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ELIO GASPARI
Demofobia, plutofilia
e laborfobia
A expressão da moda é "crise
de credibilidade". Trata-se de
um disfarce para dois problemas reais: o colapso de uma
política econômica ruinosa e a
perplexidade de um governo
habituado a não trabalhar.
Credibilidade é uma coisa
muito delicada. Relaciona-se
com a capacidade que uma
pessoa tem de fazer com que os
outros acreditem nela. Bill
Clinton, por exemplo, é uma
pessoa de pouca credibilidade.
Isso apenas ofusca uma administração bem-sucedida.
Credibilidade nada tem a
ver com o erro. A teoria de Ptolomeu, segundo a qual o Sol gira em torno da Terra, prevaleceu por séculos, mas não se pode dizer que, hoje, esteja passando apenas por uma crise de
credibilidade. Era um erro. O
que torna a aventura humana
interessante é o fato de que
tanto se pode dar credibilidade a um erro (o de Ptolomeu),
quanto se pode negá-la ao
acerto (o de Galileu). No duro
trabalho de administração de
sua credibilidade, preservando certas idéias e esquecendo
outras, o macaco da espécie
até que não se saiu mal.
Há três anos, quando FFH
dizia que o mundo entrara
num novo Renascimento, estava simplesmente errado. Em
janeiro, ao ser empossado, dizia-se convicto de que "o Brasil sairá fortalecido da crise"
(da qual não seria "gerente") e
assegurava que "o país terá
credibilidade ainda maior".
Se cometeu um erro de julgamento, bem que poderia reconhecê-lo. Se foi outra coisa,
outra coisa foi.
FHH cometeu a imprudência
de apostar num Renascimento
inexistente. Nessa aposta jogou o patrimônio da Viúva e
vendeu o trabalho de várias
gerações a preço de banana. É
dele o prefácio do livro "Auto-subversão", do professor Albert Hirschman. Pois lá há de
ter lido: "O curso da história
parece rumar com todo vigor
em direção contrária à visão
que se tem do curso da história".
Seguiu uma política econômica ruinosa, rasa e rabugenta. Conviveu desnecessariamente com uma moeda sobrevalorizada, acreditando numa
divindade chamada mercado.
Apostou que do outro lado da
mesa havia um bobo com uma
dama de copas temendo que
ele tivesse um ás. Achou que
podia mandar no jogo com um
dez de paus. Deu no que dará.
Fez isso porque usou o câmbio
sobrevalorizado para turbinar
um dos períodos de consumo
mais ridículos da história das
civilizações tropicais (saladas
francesas no Santa Luzia, em
São Paulo, aquele que lhe
doou R$ 5.000 para a campanha). Supôs que a festa cambial alavancaria a reeleição, e
esta lhe daria fôlego para a
correção do curso. Errou. Bem
que poderia ter lido o bom
amigo Hirschman com mais
atenção. Ele ensinou: "Uma
coisa não leva a outra. Uma
coisa impede a outra". A reeleição impediu a desvalorização do real há um ano e US$ 40
bilhões atrás.
Tudo mixaria, se o problema
tivesse se resumido apenas a
um lance de oportunismo político. Infelizmente, ele se relaciona sobretudo com a falta de
trabalho do governo. Um dos
exemplos mais significativos
dessa desordem foi o fato de o
Ministério da Fazenda não ter
preparado o projeto de emenda constitucional que teria
impedido a caducidade da
CPMF. Até as pedras sabiam
que a partir de 24 de janeiro a
Viúva ficaria sem esse tributo.
A turma que tanto fala em
ajuste fiscal não moveu uma
palha e a CPMF caducou,
abrindo um buraco estimado
pela própria ekipekonômica
em R$ 6,7 bilhões. Compensaram-no aumentando outros
impostos. Deixaram de arrecadar o único tributo que vai
ao bolso dos sonegadores e
garfaram o dinheiro de quem
tem livros limpos. Para se ter
uma idéia do que fizeram, dos
100 maiores contribuintes da
CPMF de uma lista do Banco
do Brasil mandada à Receita
Federal, 48 nunca declararam
Imposto de Renda. Esse pessoal, penhorado, agradece.
Apesar de tudo isso, poderia
ser injusto acusar a ekipekonômica de não fazer o dever de
casa. Eles podem saber coisas
que a choldra desconhece e,
portanto, alguma razão deve
ter havido. Agora se sabe que,
de fato, houve um motivo. O
Ministério da Fazenda, oficialmente, revela que seus sábios confiaram em pareceres
jurídicos que asseguravam a
legalidade da cobrança do imposto, com a alíquota anterior,
até que a nova emenda constitucional, depois de aprovada
pelo Congresso, entrasse em
vigor. Bastaria meia dúzia de
telefonemas para se descobrir
que isso era uma tolice. De
qualquer forma, bem que o
Ministério da Fazenda poderia fazer a gentileza de informar à escumalha o seguinte:
Quem foram os sábios que
deram esses palpites? Onde estão os pareceres? O que dizem?
Quem foram os gênios que
acreditaram nesses pareceres?
Um governo e um Ministério
da Fazenda que acreditam em
tamanha bobagem não podem
sofrer crise de credibilidade.
Seu males são outros. A saber:
1) demofobia, ou horror ao
povo. Exemplo: desde o final
do ano passado o governo insistiu em se manter distante,
por gestos e palavras, da crise
das 2.800 demissões da Ford.
Agora, oferece à montadora
uma redução de IPI em troca
do reestudo das demissões. Faz
em fevereiro o que podia ter
feito em dezembro;
2) plutofilia, ou amor aos ricos. Sobe os juros que engordam gatos gordos, sabendo
que com isso aprofundará o
desemprego e a recessão de
1999, depois dos pífios resultados econômicos de 1998, provocados precisamente pelas
taxas de juros lunares;
3) laborfobia, ou alergia ao
trabalho. Nesse aspecto, não se
trata daquele desânimo que
sempre aparece na hora de se
pegar pesado. A alergia se manifesta até nas horas em que
bastaria pegar leve. Noves fora
o caso da CPMF, por falta de
quem datilografasse uma portaria, deixou-se o dólar fiscal
por 12 dias a R$ 1,20, quando
ele já estava encostando nos
R$ 2. Por falta de outro papelucho, paralisaram-se as vendas de máquinas agrícolas por
quase um mês. Por falta de
quem resolvesse trabalhar algo como duas horas, extinguiu-se o Dnocs sem esclarecer
para onde iriam seus funcionários, seus móveis e algumas
de suas políticas regulatórias.
Depois, ressuscitaram-no e
criaram uma comissão para
decidir como se fará o que devia ter sido feito.
Numa situação dessas, fica-se com saudade dos faraós. Faziam obras faraônicas, mas
até hoje não houve um só bípede que, diante de uma pirâmide, tenha sido capaz de negar o
quanto se trabalhou para empilhar aquelas pedras. Os faraós se atribuíam uma credibilidade divina. Hoje em dia
ninguém acredita neles, mas
as pedras estão lá.
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