu?
Marco Aurélio - Cheguei a levar o
processo, mas no dia seguinte o
presidente pediu a manutenção
da leitura que o TSE fez em 2002
dessa norma e ponderou que deveríamos aguardar o crivo do
Congresso. A matéria está na pauta da convocação extraordinária.
Depois ele quis apreciar, mas preferi deixar para a abertura de
2006, diante do que ele tinha dito.
Folha - Que avaliação faz da crise
que atingiu o governo Lula?
Marco Aurélio - Vejo como sinal
de tempos melhores do que os vividos. A quadra é alvissareira. O
sentimento de impunidade que
decorre de os problemas não se
tornarem públicos é terrível e retarda o avanço cultural.
Folha - É possível comparação entre este momento e o impeachment de Fernando Collor?
Marco Aurélio - Já li e ouvi que o
que está nos dias atuais é muito
pior do que o que surgiu na época
de Collor, quando havia o tesoureiro tentando assacar e quase
que extorquir a iniciativa privada
com promessas vãs. Agora, pelo
que transparece, temos o envolvimento de verbas que deveriam ser
direcionadas a outros fins.
Folha - O sr. concorda com essa
avaliação corrente?
Marco Aurélio - Acho que tudo o
que surgiu é assustador. A mente
mais antagônica, mais criativa,
não poderia imaginar um décimo
do que acabou vindo à tona.
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