São Paulo, terça-feira, 03 de fevereiro de 2004

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CHOQUE ENTRE PODERES

Apesar das críticas, presidente diz não abrir mão da medida

Controle do Judiciário opõe novamente Lula e Corrêa

SILVANA DE FREITAS
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A polêmica sobre a criação de um órgão de controle externo do Poder Judiciário causou ontem, em dois eventos distintos, divergências entre Luiz Inácio Lula da Silva e os presidentes do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Nilson Naves, e do STF (Supremo Tribunal Federal), Maurício Corrêa.
Ontem pela manhã, na cerimônia de instalação do ano judiciário de 2004, no STF, Lula deixou claro que o governo não abrirá mão da defesa do controle externo, ou seja, da participação de pessoas que não sejam juízes no Conselho Nacional de Justiça, prevista na reforma do Judiciário, em tramitação no Senado. Minutos antes, Corrêa havia criticado a proposta.
Não é a primeira polêmica entre os presidentes da República e do STF: Lula e Corrêa já haviam entrado em conflito sobre a reforma da Previdência e uma suposta "caixa-preta" do Judiciário.
Ontem, Lula lembrou que a reforma do Judiciário "tramita no Congresso há 12 anos", disse que "os temas mais importantes já foram objeto de intensos debates" e concluiu que "já há amadurecimento suficiente" para a sua aprovação, pelo menos em parte.
"O governo, eleito democraticamente pela sociedade brasileira, não pode se omitir no debate atual sobre a necessidade de se realizar uma reforma do Judiciário. Trata-se de questão fundamental para o país", disse Lula.
Sobre o controle externo, Lula foi afirmativo: "O governo já manifestou publicamente o seu posicionamento em defesa da criação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, compostos por representantes dos operadores do direito e da sociedade civil, que têm atribuições de planejamento e avaliação administrativa, desenvolvimento de planos que assegurem autonomia e eficiência".
Corrêa, antes, afirmara que "uma densa parte" dos juízes é contrária à participação de pessoas que não sejam juízes no Conselho Nacional de Justiça, o órgão de fiscalização das atividades dos magistrados previsto na reforma.
"A criação de um órgão desse gênero não vai responder à expectativa da sociedade brasileira, que deseja mais presteza e eficiência do Poder Judiciário. A sua adoção transformará o Judiciário no único Poder da República que passaria a ter órgão específico de fiscalização externa de suas atividades."
Apesar das divergências, prevaleceu o clima de cordialidade, com declarações de ambos a favor do fortalecimento da Justiça. Os atritos entre Lula e membros do Judiciário começaram em abril de 2003, quando ele defendeu o controle externo e a abertura da "caixa-preta". Em junho, Lula teve de ouvir calado críticas de Corrêa à reforma da Previdência.
A proposta de emenda constitucional, já aprovada pela Câmara, prevê a criação de um conselho com 15 membros: nove magistrados, dois advogados, dois membros do Ministério Público e dois cidadãos, escolhidos pela Câmara e pelo Senado. Entre os próprios ministros do STF não há consenso. Nelson Jobim, por exemplo, que em junho sucederá Corrêa na presidência do tribunal, defenderá a criação do conselho amanhã em audiência na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

"Vírus letal"
À tarde, Lula participou de outro compromisso com juízes -a abertura da 4ª Reunião Preparatória da 8ª Cúpula Ibero-Americana de Presidentes de Cortes Supremas e Superiores Tribunais de Justiça, no STJ. Antes de discursar, ouviu críticas contundentes do presidente do STJ, ministro Nilson Naves, ao controle externo. Para ele, as ingerências externas poderiam trazer um "vírus letal que inseriria atitudes e interesses políticos determinados a influenciar decisões dos tribunais".
Naves disse que a colocação do Judiciário em "posição de subordinação" a outro Poder o exporia a influências políticas, "o que, como sabemos, sucede nos regimes totalitários". Lula não rebateu.
Como no STF, o vice-presidente do STJ, Edson Vidigal, divergiu do titular e defendeu o controle.
À noite, Corrêa fez pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão para defender a imagem da Justiça à nação. "Um Poder Judiciário que se apequene e se amesquinhe perante os cidadãos tanto menos garantia proporcionará à sociedade e maior risco poderá trazer à liberdade, ao patrimônio e à cidadania."
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Roberto Busato, disse que a entidade defende o controle externo pelo menos desde 1986 e minimizou a reação dos juízes. "Eles estão um pouco rançosos. Os setores da vanguarda já não pensam assim. Muitos juízes da primeira instância o aceitam com tranqüilidade."


Colaborou a Reportagem Local

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