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São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2003

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QUESTÃO AGRÁRIA

Entrega de benefício é condicionada a compromisso por escrito dos trabalhadores rurais de não fazer invasões

Cesta básica é usada para pressionar sem-terra

EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA

Para tentar frear ações de sem-terra pelo país, a Ouvidoria Agrária Nacional (órgão do governo federal) está condicionando a entrega de cestas básicas a famílias acampadas e o desenrolar de outras promessas políticas ao comprometimento por escrito dos trabalhadores rurais de não efetuar saques, barricadas e invasões, segundo documentos obtidos pela Agência Folha.
O objetivo da ouvidoria, para casos de reincidência de conflitos e protestos, é ter em mãos um documento que prove à sociedade os compromissos assumidos durante as audiências públicas, já realizadas neste ano em quatro Estados (Alagoas, Maranhão, Mato Grosso e Piauí).
"[A assinatura] É para evitar que as pessoas depois digam que não fizeram nenhum tipo de compromisso. Para que nenhuma das partes negue que tenha participado do acordo. Para resolver os conflitos agrários, não há nada melhor do que isso que estamos fazendo", afirmou o ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho.
As audiências estão acontecendo onde houve conflitos ou existe a iminência de que ocorram. Participam dos encontros, além do ouvidor agrário nacional, representantes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), de governos estaduais, da Polícia Militar e ruralistas.
Da mesma forma que impõe uma proposta de pacto aos sem-terra, a ouvidoria está tentando convencer as associações regionais de fazendeiros a se comprometerem, também por meio de suas assinaturas, a não contratar seguranças particulares (jagunços armados de espingardas, por exemplo) para intimidar os sem-terra ao redor das propriedades.
Um dos tópicos do termo de compromisso assinado em Maceió, em 15 de fevereiro, diz que "os coordenadores do MST comprometem-se a não obstruir rodovias nem ocupar prédios públicos enquanto as cláusulas acordadas nesta reunião e na reunião de 11 de fevereiro de 2003 estiverem sendo cumpridas".
O documento foi assinado pelos sem-terra em troca de cestas básicas às famílias acampadas e vistoria em uma propriedade no interior do Estado. Em Alagoas, no mês passado, camponeses ligados ao MST bloquearam estradas em duas oportunidades, mantendo inclusive um secretário de Estado como refém.
No dia 4 de fevereiro, cerca de 400 sem-terra bloquearam um trecho da rodovia AL-220 e mantiveram refém por cinco horas o secretário estadual da Agricultura, Reinaldo Falcão, que tinha ido ao local negociar a desobstrução da via. No dia 13 do mesmo mês, cerca de 500 integrantes do MST bloquearam novamente uma rodovia de Alagoas, a BR-316, em Atalaia (interior do Estado).
O protesto foi motivado, segundo o MST, pela falta de estrutura nos assentamentos criados durante o governo Fernando Henrique Cardoso e no pedido de agilidade na vistoria de terras para alojar as famílias acampadas nas estradas vicinais do Estado.
O procedimento da ouvidoria já está provocando duras críticas tanto de ruralistas como de movimentos ligados à defesa da reforma agrária. Para a UDR (União Democrática Ruralista), trata-se de uma idéia "inviável", pois não há como deixar de reagir às invasões de terra. Para o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), a ouvidoria está cometendo um "equívoco" político.
"Nós [da ouvidoria" temos de ir devagar, fazendo um acordo aqui e outro ali. Evidentemente assusta no início porque realmente não é costumeiro os movimentos sociais e os produtores rurais fazerem esse tipo de acordo, frente a frente. Eles reclamam, chiam, impõem resistências, mas o importante é que nós estamos fazendo os acordos", declarou o ouvidor.

Terras improdutivas
A ouvidoria ainda lançou outra polêmica ao deixar claro que está atenta apenas às invasões a prédios públicos, como sedes de bancos e do Incra, e a fazendas que não estejam cumprindo sua função social de acordo com a Constituição (produtividade e respeito ao ambiente e às leis trabalhistas).
Portanto, a entrada de sem-terra em propriedades improdutivas será ignorada pelo órgão diretamente subordinado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.
"Temos de lutar contra as invasões às fazendas produtivas. Porque as improdutivas nem eu faço exigência de não-ocupação. Se elas [as fazendas improdutivas] não estão cumprindo sua função social, devem ser encaminhadas para a reforma agrária mesmo", afirmou o ouvidor.


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