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São Paulo, quarta-feira, 03 de setembro de 2003

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ELIO GASPARI

De JK@peixevivo.edu para Lula

Estimado presidente Luiz Inácio,
Tenho duas coisas a dizer ao amigo:
1) Não se comprometa com o erro.
2) Não entregue a alma ao seu adversário.
Eu sei que demitir ministro corta o coração. Em 1958, demiti o José Maria Alkmin, meu amigo de infância nas ruas de Diamantina, colega de trabalho nos Correios. Continuamos amigos, porque há pessoas que perdem o cargo, mas não perdem a educação. Daqui, a gente vê que o querido presidente já percebeu que uma parte do seu ministério está fatigada. Isso acontece com todo mundo.
Outro dia, eu estava conversando com o Castello e o Costa e Silva. Fizemos a conta e concluímos ter nomeado pelo menos cinco dementes. O Tancredo disse muito bem: "São quatro os ministros que seguram o pálio da procissão. Os demais cantam".
Uma alma como a sua pode buscar novas soluções diante de desapontamentos imprevistos. A vida é assim. Eu tirei o Álvaro Lins do Planalto e o mandei para Portugal. No meu tempo, os ministros eram 13. Pois acredite, demiti 26 e não fiz um só inimigo. Outro dia, eu e o Augusto Frederico Schmidt, que não está entre seus admiradores (porém manda suas recomendações a d. Marisa), nos divertimos vendo quem o senhor vai dispensar e quem o senhor vai preservar. Ambos acreditamos que o estimado presidente não errará nas dispensas. Eu entendo que os seus problemas persistirão, pois derivarão das permanências. O Schmidt não concorda comigo, mas esse bom amigo é o único perdulário federal que se comporta como argentário municipal. Mais do que isso não posso dizer.
Digo-lhe, sem constrangimento, que o ilustre patrício se engana quando se mostra preocupado com o governo anterior. Falo-lhe com a autoridade de quem teve um demônio chefiando a oposição. Mil anos de ditadura serão pouco para que o amigo sofra o que sofri na ponta do espeto de Carlos Lacerda. Sofri, mas não deixei que ele capturasse a minha alma. Pelo contrário, posso me orgulhar de ter capturado a dele. Tenho aqui ao lado o dr. Getúlio. Lacerda lhe tomou a vida, mas no dia 24 de agosto quem perdeu um pedaço da alma foi o Carlos, não o presidente que se matou. Até hoje, dr. Getúlio sorri quando conta seus últimos minutos, de pijama, naquele quarto do Palácio do Catete.
Outro dia, o Lacerda rememorou essa mesma manhã. Continua agoniado. O caro amigo vem dando ao professor Fernando Henrique Cardoso e aos tucanos um pedaço de sua alma. Isso só lhe trará fraqueza e melancolia. Peça ao querido ministro (e mineiro) Luiz Dulci que procure um só discurso meu atribuindo ao Lacerda seja lá o que for. Não o achará. Para fazer o que eu queria fazer, não podia demonstrar preocupação com ele. Estava construindo um novo Brasil, e os tropeços da caminhada, bem como os ministros fatigados, eram notas de pé de página. Pergunto-lhe: qual a causa da saída do José Carlos de Macedo Soares do Itamaraty, em 1958? Talvez não cheguem a dez as pessoas capazes de responder a essa pergunta. Verificarão que respondê-la é uma forma de cansar a memória a serviço da irrelevância.
Outro dia, fiz uma aposta com o Jânio Quadros. Ele diz que, pelo estilo, o ilustre presidente haverá de se assemelhar a ele. Eu sustento que ficará parecido comigo. Se o Jânio ganhar, pago duas caixas de uísque. Se eu ganhar, ele me paga com dois frascos de colônia Davidoff, aquela que o Zózimo Barroso do Amaral usa. Ajude-me a ganhar essa aposta. O Jânio, com duas caixas de uísque, transformará isto aqui num inferno.
Cordialmente, abraça-o o amigo e servidor
JK


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