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ENTREVISTA DA 2ª
GERALDO ALCKMIN
Candidato a presidente, que irá a Brasília para traçar projeto de governo, muda tom e critica Lula
"O problema do PT é que os fins justificam os meios", diz tucano
Renato Stockler/Folha Imagem
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Nova fase: Geraldo Alckmin checa dados de intenção de voto após entrevista concedida em sua residência, para onde voltou, após deixar o Palácio dos Bandeirantes |
JOSÉ ALBERTO BOMBIG
DO PAINEL
O pré-candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, inicia
hoje uma nova fase de sua campanha com um endurecimento das
críticas ao presidente Lula e ao governo federal na esteira do escândalo da violação do sigilo bancário
do caseiro Francenildo Costa.
"Amanhã, por interesse político,
qualquer outra pessoa pode sofrer
algo semelhante", disse o ex-governador de São Paulo à Folha,
em sua primeira entrevista após
ter deixado o cargo.
Alckmin, que ao ser escolhido
candidato pelo PSDB afirmara
que não bateria duramente em
Lula, mudou de atitude.
"O problema do PT é que os fins
justificam os meios, para onde você olha, vê dinheiro público desperdiçado, malversação de recursos e um perfil autoritário. O episódio do caseiro não é isolado, é a
filosofia de que vale tudo."
Quando questionado sobre problemas no campo da ética em seu
governo, como o caso da Nossa
Caixa, Alckmin diz acreditar que
tudo foi devidamente apurado.
Sobre a doação feita por um estilista de 400 vestidos à sua mulher,
a ex-primeira-dama Lu Alckmin,
o candidato do PSDB fala em
"equívoco". "Talvez pela falta de
experiência dela."
Hoje, o ex-governador tem programada viagem a Brasília, onde
iniciará a confecção de seu programa de governo, que ele pretende construir viajando pelo país.
"Todo nosso foco vai para o desenvolvimento sustentável."
Na noite do último sábado, a
primeira fora do Palácio dos Bandeirantes após cinco anos, ele recebeu a Folha em seu apartamento na zona sul de São Paulo. Leia a
seguir a entrevista:
Folha - O sr. acha que o episódio
do caseiro recoloca o presidente Lula no epicentro da crise iniciada
com o escândalo do "mensalão"?
Geraldo Alckmin - É grave porque
mostra o lado autoritário do governo, é violação de sigilo, uma
ameaça à sociedade. Amanhã, por
interesse político, qualquer outra
pessoa pode sofrer algo semelhante. Sob o ponto de vista do aparelhamento do Estado, também é
grave. A característica da República é a separação entre partido e
governo. Hoje há uma grande
confusão quanto a isso no plano
federal. A violação não é fato isolado, é uma forma autoritária de comandar o país, a promiscuidade
entre PT e governo.
Folha - O sr. acredita ou suspeita
do envolvimento de ministros ou
do próprio presidente no caso?
Alckmin - Do Palocci?
Folha - Dele, de outros, da Polícia
Federal, do presidente...
Alckmin - Olha, eu acho que nada
está descartado, tudo isso precisa
ser melhor apurado, não são fatos
isolados.
Folha - Enfraquece Lula?
Alckmin - Sob o ponto de vista
eleitoral, entendo que não são fatos definidores, mas eu diria que,
da obra como um todo, quando o
governo Lula for concluído, você
terá um julgamento. Se formos verificar o todo, veremos uma enorme frouxidão ética, uma inoperância na gestão e um crescimento
econômico aquém do que o Brasil
deveria ter. O conjunto é muito
ruim. A violação prejudica, mas o
conjunto, mais ainda. Lula não
tem mais o sonho, muito menos
um governo aprovado. A reeleição
implica primeiro um grande governo, e o dele é ruim. Não tem sonho que justifique o segundo
mandato. O país precisa ter projeto de desenvolvimento, agenda,
reformas, avançar.
Folha - O sr. falou em frouxidão
ética. Trazendo a questão de Brasília para São Paulo, o sr. não acha
que o episódio das verbas da Nossa
Caixa para ajudar deputados de sua
base na Assembléia e outros problemas, como a prorrogação de
contratos, envolvendo o setor não é
muito grave?
