São Paulo, segunda-feira, 03 de abril de 2006

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ENTREVISTA DA 2ª

GERALDO ALCKMIN

Candidato a presidente, que irá a Brasília para traçar projeto de governo, muda tom e critica Lula

"O problema do PT é que os fins justificam os meios", diz tucano

Renato Stockler/Folha Imagem
Nova fase: Geraldo Alckmin checa dados de intenção de voto após entrevista concedida em sua residência, para onde voltou, após deixar o Palácio dos Bandeirantes


JOSÉ ALBERTO BOMBIG
DO PAINEL

O pré-candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, inicia hoje uma nova fase de sua campanha com um endurecimento das críticas ao presidente Lula e ao governo federal na esteira do escândalo da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.
"Amanhã, por interesse político, qualquer outra pessoa pode sofrer algo semelhante", disse o ex-governador de São Paulo à Folha, em sua primeira entrevista após ter deixado o cargo.
Alckmin, que ao ser escolhido candidato pelo PSDB afirmara que não bateria duramente em Lula, mudou de atitude.
"O problema do PT é que os fins justificam os meios, para onde você olha, vê dinheiro público desperdiçado, malversação de recursos e um perfil autoritário. O episódio do caseiro não é isolado, é a filosofia de que vale tudo."
Quando questionado sobre problemas no campo da ética em seu governo, como o caso da Nossa Caixa, Alckmin diz acreditar que tudo foi devidamente apurado. Sobre a doação feita por um estilista de 400 vestidos à sua mulher, a ex-primeira-dama Lu Alckmin, o candidato do PSDB fala em "equívoco". "Talvez pela falta de experiência dela."
Hoje, o ex-governador tem programada viagem a Brasília, onde iniciará a confecção de seu programa de governo, que ele pretende construir viajando pelo país. "Todo nosso foco vai para o desenvolvimento sustentável."
Na noite do último sábado, a primeira fora do Palácio dos Bandeirantes após cinco anos, ele recebeu a Folha em seu apartamento na zona sul de São Paulo. Leia a seguir a entrevista:

Folha - O sr. acha que o episódio do caseiro recoloca o presidente Lula no epicentro da crise iniciada com o escândalo do "mensalão"?
Geraldo Alckmin -
É grave porque mostra o lado autoritário do governo, é violação de sigilo, uma ameaça à sociedade. Amanhã, por interesse político, qualquer outra pessoa pode sofrer algo semelhante. Sob o ponto de vista do aparelhamento do Estado, também é grave. A característica da República é a separação entre partido e governo. Hoje há uma grande confusão quanto a isso no plano federal. A violação não é fato isolado, é uma forma autoritária de comandar o país, a promiscuidade entre PT e governo.

Folha - O sr. acredita ou suspeita do envolvimento de ministros ou do próprio presidente no caso?
Alckmin -
Do Palocci?

Folha - Dele, de outros, da Polícia Federal, do presidente...
Alckmin -
Olha, eu acho que nada está descartado, tudo isso precisa ser melhor apurado, não são fatos isolados.

Folha - Enfraquece Lula?
Alckmin -
Sob o ponto de vista eleitoral, entendo que não são fatos definidores, mas eu diria que, da obra como um todo, quando o governo Lula for concluído, você terá um julgamento. Se formos verificar o todo, veremos uma enorme frouxidão ética, uma inoperância na gestão e um crescimento econômico aquém do que o Brasil deveria ter. O conjunto é muito ruim. A violação prejudica, mas o conjunto, mais ainda. Lula não tem mais o sonho, muito menos um governo aprovado. A reeleição implica primeiro um grande governo, e o dele é ruim. Não tem sonho que justifique o segundo mandato. O país precisa ter projeto de desenvolvimento, agenda, reformas, avançar.

