São Paulo, domingo, 03 de março de 2002

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MARKETING EM QUESTÃO

Chico Malfitani vê risco à democracia na campanha política

Ex-marqueteiro do PT põe o marketing no banco dos réus

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

O sociólogo e jornalista Chico Malfitani, 51, paulistano, foi um dos criadores, nos anos 80, da concepção moderna do que se chama hoje marketing político no Brasil. Ao comentar um dos primeiros programas feitos por ele, em 1984, o então crítico de TV Décio Pignatari chegou a dizer que o formato representava para o gênero a revolução que foi "Beto Rockfeler" na telenovela do país.
Agora, Malfitani inicia campanha, que tem sido divulgada em palestras, contra os próprios marqueteiros, faz um "mea culpa" e diz que os profissionais da área devem ser cobrados duramente e não virar celebridades de coluna social ou castelo de "Caras".
"O poder dos marqueteiros hoje é o poder de Goebbels [homem de propaganda do nazismo". Mente-se como nunca. É tudo Big Mac", disse. "Falam em Duda Mendonça, Nizan Guanaes e Nelson Biondi como gênios, magos. É uma supervalorização", afirma.
Sobra desilusão também com o PT, partido no qual iniciou a nova profissão como militante.
"Fui afastado das campanhas do PT acusado de "despolitizante", sem ideologia, agora o Duda Mendonça orienta o discurso do partido, escolhe o vice de Lula [sobre a polêmica acerca do senador José Alencar, do PL mineiro" e manda José Genoino [candidato do PT ao governo paulista" prometer a Rota nas ruas, para bater em pobre", disse.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
 

Folha -Por que resolveu, para usar uma expressão popular, "cuspir no prato que comeu?"
Chico Malfitani
- A mentira chegou a um grau insuportável. A gente enganando o povo leva a uma profunda desilusão com a politica. Por isso que faço a reflexão agora. É um crime que põe em risco a própria democracia, ainda mais em um país com tradição de golpes como este. É um crime. Os marqueteiros estão ajudando a radicalizar a idéia de que todos os políticos são iguais. Porque as campanhas são as mesmas, tudo Big Mac, globalizaram tudo.

Folha - Mas teria outro jeito, já que se trata de publicidade. Não faz parte da natureza publicitária?
Malfitani
- Tem como fazer um programa que não faça o povo de bobo, sem mentiras e que não seja chato. A publicidade de produtos também vende mentira, mas tem uma diferença: se eu não gostar da cerveja, eu troco por outra. Se eu não gostar das Havaianas, eu troco pela Raider. O político, não. Você vai ter de ficar os quatro anos com ele. Não tem devolução. Daí o tamanho da responsabilidade da gente. Não pode ser Pôncio Pilatos, lavar as mãos e dizer que é um trabalho como outro qualquer. Não é. É muito diferente.

Folha - Acha que seria o caso de criar um Conar (o conselho que regulamenta a publicidade de produtos) para a propaganda política?
Malfitani
- Do jeito que anda a coisa, deveriam criar um organismo de controle, sim. Rigoroso. Nesse sentido é que resolvi fazer essa alerta. Outro dia, numa palestra na PUC (Pontifícia Universidade Católica), ouvia uma publicitária, que trabalha com o Nizan [Guanaes" dizer como se fazia uma campanha política.
Primeiro faz uma pesquisa, vê o que o povo quer ouvir, aí manda o candidato dizer isso e aquilo. Aí eu gritei: pára, pára, pára. Esse esquema virou uma coisa normal, ninguém mais estranha.

Folha - Em que momento você se sentiu enganando o povo?
Malfitani
- Eu quando enganei -ou hipocritamente ou inocentemente-, na campanha que fiz para o Rossi [Francisco Rossi, candidato do PDT ao governo de São Paulo em 98", eu tentei, do jeito mais mambembe que podia ser, pedir perdão pelo erro.
Tentei fazer alguma coisa. Eu fiz uma campanha dura, antimalufista para valer, com o lema "chega de rouba mas faz" espalhado em outdoors por São Paulo, aí o candidato vai e se alia a Maluf no segundo turno. Eu fui crucificado com o Rossi no momento dessa adesão. E tinha que ser mesmo.

