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Governador mineiro lê Dalai-Lama, critica o governo federal e costura as alianças para a sucessão de FHC
Itamar encarna fase zen de olho no Planalto
RICARDO KOTSCHO
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE
O topete está mais ralo, mas
continua saliente. Os fiéis assessores, que celebrizaram a "república
do pão de queijo", ainda são os
mesmos. No cardápio do Palácio
das Mangabeiras, a residência oficial, serve-se frango grelhado, dia
sim, e no outro também. Como
nos tempos de presidente da República, só anda de terno azul-marinho.
Não fala de política ao telefone,
não usa celular nem computador.
Se o assunto é delicado, convida o
interlocutor a conversar ao ar livre, caminhando pelos belos jardins do Palácio da Liberdade, onde despacha e pavimenta pacientemente o longo caminho de volta
ao Planalto. Em tempos de escutas da Abin (Agência Brasileira de
Inteligência), costuma dizer, todo
cuidado é pouco.
Imprevisível em seu humor ciclotímico, o governador mineiro,
Itamar Franco, 70, agora se inspira em Tenzin Gyatso, o Dalai-Lama, líder espiritual e político do
Tibete, exilado na Índia. Está lendo as obras completas do guru da
paz. Diz que vive uma fase zen.
Vira e mexe, quando algo o incomoda, anuncia, sorrindo: "Estou indo para o Tibete".
A tirada é parte de uma bem urdida estratégia de marketing pessoal de quem quer mesmo é voltar
para Brasília. E que trabalha em
tempo integral para viabilizar sua
candidatura, sobretudo agora que
os ventos sopram a favor.
Engenheiro eletrotécnico, nada
de braçadas e bate duro no governo federal ao tratar do principal
problema que aflige o país: a crise
energética. "O governo foi imprevidente e reagiu com incompetência." Logo no início do seu governo, depois de declarar a moratória, Itamar chegou a mobilizar
tropas da Polícia Militar para fazer manobras na região de Capitólio (MG), um cenário montado
contra a privatização de Furnas.
Não por acaso, Minas é hoje o
Estado que mais investe na construção de novas usinas hidrelétricas. Ainda na última sexta-feira,
Itamar autorizou o início das
obras da usina de Aimorés, a sétima de um conjunto que aumentará em 25% a capacidade de geração do Estado, com investimentos, em parceria com a iniciativa
privada, de R$ 2,4 bilhões.
Depois de passar a última semana em sucessivas reuniões com
secretários da área econômica e o
presidente da Cemig (Centrais
Elétricas de Minas Gerais), Djalma Moraes, o governador anunciará na terça-feira um plano alternativo para enfrentar a crise
energética.
"É um projeto não só para Minas, mas para o Brasil", antecipa,
fazendo mistério sobre o conteúdo da proposta. Ao mesmo tempo, volta a ameaçar com a moratória, argumentando que não poderá continuar pagando R$ 120
milhões por mês ao governo federal relativos à dívida do Estado.
"Dr. Malan"
"Se a arrecadação cair, vamos
ter que dizer isso ao governo. O
problema é que o "dr. Malan" [Pedro Malan, ministro da Fazenda"
não entende essas coisas. Daqui a
pouco, ele vai para os Estados
Unidos, morar lá, e não sofrerá as
consequências, como nós."
Estigmatizado como político
provinciano e folclórico -uma
espécie de Forrest Gump da política brasileira aos olhos do alto tucanato-, Itamar voltou a ser levado a sério na corrida presidencial não só em razão da crise energética mas também pelas vitórias
de seus aliados nas convenções do
PMDB em alguns dos principais
Estados brasileiros.
Prova disso é que a sala de imprensa do Palácio da Liberdade
voltou a ficar movimentada, como no início do governo. Os quatro assessores de imprensa do governador, que se revezam em dois
turnos de trabalho, registraram
nos últimos dias mais de 50 pedidos de entrevistas. Entre eles, estão os de duas agências estrangeiras (Reuters e Bloomberg).
Mas, por enquanto, Itamar prefere o silêncio calculado. Só fala
em entrevistas coletivas estrategicamente convocadas -e manda
avisar antes que não irá responder
a perguntas fora do tema de que
quer tratar.
"Itamar é Itamar", resume um
resignado assessor, ao usar o
substantivo próprio para adjetivar o estilo do governador. A maré anda tão favorável que o ex-presidente chega até a ficar desconfiado, no melhor estilo mineiro do "se melhorar, estraga".
Prefere passar a maior parte do
tempo recluso no eixo Palácio das
Mangabeiras-Palácio da Liberdade, só se permitindo algumas incursões pelo interior nos finais de
semana e eventuais viagens ao
Rio e a Brasília.
Nos três dias em que a reportagem da Folha acompanhou o pré-candidato do PMDB à Presidência da República, na última semana, ele só recebeu em audiência
um político fora do seu círculo íntimo, o deputado federal Luiz Antonio de Medeiros (PL-SP).
Nada com ele é de graça. Já vacinado contra os rumos erráticos
do seu partido, que o enxotou da
convenção em 1998 para aderir à
reeleição de Fernando Henrique
Cardoso, Itamar mantém o PL como "stand by" da sua candidatura
à Presidência.
Não seria a primeira vez. Em
1986, percebendo que perderia a
convenção do PMDB para Newton Cardoso, hoje seu vice, lançou
a sua candidatura pelo PL. Perdeu
a eleição por apenas 3% dos votos. Seis anos depois, assumiria a
Presidência da República, depois
de se eleger vice pelo PRN de Fernando Collor de Mello.
Agora, joga em várias frentes.
Enquanto Henrique Hargreaves
(ex-ministro da Casa Civil) cuida
da retaguarda mineira e do dia a
dia do varejo político, Alexandre
Dupeyrat (ex-ministro da Justiça)
funciona como embaixador itinerante de Itamar nas articulações
com outros partidos, em especial
o PSB e o PDT.
Antes de voltar mais uma vez ao
PMDB, às vésperas do Carnaval
deste ano, Itamar chegou a manter longas negociações com o PSB,
que lançou a candidatura do governador fluminense Anthony
Garotinho na última terça-feira.
No PDT, Leonel Brizola ainda
não desistiu de formar uma chapa
Itamar-Ciro Gomes ou vice-versa,
dependendo de quem estiver à
frente nas pesquisas no próximo
ano. Essa chapa é o grande sonho
do Palácio da Liberdade, desde
que Ciro, é claro, aceite ser o vice.
Nas últimas pesquisas divulgadas, os dois estavam embolados
em segundo lugar, bem atrás de
Luiz Inácio Lula da Silva, o provável candidato do PT. Após o encontro com Itamar, Medeiros
anunciou que vai trabalhar por
ele, mas não quis fazer prognósticos sobre suas possibilidades. "A
única certeza que eu tenho é que o
Lula já está no segundo turno."
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