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ELIO GASPARI
O Itamaraty tem vergonha do seu êxito em Angola
Deu no "The New York Times": documentos americanos revelam que o presidente Richard Nixon e o secretário de
Estado Henry Kissinger fizeram
a patuléia de boba em 1975,
quando denunciaram a intervenção cubana em Angola nos
meses anteriores à sua independência. Eles já estavam intervindo na guerra civil que se iniciara naquele país. E estavam
intervindo sem qualquer relação com a atitude de Cuba.
Mais ou menos como tinham
feito no Congo anos antes.
Passados 27 anos desses episódios, cabe uma pergunta: e o
que é que a gente tem a ver com
isso?
O seguinte: há 27 anos a diplomacia brasileira escreveu em
Angola uma das páginas mais
corajosas, criativas e competentes de sua história. Tomou um
curso oposto à americana. Mostrou que estava certa e, aos poucos, os próprios testemunhos dos
americanos demonstram isso.
Os americanos estudam e
aprendem como perderam, enquanto os brasileiros ignoram o
próprio sucesso.
Depois do desabamento da ditadura portuguesa, em 1974,
Angola tinha data marcada (11
de novembro de 1975) para se
tornar independente. Estava dividida em três facções. O MPLA
tinha o apoio russo, a FNLA era
sustentada pela CIA e a Unita,
pela África do Sul. Dois diplomatas brasileiros, Ítalo Zappa,
chefe do Departamento de África do Itamaraty, e Ovídio de
Andrade Mello, cônsul-geral em
Luanda, sustentavam que esses
apoios eram construções geopolíticas pernósticas e que o MPLA
haveria de prevalecer.
Eram dois tipos estranhos.
Ovídio aceitara trocar o lugar
de ministro-conselheiro em
Londres pelo consulado em
Luanda, onde faltava comida.
(O mais famoso caso de remoção com tamanha queda de
qualidade de vida deu-se com
um embaixador de má conduta.) Zappa viria a ser um embaixador que nunca serviu numa capital onde os supermercados
vendiam creme de barbear (Pequim, Maputo, Havana e Ho
Chi Minh).
Tiveram o apoio de uma
chanceler tenaz, o embaixador
Antonio Francisco Azeredo da
Silveira, e de um presidente capaz de se lixar para os americanos: Ernesto Geisel.
Em outubro de 1975, o professor Kissinger achava que a fatura angolana estava resolvida.
Com a sua ajuda, a FNLA invadiria o país pelo norte, enquanto a Unita, apoiada por tropas
sul-africanas, invadiria pelo sul.
A ofensiva da Unita começou
em outubro e parecia um êxito.
No dia 11 de novembro, o MPLA
seria expulso de Luanda e o caso
estaria encerrado. Na hora de a
onça beber água, Fidel Castro
meteu-se na briga, mandou tropas para Angola, pulverizou a
ofensiva da FNLA e rechaçou as
tropas sul-africanas.
Ficou a impressão de que o
Brasil se metera numa guerrilha
cubana. De Luanda, Ovídio sustentava que a presença maciça
de cubanos em Angola antes do
dia 11 de novembro era uma lorota. Tanto ele quanto Zappa
arriscavam dizer que a intervenção cubana dera-se à revelia
dos russos.
Foram dados por doidos. Ovídio foi removido para a Tailândia e de lá para a Jamaica. Penou mais de 40 preterições.
Passou o tempo e, no final de
1999, o professor Henry Kissinger publicou o último volume de
suas memórias reconhecendo
que fez bobagem em Angola.
Apesar do mea culpa, o professor insistiu em denunciar a ação
cubana, ficando mais ou menos
como anjo em relação àquilo
que aconteceu antes da chegada
das tropas de Fidel. Agora o professor Piero Gleijeses, da Universidade John Hopkins, acaba de
publicar nos Estados Unidos o
livro "Missões Conflitantes Havana, Washington e África,
1959-1976", no qual, baseado
em documentação recentemente liberada, prova que os americanos começaram a intervir em
Angola em junho de 1975, quando lá não havia um só cubano.
A versão de Kissinger foi desmontada, e quem diz isso é um
ex-diretor de inteligência do Departamento de Estado.
O êxito diplomático brasileiro
em Angola é até hoje mantido
sob uma capa de constrangimento. Vão-se completar 30
anos e não se tem notícia de um
só grupo de trabalho montado
no Itamaraty para estudar o caso. Muito menos de um reconhecimento público da competência da diplomacia brasileira.
Em tempo: em 1964, o embaixador americano Lincoln Gordon recebeu uma das mais prestigiosas medalhas do Departamento de Estado. Qualquer
coincidência com a derrubada
de João Goulart é mera semelhança.
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