São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2004

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ELIO GASPARI

A economia Curupira do Banco Central

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, anunciou que a economia nacional deverá crescer 3,5% neste ano. Em janeiro do ano passado ele prometia um crescimento de 2,8%. Deu -0,2%. Ou seja, se em janeiro do ano que vem o IBGE anunciar que 2004 fechou com um crescimento de 0,5% do PIB, ninguém poderá reclamar, pois o desempenho estará dentro da margem de erro do doutor. Quando ele trabalhava em banco americano, não era doido de fazer uma coisa dessas.
Na segunda-feira, o presidente do Banco Central deu uma aula de economia (em português hermético), monologando com um "interlocutor imaginário" ao qual ensinou que o caminho para a recuperação "passa pela capilarização dos efeitos da política monetária, que começa justamente em setores mais sensíveis ao crédito, se transmite em seguida à demanda por bens intermediários e, a partir do aumento dos níveis de produção desses setores, acaba induzindo um aumento da massa salarial". Ou não. Nos últimos nove anos, os efeitos da política monetária secaram as veias da escumalha, arruinaram as empresas, reduziram a massa salarial e produziram os maiores índices de desemprego dos últimos 20 anos.
A aula do doutor Meirelles foi inquietante. É um texto tenso, encalacrado, como muitos monólogos com interlocutores imaginários. Quem tem o gosto de ler os serenos pronunciamentos de Alan Greenspan, o presidente do Banco Central americano, atemoriza-se diante de Meirelles. Ele bota medo nas pessoas. Ao fim de sua exposição, ensinou:
"É necessário resistir ao apelo fácil dos cantos de falsas sereias que nos convidam a repetir os erros do passado. Trazer de volta déficits primários e baixar os juros artificialmente, sem reduzir de forma consistente o risco Brasil, seria repetir a mesma série de desastres vivida pela economia brasileira nas últimas décadas. Não é isso que espera de nós a sociedade brasileira. Não é isso o que faremos".
O doutor produziu uma peroração de mitingueiro estudantil. Pelo seguinte:
Qualificou como catastróficas as conseqüências de uma política diferente da sua, mas quem produziu catástrofe em 2003 foi uma ekipe da qual faz parte Henrique Meirelles. Os juros altos de Meirelles não são necessariamente reais e os dos outros também não são necessariamente artificiais. Sabe-se apenas que os dele são ruinosos.
Referiu-se aos "desastres" das "últimas décadas". Não disse quantas são as décadas. Se são duas, tudo bem. Além daí o doutor não deve ir. Em 1974 o Brasil crescia a 10% ao ano.
Se Meirelles faz contas com a mesmo lógica com que sustenta seus pontos de vista, o Brasil vai à breca. Não há "falsas sereias". Como elas não existem, não podem ser verdadeiras. Seria como dizer que o Banco Central e o Ministério da Fazenda foram tomados por falsos Curupiras que ensinam o caminho errado a Macunaíma.
Há algo de Curupira no no governo de Lula, no doutor Meirelles e nos seus ilustres colegas de ekipekonômica. O indiozinho peludo de dentes verdes da sabedoria indígena brasileira ilude os caçadores porque tem os pés voltados para trás. Pensa-se que ele foi para a frente e ele andou para trás. Como o governo, que em janeiro do ano passado anunciou um crescimento de 2,8% do PIB, prometeu um "espetáculo do crescimento" para julho e fechou o ano com uma contração econômica de 0,2%.
Meirelles é um veterano Curupira. Em janeiro de 1999 ele dizia que em 2001 e 2002 o Brasil cresceria a taxas de 7% ao ano. Não se chegou a 2%.


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