São Paulo, terça-feira, 03 de janeiro de 2006

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ VISÃO DA CRISE

Primo do ex-presidente da República, ministro do TSE sinaliza que Justiça Eleitoral deve derrubar verticalização das coligações

Crise é pior que a de Collor, diz Marco Aurélio

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio de Mello, que deverá presidir o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nas eleições deste ano, disse à Folha que a atual crise política é assustadora e a considerou "muito pior" do que a que provocou, em 1992, a abertura do processo de impeachment e a posterior renúncia de Fernando Collor de Mello, que é primo do ministro.
"Acho que tudo o que surgiu é assustador. Nem a mente mais antagônica, mais criativa, não poderia imaginar um décimo do que acabou vindo à tona", afirmou Marco Aurélio. Indagado sobre a comparação possível entre o "mensalão" do governo Lula e o escândalo de corrupção no governo Collor, ele respondeu: "Já li e já ouvi que o que está nos dias atuais é muito pior do que o que surgiu na época do presidente Collor".
O TSE é composto por sete ministros, dos quais três são do STF, e a sua presidência sempre é exercida por um desses três. Atualmente, o comando do TSE está nas mãos de Carlos Velloso, que completará 70 anos em 19 de janeiro e se aposentará compulsoriamente pelo critério de idade.
Inicialmente Gilmar Mendes substituirá Velloso, mas a saída dele até junho é tida como certa. Ele terá de optar entre presidir o TSE e ser o vice-presidente do STF. A expectativa é que faça a segunda opção. Na entrevista, Marco Aurélio defendeu que a norma da verticalização, adotada em 2002, seja derrubada pelo TSE e já não tenha validade nas eleições de 2006. Por ela, os partidos ficam obrigados a não contrariar, nas campanhas estaduais, a coligação presidencial. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
 

Folha - O sr. deve presidir o TSE nas eleições de 2006 caso se confirme a expectativa de que o ministro Gilmar Mendes deixe o TSE até junho para se tornar vice-presidente do STF. O sr. pretende iniciar o recadastramento dos eleitores?
Marco Aurélio de Mello -
Não há tempo hábil para o recadastramento. Estamos a alguns meses das eleições e precisamos marchar com segurança jurídica, sem a introdução de novidades que possam pôr em risco o pleito.
Quanto à presidência do TSE, hoje sou o terceiro membro do STF. A presidência do TSE é exercida por um dos três. Na minha frente tem Carlos Velloso, que se aposentará agora em 19 de janeiro, e Gilmar Mendes. Pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional, ele terá de escolher entre a presidência do TSE e a vice-presidência do STF. Ele é que dirá.

Folha - O sr. falou que não será o momento de introduzir novidades por causa da segurança jurídica.
Marco Aurélio -
A Lei Eleitoral está em vigor desde 1997. O que se busca com uma legislação é a estabilidade, a certeza do que pode ou não pode ocorrer. Isso dá ênfase maior à segurança jurídica.

Folha - Há muitas pessoas, incluindo o presidente do TSE, que defendem mudanças imediatas nas regras eleitorais. Para elas, pode haver alterações neste ano se elas não interferirem no processo. Qual é sua opinião?
Marco Aurélio -
A meu ver, isso não se coaduna com a Constituição. Quando a Carta se refere, no seu artigo 16, ao processo eleitoral, é o conjunto de atos visando o pleito. Não dá para pinçar esta ou aquela matéria de acordo com a carga processual que ela possua.
Hoje temos uma regra que já começou a surtir efeito, segundo a qual a modificação do processo eleitoral tem de se verificar um ano antes do pleito. Eu creio que não é possível o afastamento da eficácia dessa norma no período crítico por ela já abrangido.

Folha - Seria casuísmo?
Marco Aurélio -
Não, mas seria algo que a meu ver também é nefasto: proceder-se de forma normativa na crista de uma crise. Em tempo de crise, devemos guardar os princípios já reinantes, não simplesmente pensar que poderemos modificar o Brasil, ter dias melhores mediante novos diplomas [leis], quando na verdade o que precisamos é de homens públicos que observem a legislação.

Folha - Isso vale para a emenda que acaba com a verticalização?
Marco Aurélio -
Sobre a verticalização, o STF já disse que não é matéria constitucional, porque ela está regulada na lei 9.504. Nós temos uma consulta que será respondida pelo TSE na abertura do ano judiciário. Eu creio que essa solução é menos traumática para a matéria: o TSE responder à consulta, para manter a ótica que prevaleceu em 2002 ou para homenagear a prática anterior.

Folha - A verticalização foi um erro? O sr. é contra ela?
Marco Aurélio -
Não defino a procedência ou não da verticalização sob o ângulo político, mas sob o ângulo normativo. Em 2002, quando o TSE adotou a verticalização, eu sustentei que o tribunal atuara normatizando de forma abstrata e autônoma, o que não poderia ocorrer, e mais: entendi que ele teria ido além do que previsto no artigo 6º da Lei Eleitoral.
Sustentei isso na época no julgamento de duas ações no STF, mas uma maioria escassa dos ministros negou as ações. Por causa daquele julgamento, os meios de comunicação agora têm estampado que sou contrário à verticalização.

Folha - O que aconteceu que o sr. pretendia apresentar a consulta aos colegas e depois desistiu?
Marco Aurélio -
Cheguei a levar o processo, mas no dia seguinte o presidente pediu a manutenção da leitura que o TSE fez em 2002 dessa norma e ponderou que deveríamos aguardar o crivo do Congresso. A matéria está na pauta da convocação extraordinária. Depois ele quis apreciar, mas preferi deixar para a abertura de 2006, diante do que ele tinha dito.

Folha - Que avaliação faz da crise que atingiu o governo Lula?
Marco Aurélio -
Vejo como sinal de tempos melhores do que os vividos. A quadra é alvissareira. O sentimento de impunidade que decorre de os problemas não se tornarem públicos é terrível e retarda o avanço cultural.

Folha - É possível comparação entre este momento e o impeachment de Fernando Collor?
Marco Aurélio -
Já li e ouvi que o que está nos dias atuais é muito pior do que o que surgiu na época de Collor, quando havia o tesoureiro tentando assacar e quase que extorquir a iniciativa privada com promessas vãs. Agora, pelo que transparece, temos o envolvimento de verbas que deveriam ser direcionadas a outros fins.

Folha - O sr. concorda com essa avaliação corrente?
Marco Aurélio -
Acho que tudo o que surgiu é assustador. A mente mais antagônica, mais criativa, não poderia imaginar um décimo do que acabou vindo à tona.


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