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RUMO A 2006
Fustigado por intervenção federal na saúde do Rio, pefelista radicaliza crítica e acusa PT de pagar "mesada" a deputados
"Lula é o imperador do factóide", diz Maia
PLÍNIO FRAGA
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
Disposto a tentar se viabilizar
como o anti-Lula, o prefeito do
Rio, Cesar Maia, pré-candidato
do PFL na sucessão de 2006, radicalizou os ataques ao presidente
da República.
"Um segundo governo do PT
significa o chavismo, um plebiscito no mês de março [de 2007],
uma mudança do perfil do Congresso Nacional por meio da convocação de uma Constituinte...",
disse Maia à Folha, fustigado pela
intervenção federal na crise da
saúde do Rio.
Afirma que o "projeto autoritário, absolutista" do PT criou a
"mesada" para parlamentares na
relação entre governo e Congresso. "Não sei quem entrega essa
mala de dinheiro para ser dividida entre grupos de deputados ou
se ela vem do Planalto. Sei que,
antes do PT, essa prática não existia", acusa.
Maia é ríspido quando analisa o
presidente. "Lula fica como um
bobo da corte, como um animador do distinto público, todo santo dia, inventando um ato, um
factóide. É uma espécie de príncipe do factóide. Fui simplesmente
o introdutor do termo no país e
um mero aprendiz. Lula é o imperador dos factóides. Quando é
que o Lula trabalha?"
Durante sua primeira gestão à
frente da Prefeitura do Rio (1992-1996), Maia se notabilizou por
usar o termo "factóide" para definir alguns de seus atos públicos.
As ações, segundo ele próprio, tinham o objetivo de atrair a atenção da mídia e "implantar" seu
nome no "imaginário carioca".
Assim, Maia pediu picolé em
açougue e quis criar uma moeda
só para o Rio, por exemplo.
Em pesquisa do Ibope, realizada
de 10 a 14 de março, Maia atinge
13% das intenções de voto em seu
melhor cenário. Lula obtém 43%
dos votos em sua melhor performance, variando conforme a lista
de candidatos.
O prefeito do Rio diz que as
chances hoje de formalizar sua
candidatura a presidente são de
30%, contra 5% no passado. Declara que não partirá numa aventura e que também alimenta a
possibilidade de disputar o governo do Estado do Rio.
Num esforço de tornar seu nome conhecido nacionalmente, recentemente, Maia estrelou campanha nacional do PFL na TV. A
ênfase da peça eram seus feitos de
administrador do Rio -ele foi
reeleito prefeito no primeiro turno no ano passado.
É defensor da aliança com o
PSDB e de que a coalizão seja feita
em torno do nome mais viável
eleitoralmente, seja de que partido for. Aceita a hipótese de os dois
partidos terem candidatos, caso
seja necessário para assegurar a
disputa do segundo turno.
Cesar Maia, 59, fará da redução
de impostos sua bandeira de campanha e anuncia a substituição do
Estado mínimo liberal pelo "Estado Ipanema". "Como as garotas
da praia: não têm gordura, mas
não são raquíticas", define.
Em seu gabinete na Prefeitura
do Rio, decorado com 76 pôsteres, divididos em três paredes,
com imagens de personagens e
símbolos do socialismo soviético,
o pré-candidato liberal falou à Folha na última sexta-feira.
Folha - Na campanha eleitoral
passada, o sr. fez elogios ao governo Lula pelo tratamento dispensado ao Rio. Depois que o PFL lançou
seu nome à Presidência, mudou de
tom. Por quê?
Cesar Maia - Minhas relações administrativas com o presidente
eram harmônicas. Escrevi em
2004 uma carta a ele agradecendo
a aprovação de três medidas que
nos beneficiaram [mudanças na
lei do acesso aos depósitos judiciais, aprovação de legislação que
garante aos municípios acesso direto a recursos do salário educação e a lei complementar do ISS].
No entanto, o presidente quebrou essa relação ao fazer uma intervenção na saúde ao arrepio da
Constituição. As circunstâncias
mudam e você tem que se ajustar.
Não fui eu quem tomei a iniciativa
de fazer um ato que muita gente
experimentada em Brasília acha
que foi contra uma possível candidatura minha.
Folha - O sr. não acha que os efeitos políticos dessa intervenção nos
hospitais do Rio foram péssimos
para a sua pré-candidatura?
Maia - Isso afetou minha imagem somente entre setores médios e mais altos da sociedade.