Folha - O sr. falou em frouxidão ética. Trazendo a questão de Brasília para São Paulo, o sr. não acha que o episódio das verbas da Nossa Caixa para ajudar deputados de sua base na Assembléia e outros problemas, como a prorrogação de contratos, envolvendo o setor não é muito grave?
Alckmin -
Não, em absoluto. Tenho 33 anos de vida pública. A ética é a marca dela. Sou transparente, cuidadoso e tenho retidão. Houve um erro, ele foi apurado, a própria Nossa Caixa percebeu o erro meramente formal. Todo contrato de publicidade já prevê sua prorrogação, é rotina isso. Quando o banco percebeu, ele mesmo rompeu o contrato, comunicou o Tribunal de Contas, o Ministério Público, abriu a sindicância, concluiu a sindicância, demitiu o responsável e encaminhou os processos. Rigor absoluto.

Folha - Mas os deputados da sua base na Assembléia vetaram a CPI do caso, além de outras 69 que estão paradas na Casa.
Alckmin -
A Assembléia é outro Poder. Pode fazer investigação na hora que quiser, não tem problema. Aliás, toda semana vai um secretário do Estado explicar alguma coisa na Casa.

Folha - Então o sr. apóia a abertura de uma CPI?
Alckmin -
Esse é um critério interno do Legislativo.

Folha - Voltando ao cenário eleitoral, apesar de o novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, ter enfatizado que não mudará a economia, o sr. acha que o PT e o presidente seriam capazes de fazer um vale-tudo eleitoral se Lula estiver mal nas pesquisas?
Alckmin -
Não acredito em mudanças de véspera de eleição. Se fizerem isso, estarão subestimando a inteligência da população, e a economia também não reage num passe de mágica. O resultado até agora é muito ruim.

Folha - Como o sr. está vendo sua situação eleitoral nos Estados?
Alckmin -
Sempre defendi as alianças porque o Brasil tem um grupo multipartidário. Mas as alianças devem ser em torno de um projeto de desenvolvimento, e não apenas para ganhar eleição mas também para governar e fazer as reformas. Não quero ser mais um presidente, vou lutar para ganhar a eleição e chacoalhar as estruturas, fazer tudo o que deve ser feito para o Brasil ser o líder dos emergentes. Para isso as alianças são necessárias. Já demos um grande passo, que é a união PSDB-PFL. Vamos montar a engenharia Estado por Estado.

Folha - Há a possibilidade de o sr. ter um vice do PMDB?
Alckmin -
O PMDB decidiu ter candidato próprio e escolheu o ex-governador Anthony Garotinho. Cabe a nós aguardar. Claro que seria muito bom ter uma aliança com três grandes partidos. Nós temos um laço histórico, a maioria de nós, tucanos, veio do antigo MDB, o "Manda-Brasa". Eu me filiei ao MDB e fui candidato a vereador em 1972, no auge da ditadura militar. Só saí para fundar o PSDB. Agora, aliança é um processo complexo.

Folha - O sr. não acha que a população de São Paulo pode se sentir traída pelo PSDB? Afinal, votou nos tucanos e será governada pelo PFL.
Alckmin -
Os governos foram do PSDB, os vices do PFL. Ficou muito claro na posição deles que irão dar continuidade a todo nosso trabalho. No caso do [Cláudio] Lembo, eu estava do lado dele e vi seu interesse em continuar nosso governo. Saímos, Serra e eu, para levar adiante o projeto do PSDB. Política não é uma atividade isolada, aliança se faz dessa forma, em torno de um projeto e de um programa.

Folha - O sr. espera que a candidatura de José Serra ao governo paulista impulsione a sua?
Alckmin -
Em São Paulo, nós já temos uma situação positiva, nosso desafio é mais fora do Estado. Mas a candidatura é importantíssima pela qualidade e pela força dele.

Folha - Ficou alguma mágoa entre o sr. e Serra por conta do processo interno que o escolheu candidato do PSDB a presidente?
Alckmin -
Não, imagine. A disputa faz parte do processo, a democracia é trabalhosa e viva, e eu sempre coloquei: "não vai ter disputa, prestem atenção".