Folha - Qual foi a sua reação?
Malfitani
- No dia em que aconteceu, tentei pelo menos atrapalhar o casamento, como quem grita do fundo da igreja, na hora em que o padre pergunta se alguém tem algo contra os noivos. Disse que estava arrependido, me manifestei publicamente.

Folha - Vai fazer alguma campanha este ano? Já tem acerto com algum candidato?
Malfitani - Não faço para qualquer um, como é praxe no mercado. Faria para o PT, mas o partido já fez a sua opção por Duda Mendonça. Faria para o Itamar Franco, que sempre teve posições de ataque coerente ao governo. Em São Paulo, faria uma campanha antimalufista para o Alckmin, pois sou, antes de tudo, contra o que representa Paulo Maluf.

Folha - Não acha que a sua crítica aos marqueteiros pode ser vista como esperneio de quem está fora das grandes campanhas?
Malfitani
- Eu sei que todo mundo vai dizer que falo isso porque sou um frustrado, não estou fazendo a campanha do PT. Falar que não sou mocinho, que já trabalhei para o Rossi, que me sujei também. Não sou santo não, longe disso, mas chegou a hora de discutir essa coisa. É sério demais. Não pode deixar correr frouxo. Chegou no limite. É mentira demais. E tudo aceito na boa.
Ora, dizer que o povo do Maranhão vive bem, com 64% das famílias abaixo da linha da pobreza? Aí me vem o marqueteiro com uma paródia de comercial de cerveja, a número 1, para comparar à governadora. É uma gracinha.

Folha - Você sempre foi atacado pelos petistas por ter feito campanhas consideradas muito "lights" e despolitizadas. Em 92, chegou a ser afastado, de forma não muito educada, pelo grupo de Lula da campanha de Suplicy [candidato à prefeitura paulistana". O que acha da contratação de Duda Mendonça para a eleição deste ano?
Malfitani
- Você despolitiza, faz campanha muito "ligth". Era o que eu ouvia. Nunca me deram uma oportunidade no PT para um campanha presidencial porque diziam que os meus programas eram "despolitizantes" e não-ideológicos. Botar a Rota na rua é que é "politizante?" O Duda Mendonça é que é "politizante?"
Eu falava há 15 anos atrás que forma é diferente de conteúdo e era atacado no PT. Agora o Duda Mendonça, que ajudou a aumentar os preconceitos contra o partido em São Paulo, fala e eles acham genial. Estou vendo hoje o PT babar pelo que Duda faz.
E o Lula é que é o grande homem de marketing do Duda. O que o Duda ganhou de importante recentemente? Ele fala sempre das vitórias, mas perde muito. Faz várias campanhas ao mesmo tempo em vários Estados, empregando as mesmas peças, só muda o nome do candidato.

Folha - Acha que a campanha do PT à Presidência vai ser mentirosa?
Malfitani
- Se o Lula se eleger vendendo as ilusões do Duda Mendonça e não cumprir as promessas nos primeiros meses, vai fornecer à elite um combustível enorme para a sua derrubada do poder. É a dialética de uma derrota [referência ao livro homônimo do chileno Carlos Altamirano, sobre as falhas de comunicação do governo Allende".

Folha - Mas marqueteiro não é novidade no PT...
Malfitani
- A Marta [Suplicy, prefeita de São Paulo" fez uma campanha ao governo do Estado, em 98, sem mentir. Em 2000 houve um certo exagero. Teve o Começar de Novo, que pregou a ilusão de que todo mundo vai ter uma chance de emprego depois dos 40 anos. Se quer lançar essas embalagens, que estipule uma meta. Diga que o Começar de Novo vai atender um certo número de pessoas. Mesmo caso foi o programa Primeiro Emprego. Vendeu a ilusão de que todo jovem vai ser empregado. Aí o cara vai lá na prefeitura, passa seis meses, não tem emprego. Vai sair dizendo que a administração é péssima.



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