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MARKETING EM QUESTÃO
Chico Malfitani vê risco à democracia na campanha política
Ex-marqueteiro do PT põe o marketing no banco dos réus
XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL
O sociólogo e jornalista Chico
Malfitani, 51, paulistano, foi um
dos criadores, nos anos 80, da
concepção moderna do que se
chama hoje marketing político no
Brasil. Ao comentar um dos primeiros programas feitos por ele,
em 1984, o então crítico de TV Décio Pignatari chegou a dizer que o
formato representava para o gênero a revolução que foi "Beto
Rockfeler" na telenovela do país.
Agora, Malfitani inicia campanha, que tem sido divulgada em
palestras, contra os próprios marqueteiros, faz um "mea culpa" e
diz que os profissionais da área
devem ser cobrados duramente e
não virar celebridades de coluna
social ou castelo de "Caras".
"O poder dos marqueteiros hoje
é o poder de Goebbels [homem de
propaganda do nazismo". Mente-se como nunca. É tudo Big Mac",
disse. "Falam em Duda Mendonça, Nizan Guanaes e Nelson Biondi como gênios, magos. É uma supervalorização", afirma.
Sobra desilusão também com o
PT, partido no qual iniciou a nova
profissão como militante.
"Fui afastado das campanhas
do PT acusado de "despolitizante",
sem ideologia, agora o Duda
Mendonça orienta o discurso do
partido, escolhe o vice de Lula
[sobre a polêmica acerca do senador José Alencar, do PL mineiro"
e manda José Genoino [candidato
do PT ao governo paulista" prometer a Rota nas ruas, para bater
em pobre", disse.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Folha -Por que resolveu, para
usar uma expressão popular, "cuspir no prato que comeu?"
Chico Malfitani - A mentira chegou a um grau insuportável. A
gente enganando o povo leva a
uma profunda desilusão com a
politica. Por isso que faço a reflexão agora. É um crime que põe
em risco a própria democracia,
ainda mais em um país com tradição de golpes como este. É um crime. Os marqueteiros estão ajudando a radicalizar a idéia de que
todos os políticos são iguais. Porque as campanhas são as mesmas,
tudo Big Mac, globalizaram tudo.
Folha - Mas teria outro jeito, já
que se trata de publicidade. Não
faz parte da natureza publicitária?
Malfitani - Tem como fazer um
programa que não faça o povo de
bobo, sem mentiras e que não seja
chato. A publicidade de produtos
também vende mentira, mas tem
uma diferença: se eu não gostar
da cerveja, eu troco por outra. Se
eu não gostar das Havaianas, eu
troco pela Raider. O político, não.
Você vai ter de ficar os quatro
anos com ele. Não tem devolução.
Daí o tamanho da responsabilidade da gente. Não pode ser Pôncio
Pilatos, lavar as mãos e dizer que é
um trabalho como outro qualquer. Não é. É muito diferente.
Folha - Acha que seria o caso de
criar um Conar (o conselho que regulamenta a publicidade de produtos) para a propaganda política?
Malfitani - Do jeito que anda a
coisa, deveriam criar um organismo de controle, sim. Rigoroso.
Nesse sentido é que resolvi fazer
essa alerta. Outro dia, numa palestra na PUC (Pontifícia Universidade Católica), ouvia uma publicitária, que trabalha com o Nizan [Guanaes" dizer como se fazia
uma campanha política.
Primeiro faz uma pesquisa, vê o
que o povo quer ouvir, aí manda o
candidato dizer isso e aquilo. Aí
eu gritei: pára, pára, pára. Esse esquema virou uma coisa normal,
ninguém mais estranha.
Folha - Em que momento você se
sentiu enganando o povo?
Malfitani - Eu quando enganei
-ou hipocritamente ou inocentemente-, na campanha que fiz
para o Rossi [Francisco Rossi,
candidato do PDT ao governo de
São Paulo em 98", eu tentei, do jeito mais mambembe que podia
ser, pedir perdão pelo erro.
Tentei fazer alguma coisa. Eu fiz
uma campanha dura, antimalufista para valer, com o lema "chega de rouba mas faz" espalhado
em outdoors por São Paulo, aí o
candidato vai e se alia a Maluf no
segundo turno. Eu fui crucificado
com o Rossi no momento dessa
adesão. E tinha que ser mesmo.