Alckmin - Não, em absoluto. Tenho 33 anos de vida pública. A ética é a marca dela. Sou transparente, cuidadoso e tenho retidão.
Houve um erro, ele foi apurado, a
própria Nossa Caixa percebeu o
erro meramente formal. Todo
contrato de publicidade já prevê
sua prorrogação, é rotina isso.
Quando o banco percebeu, ele
mesmo rompeu o contrato, comunicou o Tribunal de Contas, o
Ministério Público, abriu a sindicância, concluiu a sindicância, demitiu o responsável e encaminhou
os processos. Rigor absoluto.
Folha - Mas os deputados da sua
base na Assembléia vetaram a CPI
do caso, além de outras 69 que estão paradas na Casa.
Alckmin - A Assembléia é outro
Poder. Pode fazer investigação na
hora que quiser, não tem problema. Aliás, toda semana vai um secretário do Estado explicar alguma coisa na Casa.
Folha - Então o sr. apóia a abertura de uma CPI?
Alckmin - Esse é um critério interno do Legislativo.
Folha - Voltando ao cenário eleitoral, apesar de o novo ministro da Fazenda, Guido Mantega,
ter enfatizado que
não mudará a economia, o sr. acha que o
PT e o presidente seriam capazes de fazer um vale-tudo
eleitoral se Lula estiver mal nas pesquisas?
Alckmin - Não
acredito em mudanças de véspera de
eleição. Se fizerem
isso, estarão subestimando a inteligência da população, e a
economia também
não reage num passe de mágica. O resultado até agora é
muito ruim.
Folha - Como o sr. está vendo sua
situação eleitoral nos Estados?
Alckmin - Sempre defendi as
alianças porque o Brasil tem um
grupo multipartidário. Mas as
alianças devem ser em torno de
um projeto de desenvolvimento, e
não apenas para ganhar eleição
mas também para governar e fazer as reformas. Não quero ser
mais um presidente, vou lutar para ganhar a eleição e chacoalhar as
estruturas, fazer tudo o que deve
ser feito para o Brasil ser o líder
dos emergentes. Para isso as alianças são necessárias. Já demos um
grande passo, que é a união PSDB-PFL. Vamos montar a engenharia
Estado por Estado.
Folha - Há a possibilidade de o sr.
ter um vice do PMDB?
Alckmin - O PMDB decidiu ter
candidato próprio e escolheu o ex-governador Anthony Garotinho.
Cabe a nós aguardar. Claro que seria muito bom ter uma aliança
com três grandes partidos. Nós temos um laço histórico, a maioria
de nós, tucanos, veio do antigo
MDB, o "Manda-Brasa". Eu me filiei ao MDB e fui candidato a vereador em 1972, no auge da ditadura militar. Só saí para fundar o
PSDB. Agora, aliança é um processo complexo.
Folha - O sr. não acha que a população de São Paulo pode se sentir
traída pelo PSDB? Afinal, votou nos
tucanos e será governada pelo PFL.
Alckmin - Os governos foram do
PSDB, os vices do PFL. Ficou muito claro na posição deles que irão
dar continuidade a todo nosso trabalho. No caso do
[Cláudio] Lembo,
eu estava do lado
dele e vi seu interesse em continuar
nosso governo. Saímos, Serra e eu, para levar adiante o
projeto do PSDB.
Política não é uma
atividade isolada,
aliança se faz dessa
forma, em torno de
um projeto e de um
programa.
Folha - O sr. espera
que a candidatura
de José Serra ao governo paulista impulsione a sua?
Alckmin - Em São
Paulo, nós já temos
uma situação positiva, nosso desafio é mais fora do
Estado. Mas a candidatura é importantíssima pela qualidade e pela força dele.
Folha - Ficou alguma mágoa entre
o sr. e Serra por conta do processo
interno que o escolheu candidato
do PSDB a presidente?
Alckmin - Não, imagine. A disputa faz parte do processo, a democracia é trabalhosa e viva, e eu
sempre coloquei: "não vai ter disputa, prestem atenção".
Folha - O sr. falou em prévias.
