São Paulo, terça-feira, 03 de fevereiro de 2004

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JANIO DE FREITAS

A prioridade

Uma pergunta continua em aberto, e sua resposta pode ser mais importante do que pareça à primeira vista, a propósito do que a velha submissão aos jargões vem chamando de reforma ministerial. Que sentido têm, afinal de contas, modificações ministeriais que, a rigor, não foram motivadas pela incorporação, quem diria, do PMDB ao governo Lula?
Para quem tantas vezes acenou, na campanha, com o atraente compromisso de que seu ministério seria formado pelos melhores em cada área, o mínimo a dizer da nova configuração ministerial é que conseguiu ser tão ridícula quanto a anterior. Embora apresente a primeira inovação do governo Lula: a simples condição de neto passa a ser bastante para ocupar um cargo de ministro, como se vê na nomeação de Eduardo Campos, cuja consanguinidade com Miguel Arraes é produtiva, mas sua relação com Ciência e Tecnologia é igual à de um pintassilgo com uma Kombi.
Entre um neto e um dono de rádios que vai ser ministro do seu negócio de Comunicações, entre Ricardo Berzoini ser sinistro da Previdência ou do Trabalho, e coisas assim, não surpreende que o realce da "reforma ministerial" recaísse em quem nem mudou de lugar. Mas recaiu pelo motivo menos relevante. José Dirceu é, sim, a expressão mais clara do sentido da "reforma", não, porém, pela tão especulada redução de poder decidida, como dizem, pelo próprio Lula.
Se, de uma parte, o governo formalizou a incorporação do PMDB, tomou as providências primordiais para o seu principal objetivo neste ano. É claro que, em sua nova função de "coordenador dos ministérios", José Dirceu não terá o que coordenar em termos administrativos, pela razão absoluta de que o Orçamento não dá margem de ação aos ministérios e, Antonio Palocci já o admite de público, ainda vai sofrer mais cortes. "Coordenador dos ministérios" quer dizer, de fato, ativador eleitoral.
Por mais que esteja alheia a certas realidades que se formam, a cúpula do governo tem consciência de que sua política econômica é incompatível com bom desempenho eleitoral. Apesar disso, sua estratégia de domínio exige vitórias eleitorais expressivas nas disputas municipais deste ano, a começar de São Paulo, Rio e Porto Alegre. E a José Dirceu caberá criar, acima do imobilismo recessivo, as aparências de dinamismo administrativo, de máquina governamental atirando-se a projetos e ações de grande efeito. Tal como Dirceu já fez a propósito de queda juros, várias vezes, de reforma universitária e outros assuntos de interesse amplo.
A transferência da "coordenação política" de Dirceu para Aldo Rebelo, a que muitos têm dado enorme importância, transfere um prato pronto, já entrelaçados que estão o PMDB, o PTB, o PL, o PSB, e quem mais interessa, com o PT e o governo. Coordenação, agora, também ela é com o olho posto nas eleições municipais. E sua condução não está com Aldo Rebelo, mas com José Dirceu.
A propósito, está em negociação, para salvar Marta de Suplicy de riscos eleitorais, a costura que nem os detentores da visão mais cínica, em matéria de política, jamais imaginariam: a irmandade Lula/PT, Quércia e Maluf. A que preço e o que o pagará?
Eis, então, a "reforma": o que deveria ser governo, e não chegou a ser, torna-se máquina eleitoral.


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