São Paulo, sexta, 3 de abril de 1998

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Testemunhas dizem receber ameaças

LUCAS FIGUEIREDO
da Sucursal de Brasília

Os sem-terra Maria Zilda Pereira Alves e Paulo Rodrigues de Araújo -testemunhas do assassinato dos líderes sem-terra Onacílio Araújo Barros, o "Fusquinha", e Valentin Serra, o "Doutor"- disseram ontem que estão sendo ameaçados de morte.
As testemunhas relataram ontem na Comissão de Direitos Humanos da Câmara como "Fusquinha" e "Doutor" foram mortos, na semana passada, em Parauapebas. A comissão pediu ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal proteção para os dois.
Ontem, o deputado e advogado do MST Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) e o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) se reuniram com o ministro Raul Jungmann (Política Fundiária) e com o presidente do Incra, Milton Seligman, para discutir o caso.
Maria Zilda disse, na comissão, que uma carta anônima contendo ameaças de morte a ela e a outros líderes do MST na região está circulando em Parauapebas.
A sem-terra acusou o dono da fazenda Goiás 2, Carlos Antônio da Costa, de ter ordenado a um funcionário dele, identificado como Donizete, que atirasse nos líderes do movimento. "Não houve confronto, foi execução", disse.
"Inocência"
Maria Zilda contou que "Fusquinha" acreditava que o dono da fazenda não faria mal aos sem-terra.
"Ele dizia que o Carlos iria lucrar duas vezes, vendendo a fazenda para o governo fazer reforma agrária e vendendo para nós material de construção de sua loja (Casa Goiás) para fazermos nossas casas", afirmou a sem-terra. "Foi inocência do Fusquinha, ele era muito puro."
Durante o depoimento, a sem-terra chorou ao contar como seus companheiros foram mortos, ao lado dela. "Um dos funcionários dos fazendeiros chegou a colocar o revólver na minha boca, mas meus companheiros gritaram 'não mate a mulher', e eu escapei", contou Maria Zilda.
Durante a operação de despejo dos sem-terra, determinado pela Justiça do Pará, funcionários de fazendeiros, armados, perguntavam quem eram os líderes do acampamento, disse Maria Zilda.
"Só saí viva porque respondi que era somente uma acampada. Mas agora eles sabem que eu sou líder também", disse.
Apesar do medo, Maria Zilda disse que, ainda assim, está disposta a contar o que viu e participar do reconhecimento do suposto matador, conhecido como Donizete, e do suposto mandante, Carlos Antônio da Costa, dono da fazenda invadida. Leia, a seguir, trechos da entrevista.

Folha - Como os líderes sem-terra foram mortos?
Maria Zilda Pereira Alves -
Eu estava ao lado dos dois quando eles foram mortos. Os fazendeiros perguntavam quem eram os líderes. O Donizete se dirigiu para o "Doutor" e disse: 'se eu tomasse sua pasta, você acharia ruim?'. Falou isso sacudindo o menino. O primeiro a receber o tiro foi o "Doutor". O tiro foi de tão perto que o "Doutor" levou um baque e caiu. Foi bem no peito o tiro. Aí o "Fusquinha" levantou o braço e ficou falando "o que é isso, o que é isso'. Foi quando ele recebeu o tiro. Mesmo ferido, o "Fusquinha" ainda tentou correr mas caiu morto poucos metros à frente.
Folha - Quem deu os tiros?
Maria Zilda -
O Donizete.
Folha - O dono da fazenda invadida, Carlos Antônio da Costa, estava no local?
Maria Zilda -
Estava sim. Foi ele quem mostrou o "Fusquinha" e o "Doutor" para o Donizete.
Folha - A sra. é capaz de reconhecer o Carlos e o Donizete?
Maria Zilda -
Sou sim.
Folha - A sra. tem medo de que lhe aconteça alguma coisa?
Maria Zilda -
Muito medo.



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