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QUESTÃO AGRÁRIA
Entrega de benefício é condicionada a compromisso por escrito dos trabalhadores rurais de não fazer invasões
Cesta básica é usada para pressionar sem-terra
EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA
Para tentar frear ações de sem-terra pelo país, a Ouvidoria Agrária Nacional (órgão do governo federal) está condicionando a entrega de cestas básicas a famílias acampadas e o desenrolar de outras promessas políticas ao comprometimento por escrito dos
trabalhadores rurais de não efetuar saques, barricadas e invasões, segundo documentos obtidos pela Agência Folha.
O objetivo da ouvidoria, para
casos de reincidência de conflitos
e protestos, é ter em mãos um documento que prove à sociedade
os compromissos assumidos durante as audiências públicas, já
realizadas neste ano em quatro
Estados (Alagoas, Maranhão, Mato Grosso e Piauí).
"[A assinatura] É para evitar
que as pessoas depois digam que
não fizeram nenhum tipo de
compromisso. Para que nenhuma das partes negue que tenha
participado do acordo. Para resolver os conflitos agrários, não há
nada melhor do que isso que estamos fazendo", afirmou o ouvidor
agrário nacional, Gercino José da
Silva Filho.
As audiências estão acontecendo onde houve conflitos ou existe
a iminência de que ocorram. Participam dos encontros, além do
ouvidor agrário nacional, representantes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária), de governos estaduais,
da Polícia Militar e ruralistas.
Da mesma forma que impõe
uma proposta de pacto aos sem-terra, a ouvidoria está tentando
convencer as associações regionais de fazendeiros a se comprometerem, também por meio de
suas assinaturas, a não contratar
seguranças particulares (jagunços
armados de espingardas, por
exemplo) para intimidar os sem-terra ao redor das propriedades.
Um dos tópicos do termo de
compromisso assinado em Maceió, em 15 de fevereiro, diz que
"os coordenadores do MST comprometem-se a não obstruir rodovias nem ocupar prédios públicos enquanto as cláusulas acordadas nesta reunião e na reunião de
11 de fevereiro de 2003 estiverem
sendo cumpridas".
O documento foi assinado pelos
sem-terra em troca de cestas básicas às famílias acampadas e vistoria em uma propriedade no interior do Estado. Em Alagoas, no
mês passado, camponeses ligados
ao MST bloquearam estradas em
duas oportunidades, mantendo
inclusive um secretário de Estado
como refém.
No dia 4 de fevereiro, cerca de
400 sem-terra bloquearam um
trecho da rodovia AL-220 e mantiveram refém por cinco horas o
secretário estadual da Agricultura, Reinaldo Falcão, que tinha ido
ao local negociar a desobstrução
da via. No dia 13 do mesmo mês,
cerca de 500 integrantes do MST
bloquearam novamente uma rodovia de Alagoas, a BR-316, em
Atalaia (interior do Estado).
O protesto foi motivado, segundo o MST, pela falta de estrutura
nos assentamentos criados durante o governo Fernando Henrique Cardoso e no pedido de agilidade na vistoria de terras para
alojar as famílias acampadas nas
estradas vicinais do Estado.
O procedimento da ouvidoria já
está provocando duras críticas
tanto de ruralistas como de movimentos ligados à defesa da reforma agrária. Para a UDR (União
Democrática Ruralista), trata-se
de uma idéia "inviável", pois não
há como deixar de reagir às invasões de terra. Para o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra), a ouvidoria está cometendo um "equívoco" político.
"Nós [da ouvidoria" temos de ir
devagar, fazendo um acordo aqui
e outro ali. Evidentemente assusta
no início porque realmente não é
costumeiro os movimentos sociais e os produtores rurais fazerem esse tipo de acordo, frente a
frente. Eles reclamam, chiam, impõem resistências, mas o importante é que nós estamos fazendo
os acordos", declarou o ouvidor.
Terras improdutivas
A ouvidoria ainda lançou outra
polêmica ao deixar claro que está
atenta apenas às invasões a prédios públicos, como sedes de bancos e do Incra, e a fazendas que
não estejam cumprindo sua função social de acordo com a Constituição (produtividade e respeito
ao ambiente e às leis trabalhistas).
Portanto, a entrada de sem-terra em propriedades improdutivas
será ignorada pelo órgão diretamente subordinado ao Ministério
do Desenvolvimento Agrário.
"Temos de lutar contra as invasões às fazendas produtivas. Porque as improdutivas nem eu faço
exigência de não-ocupação. Se
elas [as fazendas improdutivas]
não estão cumprindo sua função
social, devem ser encaminhadas
para a reforma agrária mesmo",
afirmou o ouvidor.
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