São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

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RUMO A 2006

Fustigado por intervenção federal na saúde do Rio, pefelista radicaliza crítica e acusa PT de pagar "mesada" a deputados

"Lula é o imperador do factóide", diz Maia

PLÍNIO FRAGA
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Disposto a tentar se viabilizar como o anti-Lula, o prefeito do Rio, Cesar Maia, pré-candidato do PFL na sucessão de 2006, radicalizou os ataques ao presidente da República.
"Um segundo governo do PT significa o chavismo, um plebiscito no mês de março [de 2007], uma mudança do perfil do Congresso Nacional por meio da convocação de uma Constituinte...", disse Maia à Folha, fustigado pela intervenção federal na crise da saúde do Rio.
Afirma que o "projeto autoritário, absolutista" do PT criou a "mesada" para parlamentares na relação entre governo e Congresso. "Não sei quem entrega essa mala de dinheiro para ser dividida entre grupos de deputados ou se ela vem do Planalto. Sei que, antes do PT, essa prática não existia", acusa.
Maia é ríspido quando analisa o presidente. "Lula fica como um bobo da corte, como um animador do distinto público, todo santo dia, inventando um ato, um factóide. É uma espécie de príncipe do factóide. Fui simplesmente o introdutor do termo no país e um mero aprendiz. Lula é o imperador dos factóides. Quando é que o Lula trabalha?"
Durante sua primeira gestão à frente da Prefeitura do Rio (1992-1996), Maia se notabilizou por usar o termo "factóide" para definir alguns de seus atos públicos. As ações, segundo ele próprio, tinham o objetivo de atrair a atenção da mídia e "implantar" seu nome no "imaginário carioca". Assim, Maia pediu picolé em açougue e quis criar uma moeda só para o Rio, por exemplo.
Em pesquisa do Ibope, realizada de 10 a 14 de março, Maia atinge 13% das intenções de voto em seu melhor cenário. Lula obtém 43% dos votos em sua melhor performance, variando conforme a lista de candidatos.
O prefeito do Rio diz que as chances hoje de formalizar sua candidatura a presidente são de 30%, contra 5% no passado. Declara que não partirá numa aventura e que também alimenta a possibilidade de disputar o governo do Estado do Rio.
Num esforço de tornar seu nome conhecido nacionalmente, recentemente, Maia estrelou campanha nacional do PFL na TV. A ênfase da peça eram seus feitos de administrador do Rio -ele foi reeleito prefeito no primeiro turno no ano passado.
É defensor da aliança com o PSDB e de que a coalizão seja feita em torno do nome mais viável eleitoralmente, seja de que partido for. Aceita a hipótese de os dois partidos terem candidatos, caso seja necessário para assegurar a disputa do segundo turno.
Cesar Maia, 59, fará da redução de impostos sua bandeira de campanha e anuncia a substituição do Estado mínimo liberal pelo "Estado Ipanema". "Como as garotas da praia: não têm gordura, mas não são raquíticas", define.
Em seu gabinete na Prefeitura do Rio, decorado com 76 pôsteres, divididos em três paredes, com imagens de personagens e símbolos do socialismo soviético, o pré-candidato liberal falou à Folha na última sexta-feira.

Folha - Na campanha eleitoral passada, o sr. fez elogios ao governo Lula pelo tratamento dispensado ao Rio. Depois que o PFL lançou seu nome à Presidência, mudou de tom. Por quê?
Cesar Maia
- Minhas relações administrativas com o presidente eram harmônicas. Escrevi em 2004 uma carta a ele agradecendo a aprovação de três medidas que nos beneficiaram [mudanças na lei do acesso aos depósitos judiciais, aprovação de legislação que garante aos municípios acesso direto a recursos do salário educação e a lei complementar do ISS].
No entanto, o presidente quebrou essa relação ao fazer uma intervenção na saúde ao arrepio da Constituição. As circunstâncias mudam e você tem que se ajustar. Não fui eu quem tomei a iniciativa de fazer um ato que muita gente experimentada em Brasília acha que foi contra uma possível candidatura minha.

Folha - O sr. não acha que os efeitos políticos dessa intervenção nos hospitais do Rio foram péssimos para a sua pré-candidatura?
Maia
- Isso afetou minha imagem somente entre setores médios e mais altos da sociedade. Mas será que esses setores tomam sua decisão de voto em razão apenas desse tema? Além disso, há situações que não são demandadas, mas que acontecem. Esse fato acabou renacionalizando o Rio de Janeiro. Nesta semana, falei com no mínimo 15 rádios de todo o Brasil. O governo provocou um confronto e nacionalizou meu nome. Fizemos pesquisas nacionais que mostram que a maioria das pessoas concorda que a intervenção foi política.

