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São Paulo, quinta-feira, 03 de abril de 2003

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JANIO DE FREITAS

Crimes impunes

Assim como a história dos feitos, o julgamento do que neles se passou depende de quem foi o transgressor das leis internacionais.
O bombardeio de populações civis, que em jornais de todo o mundo têm motivado a palavra massacre no noticiário da invasão do Iraque, é crime de guerra. Nos Julgamentos de Nuremberg, que examinaram a culpa potencial das autoridades nazistas que sobreviveram à Segunda Guerra e ao próprio julgamento, o bombardeio de populações civis foi um dos mais fortes componentes na acusação a numerosos réus e em várias das sentenças, inclusive, de morte por enforcamento. Promotores e juízes eram, em grande maioria, americanos.
Os governos dos Estados Unidos e da Inglaterra atacaram e invadiram o Iraque sem declaração de guerra. Como não tiveram delegação da ONU para agir em nome da comunidade das nações, sua iniciativa caracterizou ato de agressão. Crime de guerra.
O governo e os jornalistas americanos que invocaram a Convenção de Genebra, indignados com o vídeo de prisioneiros feitos pelos iraquianos, nos quais não se notou indício nenhum de mau trato, são os mesmos que, como governo, estão mantendo presos em Guantânamo em condições bárbaras, o que está fartamente documentado; como governo e como jornalistas, estão determinando, documentando e divulgando humilhações em civis iraquianos, interrogando-os estirados no chão, o rosto na terra, por nada, ou só por serem iraquianos. Isto, sim, transgride a Convenção de Genebra. É crime de guerra.
Muitos já disseram que não só os nazistas derrotados na Segunda Guerra deveriam estar nos tribunais de Nuremberg, mas também muitos dos aliados. Se por mais não fosse, certamente pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki. Caso a primeira tivesse, de fato, o propósito de acelerar o fim da guerra, a segunda, de qualquer modo, seria um crime monstruoso.
Nem a primeira, porém, se justificaria, diante deste fato pouco citado, dada sua inconveniência, mas solidamente documentado: antes mesmo de Hiroshima, os americanos já tinham mensagens japonesas com proposta de rendição, condicionada apenas à preservação do imperador Hiroíto. Condição, aliás, aceita mesmo depois das bombas.
A guerra no Vietnã preencheu todas as possibilidades de crime de guerra previstas nas leis internacionais, não faltando nem o uso de armas químicas, como o napalm lançado sobre vilarejos camponeses (não esqueçamos, jamais, da menina correndo despida, pela estrada, depois de queimada por napalm) e como o "agente laranja", que, passados mais de 20 anos, ainda causa males graves em populações vietnamitas e efeitos indeléveis em soldados americanos atingidos.
A lógica sugere que em breve Bagdá proporcionará mais um espetáculo completo de crimes de guerra -monstruosidades que ficarão impunes, porque sua punição depende de quem foram os criminosos.


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