São Paulo, domingo, 3 de agosto de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DOMINGUEIRA
A idade da revolta

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

Houve um tempo, não tão longínquo, em que a figura do jovem ganhou enorme destaque na vida nacional e internacional. Protestos políticos, rebeldia cultural, revolução de costumes -a pauta da juventude era estridente e ocupava páginas e páginas de jornais e revistas.
Tudo era jovem e sobre tudo os jovens opinavam. Claro que nem todos compartilhavam essa admiração pela tenra idade. Nelson Rodrigues, por exemplo, desprezava solenemente a malta juvenil.
O fato, porém, é que o jovem tornou-se um tipo e manteve-se, durante muito tempo, como uma espécie de fração rebelada do lar.
Toda família tinha seu contestador doméstico, um cabeludo que gostava de Che Guevara e sexo livre. Ou uma menina que tomava pílula e namorava um sujeito suspeito. Ambos enchiam as medidas dos pais, tios e tias com discursos contra o autoritarismo, a hipocrisia burguesa, o imperialismo etc.
Hoje, os ânimos estão mais serenos. Os jovens vão ao Cabral. Ou ao shopping. Ou ao clube. Assistem "Malhação" e, no máximo, reclamam do preço do frozen iogurte.
Em compensação, surge uma nova categoria familiar em estado pré-revolucionário: os velhinhos.
Sim, são eles, atualmente, os mais revoltados, os mais incendiários, os mais dispostos a partir para o confronto.
Não há uma família que não tenha seu idoso aposentado ou funcionário público. E tanto um quanto o outro são vítimas do tucanato. As titias, titios e vovôs odeiam FHC como o jovem dos anos 60 odiava presidentes ianques e ditadores latino-americanos.
Eles são tratados pelo governo como uma conta a ser fechada. São um percentual do PIB, um fator de desestabilização do real. Não são gente que trabalhou durante anos para ter um rendimento aceitável.
Eles vêem Brasília criar imposto para saúde e usar em outras áreas, vêem gente legislando a favor de seu próprio salário, vêem desperdício, roubo, favorecimento... e nada. Na hora de o salário mínimo ser reajustado, recebem oito reais.
Sabemos que o perfil demográfico e etário do país está mudando. Somos cada vez mais velhos. Não resolvemos o problema das crianças e estamos nos defrontando com a emergência da velhice excluída em larga escala.
Há um exército macróbio conspirando contra o tucanato, corroendo a imagem presidencial entre colheradas de sopa, à mesa de jantar. Um exército que cresce e que em breve terá um peso político inédito na história desse jovem país.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.