Mas será que esses setores tomam
sua decisão de voto em razão apenas desse tema? Além disso, há situações que não são demandadas,
mas que acontecem. Esse fato
acabou renacionalizando o Rio de
Janeiro. Nesta semana, falei com
no mínimo 15 rádios de todo o
Brasil. O governo provocou um
confronto e nacionalizou meu
nome. Fizemos pesquisas nacionais que mostram que a maioria
das pessoas concorda que a intervenção foi política.
Folha - O sr. considera então sua
candidatura mais viável hoje do
que era em janeiro?
Maia - No início do ano, falei várias vezes que a probabilidade de
eu sair candidato era de apenas
5%. Depois da nacionalização da
questão do Rio e da divulgação do
meu nome, minhas chances aumentaram para 30%. Não imaginava que isso pudesse ocorrer em
menos de um ano. O esforço gigantesco que tínhamos que fazer
para que meu nome fosse conhecido foi minimizado. Agora, o esforço é de construção da imagem.
Não é um fato como esse [a crise
da saúde] que é afirmativo para o
bem ou para o mal. É preciso um
período longo para fixar uma
imagem.
Folha - O sr. tem apontado riscos
até para a democracia em uma
eventual reeleição de Lula. Não é
um exagero?
Maia - Um segundo governo do
PT significa o chavismo, um plebiscito no mês de março [de
2007], uma mudança do perfil do
Congresso Nacional por meio da
convocação de uma Constituinte... São os instrumentos autoritários que o PT vai usando e procura esconder. Colocaram o partido
dentro do Estado, como os nazistas. É uma brutalidade confundir
o partido com o Estado. É um
quadro de fascismo.
Lula é aprovado pela população
naquilo que é mais detestável. A
taxa de aprovação uma política
externa excludente, isolacionista,
terceiro-mundista, cinqüentona é
altíssima. O discurso antiamericano tem uma aprovação alta.
Folha - Que elementos o senhor
tem para apontar o chavismo num
eventual segundo mandato de Lula
no Planalto?
Maia - Quem olha por baixo daquilo que acontece na superfície
da terra sabe que o PT tem um
projeto chavista para o Brasil. Não
é para ficar oito anos, mas para ficar 25, 30, 50 anos, a vida inteira.
Quem sabe disso só olha para o
curto prazo. Houve uma enorme
concentração de capitais em aplicações de curto prazo nesses dois
anos do PT. Qual o resultado? O
risco governo PT o mercado precificou em cinco a seis pontos percentuais na taxa de juros básica.
Se não fosse o Lula presidente, essa taxa de 19% seria 12% ou 13%.
É um governo tão convencido
de seu projeto autoritário, absolutista que está desintegrando o
quadro político nacional. Conheci
muitos casos, fora do Rio de Janeiro certamente, de Câmaras e
Assembléias Legislativas que grupos de parlamentares recebiam
mesada. Fui deputado federal
duas vezes e nunca vi isso lá. Mas
hoje chego a Brasília e deputados
e senadores me dizem que foi introduzida agora no governo do
PT a prática de dar mesada aos
deputados.
Não que o Congresso nunca tenha tido um deputado corrupto.
Mas não havia um sistema de relação com bancada desse teor que
há hoje. O PT desintegrou o quadro partidário que existia. Desmontou bancadas. O PSDB é um
exemplo, e o PFL outro. Quando
um partido atua desestruturando
o sistema político qual é o projeto
dele? É certo que nem tudo que se
projeto se consegue realizar.
Folha - O sr. disse que o PT introduziu a mesada do Parlamento,
mas o partido do qual o senhor é vice-presidente esteve associado ao
fisiologismo durante muito tempo.
Maia - Não concordo com isso,
mas vamos admitir que essa seja
mesmo a imagem do PFL. Isso
não obriga o partido que, em determinado momento teve uma taxa de fisiologismo alta, a ser fisiológico a vida inteira. Nem justifica
que outro partido [o PT], que
sempre foi carregado com um
discurso moralista e ideológico,
introduza práticas abjetas.
Não sei quem entrega essa mala
de dinheiro para ser dividida entre grupos de deputados ou se ela
vem do Planalto. Sei que, antes do
PT, essa prática não existia.
Folha - O sr. tem sido cáustico na
avaliação do presidente Lula.
Maia - O Lula fica como um bobo da corte, como um animador
do distinto público, todo santo
dia, inventando um ato, um factóide. É uma espécie de príncipe
do factóide. Fui simplesmente o
introdutor do termo no país e um
mero aprendiz. Lula é o imperador dos factóides. Não há um dia
em que não produza um. O que é
o factóide? É um fato carregado de
imagem. É o carrinho de mão que
manobra, a guitarra do Lenny
Kravitz [Lula recebeu a visita do
roqueiro americano e tirou fotos
com ele]. Não sei se ele faz o papel
de bobo da corte, consciente ou
inconscientemente. Porque eu levo um terço do meu tempo em
trabalho administrativo.