Folha - Qual foi a sua reação?
Malfitani - No dia em que aconteceu, tentei pelo menos atrapalhar o casamento, como quem
grita do fundo da igreja, na hora
em que o padre pergunta se alguém tem algo contra os noivos.
Disse que estava arrependido, me
manifestei publicamente.
Folha - Vai fazer alguma campanha este ano? Já tem acerto com algum candidato?
Malfitani - Não faço para qualquer um, como é praxe no mercado. Faria para o PT, mas o partido
já fez a sua opção por Duda Mendonça. Faria para o Itamar Franco, que sempre teve posições de
ataque coerente ao governo. Em
São Paulo, faria uma campanha
antimalufista para o Alckmin,
pois sou, antes de tudo, contra o
que representa Paulo Maluf.
Folha - Não acha que a sua crítica
aos marqueteiros pode ser vista como esperneio de quem está fora
das grandes campanhas?
Malfitani - Eu sei que todo mundo vai dizer que falo isso porque
sou um frustrado, não estou fazendo a campanha do PT. Falar
que não sou mocinho, que já trabalhei para o Rossi, que me sujei
também. Não sou santo não, longe disso, mas chegou a hora de
discutir essa coisa. É sério demais.
Não pode deixar correr frouxo.
Chegou no limite. É mentira demais. E tudo aceito na boa.
Ora, dizer que o povo do Maranhão vive bem, com 64% das famílias abaixo da linha da pobreza?
Aí me vem o marqueteiro com
uma paródia de comercial de cerveja, a número 1, para comparar à
governadora. É uma gracinha.
Folha - Você sempre foi atacado
pelos petistas por ter feito campanhas consideradas muito "lights" e
despolitizadas. Em 92, chegou a ser
afastado, de forma não muito educada, pelo grupo de Lula da campanha de Suplicy [candidato à prefeitura paulistana". O que acha da
contratação de Duda Mendonça
para a eleição deste ano?
Malfitani - Você despolitiza, faz
campanha muito "ligth". Era o
que eu ouvia. Nunca me deram
uma oportunidade no PT para
um campanha presidencial porque diziam que os meus programas eram "despolitizantes" e
não-ideológicos. Botar a Rota na
rua é que é "politizante?" O Duda
Mendonça é que é "politizante?"
Eu falava há 15 anos atrás que
forma é diferente de conteúdo e
era atacado no PT. Agora o Duda
Mendonça, que ajudou a aumentar os preconceitos contra o partido em São Paulo, fala e eles acham
genial. Estou vendo hoje o PT babar pelo que Duda faz.
E o Lula é que é o grande homem de marketing do Duda. O
que o Duda ganhou de importante recentemente? Ele fala sempre
das vitórias, mas perde muito. Faz
várias campanhas ao mesmo
tempo em vários Estados, empregando as mesmas peças, só muda
o nome do candidato.
Folha - Acha que a campanha do
PT à Presidência vai ser mentirosa?
Malfitani - Se o Lula se eleger
vendendo as ilusões do Duda
Mendonça e não cumprir as promessas nos primeiros meses, vai
fornecer à elite um combustível
enorme para a sua derrubada do
poder. É a dialética de uma derrota [referência ao livro homônimo
do chileno Carlos Altamirano, sobre as falhas de comunicação do
governo Allende".
Folha - Mas marqueteiro não é
novidade no PT...
Malfitani - A Marta [Suplicy,
prefeita de São Paulo" fez uma
campanha ao governo do Estado,
em 98, sem mentir. Em 2000 houve um certo exagero. Teve o Começar de Novo, que pregou a ilusão de que todo mundo vai ter
uma chance de emprego depois
dos 40 anos. Se quer lançar essas
embalagens, que estipule uma
meta. Diga que o Começar de Novo vai atender um certo número
de pessoas. Mesmo caso foi o programa Primeiro Emprego. Vendeu a ilusão de que todo jovem vai
ser empregado. Aí o cara vai lá na
prefeitura, passa seis meses, não
tem emprego. Vai sair dizendo
que a administração é péssima.
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