Folha - O sr. considera então sua candidatura mais viável hoje do que era em janeiro?
Maia
- No início do ano, falei várias vezes que a probabilidade de eu sair candidato era de apenas 5%. Depois da nacionalização da questão do Rio e da divulgação do meu nome, minhas chances aumentaram para 30%. Não imaginava que isso pudesse ocorrer em menos de um ano. O esforço gigantesco que tínhamos que fazer para que meu nome fosse conhecido foi minimizado. Agora, o esforço é de construção da imagem. Não é um fato como esse [a crise da saúde] que é afirmativo para o bem ou para o mal. É preciso um período longo para fixar uma imagem.

Folha - O sr. tem apontado riscos até para a democracia em uma eventual reeleição de Lula. Não é um exagero?
Maia -
Um segundo governo do PT significa o chavismo, um plebiscito no mês de março [de 2007], uma mudança do perfil do Congresso Nacional por meio da convocação de uma Constituinte... São os instrumentos autoritários que o PT vai usando e procura esconder. Colocaram o partido dentro do Estado, como os nazistas. É uma brutalidade confundir o partido com o Estado. É um quadro de fascismo.
Lula é aprovado pela população naquilo que é mais detestável. A taxa de aprovação uma política externa excludente, isolacionista, terceiro-mundista, cinqüentona é altíssima. O discurso antiamericano tem uma aprovação alta.

Folha - Que elementos o senhor tem para apontar o chavismo num eventual segundo mandato de Lula no Planalto?
Maia -
Quem olha por baixo daquilo que acontece na superfície da terra sabe que o PT tem um projeto chavista para o Brasil. Não é para ficar oito anos, mas para ficar 25, 30, 50 anos, a vida inteira. Quem sabe disso só olha para o curto prazo. Houve uma enorme concentração de capitais em aplicações de curto prazo nesses dois anos do PT. Qual o resultado? O risco governo PT o mercado precificou em cinco a seis pontos percentuais na taxa de juros básica. Se não fosse o Lula presidente, essa taxa de 19% seria 12% ou 13%.
É um governo tão convencido de seu projeto autoritário, absolutista que está desintegrando o quadro político nacional. Conheci muitos casos, fora do Rio de Janeiro certamente, de Câmaras e Assembléias Legislativas que grupos de parlamentares recebiam mesada. Fui deputado federal duas vezes e nunca vi isso lá. Mas hoje chego a Brasília e deputados e senadores me dizem que foi introduzida agora no governo do PT a prática de dar mesada aos deputados.
Não que o Congresso nunca tenha tido um deputado corrupto. Mas não havia um sistema de relação com bancada desse teor que há hoje. O PT desintegrou o quadro partidário que existia. Desmontou bancadas. O PSDB é um exemplo, e o PFL outro. Quando um partido atua desestruturando o sistema político qual é o projeto dele? É certo que nem tudo que se projeto se consegue realizar.

Folha - O sr. disse que o PT introduziu a mesada do Parlamento, mas o partido do qual o senhor é vice-presidente esteve associado ao fisiologismo durante muito tempo.
Maia
- Não concordo com isso, mas vamos admitir que essa seja mesmo a imagem do PFL. Isso não obriga o partido que, em determinado momento teve uma taxa de fisiologismo alta, a ser fisiológico a vida inteira. Nem justifica que outro partido [o PT], que sempre foi carregado com um discurso moralista e ideológico, introduza práticas abjetas.
Não sei quem entrega essa mala de dinheiro para ser dividida entre grupos de deputados ou se ela vem do Planalto. Sei que, antes do PT, essa prática não existia.