Folha - O sr. falou em prévias.
Alckmin -
Também, se tivesse, não tinha nenhum problema. As coisas caminharam bem, tenho apreço pela democracia, nunca ocupei um cargo que não tenha sido pelo voto direto.

Folha - O sr. enfatizou a frase "apreço pela democracia". O sr. acha que o PT no governo não tem apreço ao sistema?
Alckmin -
No PT, eu vejo primeiro a falta de projeto. Falaram 25 anos uma coisa e fizeram outra. Algumas questões hoje são suprapartidárias, que não estão no campo da luta política, como a volta da inflação, ninguém admite. Mas isso é pré-requisito. O problema do PT é que os fins justificam os meios, para onde você olha, vê dinheiro público desperdiçado, malversação de recursos e um perfil autoritário. O episódio do caseiro não é isolado, é a filosofia de que vale tudo.

Folha - Como anda o programa de governo do sr.?
Alckmin -
Estive recentemente no Rio e fui recebido pela Maristela Kubitschek, filha do presidente Juscelino, e ganhei documentos que mostram a quantidade de grupos de trabalho que JK fez, havia um projeto de país. Esse é meu foco, é o que me motiva.

Folha - O sr. avançou efetivamente nesse sentido?
Alckmin -
Nós vamos começar segunda-feira [hoje] em Brasília a coordenação do trabalho, não da campanha. Vou me debruçar na questão de um projeto e de uma agenda para o país. O nosso foco será desenvolvimento sustentável, diminuir a pobreza, emprego, renda e trabalho. Aí, teremos política monetária, política cambial, política fiscal voltadas para isso. Do outro lado, está o desenvolvimento regional. Vou fazer como Aristóteles neste período, aprender de forma peripatética, aprender andando, elaborar o programa andando pelo país, ouvindo, vendo e sentindo. Tom Jobim dizia que o Brasil não é para amadores, vou ao interior sentir o povo.

Folha - O sr. irá comer muita buchada de bode por aí, é isso?
Alckmin -
A culinária regional brasileira é muito saborosa.

Folha - Mas no aspecto macroeconômico, com quem o sr. conversa?
Alckmin -
Não quero personificar, o tempo irá mostrando. Desenvolvimento envolve mais inserção internacional, comércio exterior, política agrícola, política industrial, apoio às micro e pequenas empresas, construção civil, educação e, é claro, macroeconomia. Precisamos de política monetária com juros menores.
Para isso, é necessária uma situação fiscal melhor, e nós tucanos sabemos fazer isso. Na vida pública, há a diferença entre o falar e o fazer. São Paulo fez um ajuste fiscal reduzindo impostos e recuperando a capacidade de investimento. É evidente que o câmbio é uma preocupação generalizada. Estamos cada vez com um número menor de empresas exportando, é uma questão que preocupa porque tem um efeito devastador em vários setores, há uma crise grave no agronegócio.

Folha - Mas como o sr. pretende promover o crescimento?
Alckmin -
Temos uma situação fiscal muito ruim. Carga tributária alta e capacidade de investimento pequena. Como vamos trabalhar para o Brasil crescer, precisamos investir em infra-estrutura. O setor privado praticamente não investe por falta de confiança no governo, que ao longo do tempo perdeu sua capacidade de investir. É preciso recuperar o setor público e trazer empresários para participar. Para isso, é preciso crescimento e qualidade do gasto do Estado. Com a política fiscal melhor, você pode ter uma taxa de juros menor. Não há formula mágica, mas a sinergia do conjunto fará a diferença, propiciando uma melhora na educação.

Folha - Voltando à ética, o sr. não teme que o episódio dos vestidos da ex-primeira-dama Lu afete seu discurso de austeridade?
Alckmin -
A minha vida inteira tem sido modesta, inclusive de natureza pessoal, não tenho um patrimônio, praticamente. Segundo, acho que foi um equívoco já corrigido. A Lu recebeu, usou e doou, não tem mais nenhum. Ela se equivocou, talvez até por inexperiência. Vivendo e aprendendo.


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