São Paulo, quarta, 3 de fevereiro de 1999

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JANIO DE FREITAS
O que a Carochinha não sabe

Aí, dona Baratinha apareceu sem ninguém perceber e roeu as asas da Borboleta. Aí, os bichos todos ficaram muito espantados, e dona Baratinha então disse: "Foi o Grilo Falante que mandou. A Borboleta era linda, maravilhosa, mas o Grilo Falante quer a Mariposa".
Aí está, para quem não a ouviu na voz autorizada do ministro da Fazenda, a explicação do governo para a repentina defenestração do recém-nomeado presidente do Banco Central. Não houve, na versão carochinhamente ridícula, mais motivo de exoneração do que a oferta dos seus cargos por Pedro Malan e Francisco Lopes, em dia que o ministro não sabe qual foi, e a resposta do presidente de que "insistia em manter" Malan.
Só por coincidência, então, Francisco Lopes foi afastado em seguida a dois fatos notáveis: a disparada do dólar na sexta-feira, acompanhada da corrida aos bancos e à poupança, e a chegada da missão e da segunda maior autoridade do FMI, antecipando sua saída do Fórum Econômico Mundial, na Suíça, para vir ao Brasil.
A Carochinha não sabe, mas o que aconteceu foi que Pedro Malan ficou com a posição do FMI e Francisco Lopes com a posição que já tornara pública na semana passada, mais firmemente na sexta-feira endolarada.
A missão do FMI não escondera que sua vinda tem, entre outras, a finalidade de determinar os princípios de intervenção do BC, quando o dólar iniciar disparadas. Francisco Lopes, por seu lado, defende e praticou, quando o dólar iniciou a subida, a tese da não-intervenção, convicto de que a elevação a níveis despropositados não se aguenta, seguindo-se uma queda que inicia o equilíbrio do dólar (foi o que se deu, de fato, pelo menos na segunda e ontem, primeiros dias úteis depois da alta absurda).
A concepção de Francisco Lopes, que não era novidade para Fernando Henrique, Malan, FMI e Senado, foi responsabilizada pelos três primeiros, quando posta em prática, por tudo o que houve na sexta-feira. E decretou o fim de Lopes. Ou abriu as portas para a nomeação de Armínio Fraga Neto, já indicado por André Lara Resende e bem recebido por Pedro Malan.
Agora o segundo aspecto do episódio. Para Armínio Fraga, presidir o Banco Central é uma honra. E a escolha talvez seja um reconhecimento dos seus méritos, o que só não se pode afirmar em vista das escolhas anteriores, que os próprios presidente e ministro acabaram condenando como desastrosas.
O governo, porém, não poderia entregar o Banco Central, ou seja, o controle de todo o sistema financeiro e o dos investimentos especulativos, a alguém que até ontem assessorava um megainvestidor especulativo com presença volumosa na ciranda brasileira. A honestidade de Armínio Fraga não está em questão, a priori, mas os deveres morais de um governo -se não é exagero excessivo falar desses deveres- exigem rigores e inflexibilidades que são indispensáveis à moralidade do país, perante si mesmo e perante o mundo.
Em tempo: é exagero excessivo, sim, falar nos deveres morais de um governo. A pretensa justificativa dada pelos políticos governistas, quase todos, para o BC presidido por ex-assessor de Georges Soros é de imoralidade perfeita: o conhecimento que Armínio Fraga tem da especulação vai servir ao governo para combater os especuladores.
Sem qualquer alusão, aqui, à pessoa de Fraga, o que, em última instância, a tese dos líderes governistas no Congresso propõe é a entrega das secretarias de Segurança, a direção da Polícia Federal e o Ministério da Justiça aos que conhecem de dentro as formas todas do banditismo.



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