Folha - O sr. tem sido cáustico na avaliação do presidente Lula.
Maia -
O Lula fica como um bobo da corte, como um animador do distinto público, todo santo dia, inventando um ato, um factóide. É uma espécie de príncipe do factóide. Fui simplesmente o introdutor do termo no país e um mero aprendiz. Lula é o imperador dos factóides. Não há um dia em que não produza um. O que é o factóide? É um fato carregado de imagem. É o carrinho de mão que manobra, a guitarra do Lenny Kravitz [Lula recebeu a visita do roqueiro americano e tirou fotos com ele]. Não sei se ele faz o papel de bobo da corte, consciente ou inconscientemente. Porque eu levo um terço do meu tempo em trabalho administrativo.
Quando é que o Lula trabalha? O regime é presidencialista. Inescapavelmente, os processos que são de exclusiva competência do presidente da República ele tem de assinar. Em que hora ele assina? Assina no escuro? Será que botam uma pilha de processo e ele sai assinando sem saber o que está assinando? Que hora ele despacha com ministro?
O Lula repete a história do motorista bêbado que bateu com o carro no poste e deu uma bronca no carro. É o que faz quando dá uma bronca num ministro e reclama que não cumpre o Orçamento. Ora, o ministro é um braço dele.

Folha - O sr. demonstra que pretende construir sua candidatura no campo conservador. Mas é esse setor que mais elogia a política econômica de Lula.
Maia -
A política econômica deles é compulsória. Estabilidade da moeda não é política econômica. É preliminar de política econômica. É criação de condições. Estabilidade da moeda é socialmente fundamental, mas politicamente irrelevante. É tão irrelevante que os países desenvolvidos criam um banco central independente, o que eu também defendo. Política econômica é desenvolvimento, enfrentar a desigualdade, é organizar o sistema financeiro para fazer o crédito democraticamente disponível.
Há anos que dizemos que o sistema financeiro é impeditivo do crescimento brasileiro. Pelo volume de crédito, pela forma que o crédito é distribuído.
O BNDES aplicou no Sul e no Sudeste, em 2004, 83% dos seus recursos. Quer algo mais concentrador do que isso? A taxa de juros que os banqueiros reclamam que é engordurada pelo custo administrativo e de tributos é a segunda maior do mundo.
O Brasil não consegue crescer a taxas modestas com uma taxa tributária de 40% do PIB para o setor interno da economia -excetuados aí os exportadores que têm isenção.

Folha - Como reduzir a carga? O sr. pregará o Estado mínimo?
Maia
- Reduzir a carga definindo exatamente que funções o Estado deve realizar. O Felipe Gonzáles [ex-primeiro ministro espanhol], numa palestra em São Paulo, no ano passado, disse que o Estado ideal é o Estado Ipanema. Como as garotas da praia: não têm gordura, mas não são raquíticas. Esse é o Estado que se precisa.

Folha - O sr. já defendeu a intervenção federal no Estado do Rio na segurança pública. Agora que há uma intervenção na saúde, critica o governo. Não é uma incoerência?
Maia
- No caso da saúde, reclamei apenas da intervenção direta em duas unidades municipais [seis hospitais municipais estão sob intervenção, mas quatro eram federais antes de 1999]. Essa intervenção foi um ato extremamente grave e afeta a Federação, que é uma cláusula pétrea da Constituição. O problema da intervenção não foi de caráter técnico, mas constitucional.

Folha - A impressão que o sr. passa é a de que comprou essa briga com o governo federal, mas não tem ainda um projeto próprio para a saúde.
Maia
- Saí em 2000 de um patamar de gasto de 10% das receitas constitucionais com saúde, como mandava a Constituição, e cheguei a 17,8%. Estabeleci esse percentual como teto porque, se passar dele, vou ter que tirar de algum lugar: do [projeto de reurbanização] favela bairro, da educação ou de obras públicas.
A situação foi ficando mais difícil porque os funcionários federais iam se aposentando [nas unidades federais que passaram ao controle do município em 1999] e tínhamos que repor. Foi aí que começamos a insistir na devolução desses hospitais.

Folha - Mas, além dos hospitais municipalizados, há um problema grave de atendimento básico na cidade do Rio.
Maia
- Quando se fala da rede básica, não se pode focalizar apenas a cidade do Rio. É preciso levar em conta a região metropolitana. Fizemos um levantamento no primeiro dia de funcionamento do hospital de campanha no Campo de Santana [parque no centro do Rio] e descobrimos que 57% das pessoas eram da Baixada Fluminense. Queremos atender essa população, mas a questão é ter capacidade. Tem que haver atendimento básico na Baixada.

Folha - Mas o problema não é só da Baixada. Uma parte significativa dos que foram ao hospital de campanha é de cariocas que encontraram postos de saúde da prefeitura fechados.
Maia
- Isso é evidente. Se eu tenho um copo com água até aqui [apontando para um copo cheio] e colocar mais água nele, vai transbordar. Temos uma sobrecarga de atendimento.


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