Quando é que o Lula trabalha?
O regime é presidencialista. Inescapavelmente, os processos que
são de exclusiva competência do
presidente da República ele tem
de assinar. Em que hora ele assina? Assina no escuro? Será que
botam uma pilha de processo e ele
sai assinando sem saber o que está
assinando? Que hora ele despacha
com ministro?
O Lula repete a história do motorista bêbado que bateu com o
carro no poste e deu uma bronca
no carro. É o que faz quando dá
uma bronca num ministro e reclama que não cumpre o Orçamento. Ora, o ministro é um braço dele.
Folha - O sr. demonstra que pretende construir sua candidatura no
campo conservador. Mas é esse setor que mais elogia a política econômica de Lula.
Maia - A política econômica deles é compulsória. Estabilidade da
moeda não é política econômica.
É preliminar de política econômica. É criação de condições. Estabilidade da moeda é socialmente
fundamental, mas politicamente
irrelevante. É tão irrelevante que
os países desenvolvidos criam um
banco central independente, o
que eu também defendo. Política
econômica é desenvolvimento,
enfrentar a desigualdade, é organizar o sistema financeiro para fazer o crédito democraticamente
disponível.
Há anos que dizemos que o sistema financeiro é impeditivo do
crescimento brasileiro. Pelo volume de crédito, pela forma que o
crédito é distribuído.
O BNDES aplicou no Sul e no
Sudeste, em 2004, 83% dos seus
recursos. Quer algo mais concentrador do que isso? A taxa de juros
que os banqueiros reclamam que
é engordurada pelo custo administrativo e de tributos é a segunda maior do mundo.
O Brasil não consegue crescer a
taxas modestas com uma taxa tributária de 40% do PIB para o setor interno da economia -excetuados aí os exportadores que têm
isenção.
Folha - Como reduzir a carga? O
sr. pregará o Estado mínimo?
Maia - Reduzir a carga definindo
exatamente que funções o Estado
deve realizar. O Felipe Gonzáles
[ex-primeiro ministro espanhol],
numa palestra em São Paulo, no
ano passado, disse que o Estado
ideal é o Estado Ipanema. Como
as garotas da praia: não têm gordura, mas não são raquíticas. Esse
é o Estado que se precisa.
Folha - O sr. já defendeu a intervenção federal no Estado do Rio na
segurança pública. Agora que há
uma intervenção na saúde, critica o
governo. Não é uma incoerência?
Maia - No caso da saúde, reclamei apenas da intervenção direta
em duas unidades municipais
[seis hospitais municipais estão
sob intervenção, mas quatro eram
federais antes de 1999]. Essa intervenção foi um ato extremamente
grave e afeta a Federação, que é
uma cláusula pétrea da Constituição. O problema da intervenção
não foi de caráter técnico, mas
constitucional.
Folha - A impressão que o sr. passa é a de que comprou essa briga
com o governo federal, mas não
tem ainda um projeto próprio para
a saúde.
Maia - Saí em 2000 de um patamar de gasto de 10% das receitas
constitucionais com saúde, como
mandava a Constituição, e cheguei a 17,8%. Estabeleci esse percentual como teto porque, se passar dele, vou ter que tirar de algum lugar: do [projeto de reurbanização] favela bairro, da educação ou de obras públicas.
A situação foi ficando mais difícil porque os funcionários federais iam se aposentando [nas unidades federais que passaram ao
controle do município em 1999] e
tínhamos que repor. Foi aí que começamos a insistir na devolução
desses hospitais.
Folha - Mas, além dos hospitais
municipalizados, há um problema
grave de atendimento básico na cidade do Rio.
Maia - Quando se fala da rede
básica, não se pode focalizar apenas a cidade do Rio. É preciso levar em conta a região metropolitana. Fizemos um levantamento
no primeiro dia de funcionamento do hospital de campanha no
Campo de Santana [parque no
centro do Rio] e descobrimos que
57% das pessoas eram da Baixada
Fluminense. Queremos atender
essa população, mas a questão é
ter capacidade. Tem que haver
atendimento básico na Baixada.
Folha - Mas o problema não é só
da Baixada. Uma parte significativa dos que foram ao hospital de
campanha é de cariocas que encontraram postos de saúde da prefeitura fechados.
Maia - Isso é evidente. Se eu tenho um copo com água até aqui
[apontando para um copo cheio]
e colocar mais água nele, vai
transbordar. Temos uma sobrecarga de atendimento.
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