São Paulo, quarta-feira, 03 de julho de 2002

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JANIO DE FREITAS

Dois em um

Ao repelir, com uma repreensão, o inquérito criminal pedido por Geraldo Brindeiro, procurador-geral da República, contra o deputado José Dirceu, o ministro Nelson Jobim incluiu uma observação que cuja gravidade transcende muito o que estava sendo julgado.
Da leitura do material encaminha ao Supremo Tribunal Federal por Brindeiro, e originalmente produzido por promotores de São Paulo, Nelson Jobim concluiu serem da mesma pessoa, e prestados na mesma ocasião, os depoimentos do médico João Francisco Daniel e da sua "testemunha secreta" nas acusações a José Dirceu, por pretensa receptação de propinas coletadas na Prefeitura de Santo André.
Nesse caso, a "testemunha secreta" e seu depoimento seriam fraudes cometidas no corpo de um inquérito. Logo, crimes de falsidade ideológica e outros, nos quais estaria envolvido o estranho irmão do prefeito assassinado, Celso Daniel, mas não só. Promotores públicos, que têm o encargo de representar a sociedade, figurariam como patrocinadores e co-autores da fraude.
O ministro Nelson Jobim, conforme relato de Silvana de Freitas na Folha, montou um quadro confrontando os elementos que tornam idênticos o depoimento do acusador e da "testemunha secreta". Trata-se, portanto, de uma identidade dos depoimentos que não poderia, tecnicamente, passar incólume, ou encampada, pelo chefe da própria Procuradoria da República. Mas Geraldo Brindeiro não se referiu à observação do ministro nem quando posto diante da referência incluída na decisão. E o ministro Nelson Jobim, quanto aos indícios de fraude, não foi além da observação.
O caso da Prefeitura de Santo André já tem excesso de complicações. Até ontem, por exemplo,a mídia está explorando o caso para obter reflexos contra a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, mas tudo o que há, como acusação, restringe-se a empresários que dizem haver entregue suborno a empresários. Tal limitação, por ora, não significa a segura negação do suborno na prefeitura. Mas promotores e mídia não apresentaram ainda, para sustentar a direção dada ao caso, elementos convincentes de que, a par da possibilidade de espertalhões explorando espertalhões, houve o componente político. Assim, nada passou ainda, por parte da mídia e de promotores, de uma ação, ela sim, político-eleitoral. Ou antieleitoral.
Esse débito de elementos de convicção já é grande e grave. A falta de explicações convincentes ou das providências cabíveis, para a observação feita por Nelson Jobim, será agressão sobre agressão ao Estado de Direito por quem deve protegê-lo.



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