São Paulo, domingo, 03 de junho de 2001

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Governador mineiro lê Dalai-Lama, critica o governo federal e costura as alianças para a sucessão de FHC

Itamar encarna fase zen de olho no Planalto

RICARDO KOTSCHO
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE

O topete está mais ralo, mas continua saliente. Os fiéis assessores, que celebrizaram a "república do pão de queijo", ainda são os mesmos. No cardápio do Palácio das Mangabeiras, a residência oficial, serve-se frango grelhado, dia sim, e no outro também. Como nos tempos de presidente da República, só anda de terno azul-marinho.
Não fala de política ao telefone, não usa celular nem computador. Se o assunto é delicado, convida o interlocutor a conversar ao ar livre, caminhando pelos belos jardins do Palácio da Liberdade, onde despacha e pavimenta pacientemente o longo caminho de volta ao Planalto. Em tempos de escutas da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), costuma dizer, todo cuidado é pouco.
Imprevisível em seu humor ciclotímico, o governador mineiro, Itamar Franco, 70, agora se inspira em Tenzin Gyatso, o Dalai-Lama, líder espiritual e político do Tibete, exilado na Índia. Está lendo as obras completas do guru da paz. Diz que vive uma fase zen.
Vira e mexe, quando algo o incomoda, anuncia, sorrindo: "Estou indo para o Tibete".
A tirada é parte de uma bem urdida estratégia de marketing pessoal de quem quer mesmo é voltar para Brasília. E que trabalha em tempo integral para viabilizar sua candidatura, sobretudo agora que os ventos sopram a favor.
Engenheiro eletrotécnico, nada de braçadas e bate duro no governo federal ao tratar do principal problema que aflige o país: a crise energética. "O governo foi imprevidente e reagiu com incompetência." Logo no início do seu governo, depois de declarar a moratória, Itamar chegou a mobilizar tropas da Polícia Militar para fazer manobras na região de Capitólio (MG), um cenário montado contra a privatização de Furnas.
Não por acaso, Minas é hoje o Estado que mais investe na construção de novas usinas hidrelétricas. Ainda na última sexta-feira, Itamar autorizou o início das obras da usina de Aimorés, a sétima de um conjunto que aumentará em 25% a capacidade de geração do Estado, com investimentos, em parceria com a iniciativa privada, de R$ 2,4 bilhões.
Depois de passar a última semana em sucessivas reuniões com secretários da área econômica e o presidente da Cemig (Centrais Elétricas de Minas Gerais), Djalma Moraes, o governador anunciará na terça-feira um plano alternativo para enfrentar a crise energética.
"É um projeto não só para Minas, mas para o Brasil", antecipa, fazendo mistério sobre o conteúdo da proposta. Ao mesmo tempo, volta a ameaçar com a moratória, argumentando que não poderá continuar pagando R$ 120 milhões por mês ao governo federal relativos à dívida do Estado.

"Dr. Malan"
"Se a arrecadação cair, vamos ter que dizer isso ao governo. O problema é que o "dr. Malan" [Pedro Malan, ministro da Fazenda" não entende essas coisas. Daqui a pouco, ele vai para os Estados Unidos, morar lá, e não sofrerá as consequências, como nós."
Estigmatizado como político provinciano e folclórico -uma espécie de Forrest Gump da política brasileira aos olhos do alto tucanato-, Itamar voltou a ser levado a sério na corrida presidencial não só em razão da crise energética mas também pelas vitórias de seus aliados nas convenções do PMDB em alguns dos principais Estados brasileiros.
Prova disso é que a sala de imprensa do Palácio da Liberdade voltou a ficar movimentada, como no início do governo. Os quatro assessores de imprensa do governador, que se revezam em dois turnos de trabalho, registraram nos últimos dias mais de 50 pedidos de entrevistas. Entre eles, estão os de duas agências estrangeiras (Reuters e Bloomberg).
Mas, por enquanto, Itamar prefere o silêncio calculado. Só fala em entrevistas coletivas estrategicamente convocadas -e manda avisar antes que não irá responder a perguntas fora do tema de que quer tratar.
"Itamar é Itamar", resume um resignado assessor, ao usar o substantivo próprio para adjetivar o estilo do governador. A maré anda tão favorável que o ex-presidente chega até a ficar desconfiado, no melhor estilo mineiro do "se melhorar, estraga".
Prefere passar a maior parte do tempo recluso no eixo Palácio das Mangabeiras-Palácio da Liberdade, só se permitindo algumas incursões pelo interior nos finais de semana e eventuais viagens ao Rio e a Brasília.
Nos três dias em que a reportagem da Folha acompanhou o pré-candidato do PMDB à Presidência da República, na última semana, ele só recebeu em audiência um político fora do seu círculo íntimo, o deputado federal Luiz Antonio de Medeiros (PL-SP).
Nada com ele é de graça. Já vacinado contra os rumos erráticos do seu partido, que o enxotou da convenção em 1998 para aderir à reeleição de Fernando Henrique Cardoso, Itamar mantém o PL como "stand by" da sua candidatura à Presidência.
Não seria a primeira vez. Em 1986, percebendo que perderia a convenção do PMDB para Newton Cardoso, hoje seu vice, lançou a sua candidatura pelo PL. Perdeu a eleição por apenas 3% dos votos. Seis anos depois, assumiria a Presidência da República, depois de se eleger vice pelo PRN de Fernando Collor de Mello.
Agora, joga em várias frentes. Enquanto Henrique Hargreaves (ex-ministro da Casa Civil) cuida da retaguarda mineira e do dia a dia do varejo político, Alexandre Dupeyrat (ex-ministro da Justiça) funciona como embaixador itinerante de Itamar nas articulações com outros partidos, em especial o PSB e o PDT.
Antes de voltar mais uma vez ao PMDB, às vésperas do Carnaval deste ano, Itamar chegou a manter longas negociações com o PSB, que lançou a candidatura do governador fluminense Anthony Garotinho na última terça-feira.
No PDT, Leonel Brizola ainda não desistiu de formar uma chapa Itamar-Ciro Gomes ou vice-versa, dependendo de quem estiver à frente nas pesquisas no próximo ano. Essa chapa é o grande sonho do Palácio da Liberdade, desde que Ciro, é claro, aceite ser o vice.
Nas últimas pesquisas divulgadas, os dois estavam embolados em segundo lugar, bem atrás de Luiz Inácio Lula da Silva, o provável candidato do PT. Após o encontro com Itamar, Medeiros anunciou que vai trabalhar por ele, mas não quis fazer prognósticos sobre suas possibilidades. "A única certeza que eu tenho é que o Lula já está no segundo turno."



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