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DOMINGUEIRA
A idade da revolta
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
Houve um tempo, não tão
longínquo, em que a figura do
jovem ganhou enorme destaque na vida nacional e internacional. Protestos políticos,
rebeldia cultural, revolução de
costumes -a pauta da juventude era estridente e ocupava
páginas e páginas de jornais e
revistas.
Tudo era jovem e sobre tudo
os jovens opinavam. Claro que
nem todos compartilhavam
essa admiração pela tenra
idade. Nelson Rodrigues, por
exemplo, desprezava solenemente a malta juvenil.
O fato, porém, é que o jovem
tornou-se um tipo e manteve-se, durante muito tempo,
como uma espécie de fração
rebelada do lar.
Toda família tinha seu contestador doméstico, um cabeludo que gostava de Che Guevara e sexo livre. Ou uma menina que tomava pílula e namorava um sujeito suspeito.
Ambos enchiam as medidas
dos pais, tios e tias com discursos contra o autoritarismo,
a hipocrisia burguesa, o imperialismo etc.
Hoje, os ânimos estão mais
serenos. Os jovens vão ao Cabral. Ou ao shopping. Ou ao
clube. Assistem "Malhação" e,
no máximo, reclamam do preço do frozen iogurte.
Em compensação, surge uma
nova categoria familiar em estado pré-revolucionário: os
velhinhos.
Sim, são eles, atualmente, os
mais revoltados, os mais incendiários, os mais dispostos a
partir para o confronto.
Não há uma família que não
tenha seu idoso aposentado ou
funcionário público. E tanto
um quanto o outro são vítimas do tucanato. As titias, titios e vovôs odeiam FHC como
o jovem dos anos 60 odiava
presidentes ianques e ditadores latino-americanos.
Eles são tratados pelo governo como uma conta a ser fechada. São um percentual do
PIB, um fator de desestabilização do real. Não são gente
que trabalhou durante anos
para ter um rendimento aceitável.
Eles vêem Brasília criar imposto para saúde e usar em
outras áreas, vêem gente legislando a favor de seu próprio
salário, vêem desperdício, roubo, favorecimento... e nada.
Na hora de o salário mínimo
ser reajustado, recebem oito
reais.
Sabemos que o perfil demográfico e etário do país está
mudando. Somos cada vez
mais velhos. Não resolvemos o
problema das crianças e estamos nos defrontando com a
emergência da velhice excluída em larga escala.
Há um exército macróbio
conspirando contra o tucanato, corroendo a imagem presidencial entre colheradas de
sopa, à mesa de jantar. Um
exército que cresce e que em
breve terá um peso político
inédito na história desse jovem país.
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