Alckmin - Também, se tivesse,
não tinha nenhum problema. As
coisas caminharam bem, tenho
apreço pela democracia, nunca
ocupei um cargo que não tenha sido pelo voto direto.
Folha - O sr. enfatizou a frase
"apreço pela democracia". O sr.
acha que o PT no governo não tem
apreço ao sistema?
Alckmin - No PT, eu vejo primeiro a falta de projeto. Falaram 25
anos uma coisa e fizeram outra.
Algumas questões hoje são suprapartidárias, que não estão no campo da luta política, como a volta da
inflação, ninguém admite. Mas isso é pré-requisito. O problema do
PT é que os fins justificam os
meios, para onde você olha, vê dinheiro público desperdiçado,
malversação de recursos e um
perfil autoritário. O episódio do
caseiro não é isolado, é a filosofia
de que vale tudo.
Folha - Como anda o programa de
governo do sr.?
Alckmin - Estive recentemente
no Rio e fui recebido pela Maristela Kubitschek, filha do presidente
Juscelino, e ganhei
documentos que
mostram a quantidade de grupos de
trabalho que JK fez,
havia um projeto de
país. Esse é meu foco, é o que me motiva.
Folha - O sr. avançou efetivamente
nesse sentido?
Alckmin - Nós vamos começar segunda-feira [hoje]
em Brasília a coordenação do trabalho, não da campanha. Vou me debruçar na questão de
um projeto e de
uma agenda para o
país. O nosso foco
será desenvolvimento sustentável,
diminuir a pobreza, emprego,
renda e trabalho. Aí, teremos política monetária, política cambial,
política fiscal voltadas para isso.
Do outro lado, está o desenvolvimento regional. Vou fazer como
Aristóteles neste período, aprender de forma peripatética, aprender andando, elaborar o programa andando pelo país, ouvindo,
vendo e sentindo. Tom Jobim dizia que o Brasil não é para amadores, vou ao interior sentir o povo.
Folha - O sr. irá comer muita buchada de bode por aí, é isso?
Alckmin - A culinária regional
brasileira é muito saborosa.
Folha - Mas no aspecto macroeconômico, com quem o sr. conversa?
Alckmin - Não quero personificar, o tempo irá mostrando. Desenvolvimento envolve mais inserção internacional, comércio
exterior, política agrícola, política
industrial, apoio às micro e pequenas empresas, construção civil,
educação e, é claro, macroeconomia. Precisamos de política monetária com juros menores.
Para isso, é necessária uma situação fiscal melhor, e nós tucanos sabemos fazer isso. Na vida
pública, há a diferença entre o falar e o fazer. São Paulo fez um
ajuste fiscal reduzindo impostos e
recuperando a capacidade de investimento. É evidente que o câmbio é uma preocupação generalizada. Estamos cada vez com um
número menor de empresas exportando, é uma questão que
preocupa porque tem um efeito
devastador em vários setores, há
uma crise grave no
agronegócio.
Folha - Mas como o
sr. pretende promover o crescimento?
Alckmin - Temos
uma situação fiscal
muito ruim. Carga
tributária alta e capacidade de investimento pequena.
Como vamos trabalhar para o Brasil
crescer, precisamos
investir em infra-estrutura. O setor privado praticamente
não investe por falta
de confiança no governo, que ao longo
do tempo perdeu
sua capacidade de
investir. É preciso
recuperar o setor público e trazer
empresários para participar. Para
isso, é preciso crescimento e qualidade do gasto do Estado. Com a
política fiscal melhor, você pode
ter uma taxa de juros menor. Não
há formula mágica, mas a sinergia
do conjunto fará a diferença, propiciando uma melhora na educação.
Folha - Voltando à ética, o sr. não
teme que o episódio dos vestidos
da ex-primeira-dama Lu afete seu
discurso de austeridade?
Alckmin - A minha vida inteira
tem sido modesta, inclusive de natureza pessoal, não tenho um patrimônio, praticamente. Segundo,
acho que foi um equívoco já corrigido. A Lu recebeu, usou e doou,
não tem mais nenhum. Ela se
equivocou, talvez até por inexperiência. Vivendo e aprendendo.
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