São Paulo, domingo, 03 de setembro de 2006

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ELIO GASPARI

O candidato Geraldo Lott Gomes Távora



A delicadeza de Alckmin diante da traição dos tucanos cearenses está mais para Lula do que para Covas
O QUE FALTA AO doutor Geraldo Alckmin em sua campanha não é estratégia de marquetagem, mas idéias de candidato. Quem conseguir enumerar três idéias do tucano capazes de justificar o voto na sua ilustre pessoa ganha um pretinho da Daslu. Para quem não consegue lembrar nada, uma boa cola: "Vou trabalhar para acabar com o vestibular". Não vale dizer que votar nele é votar contra Lula, pois esse pode ser um ótimo motivo, mas não forma uma idéia.
Sua plataforma é um bandejão de platitudes. Coisas assim: "Eu vou aprofundar a inserção internacional do Brasil. E fazer uma defesa intransigente do mercado brasileiro". Ou ainda: "Tem de avançar, não pode ir para trás".
A banalidade de Alckmin é produto da crise intelectual do pedaço do PSDB que inventou sua candidatura. O humorista Henfil tinha um personagem chamado Caboclo Mamadô, que chupava o cérebro das pessoas de quem não gostava. Quem ouve os grão-tucanos à sua volta fica com a impressão de que eles foram visitados pelo caboclo. Alckmin também carrega vacuidades próprias. É uma reedição civil de três candidatos do século passado: o brigadeiro Eduardo Gomes (1945 e 1950), o marechal Juarez Távora (1955) e o general Henrique Lott (1960). Três homens a quem se podia entregar a chave de casa. Tinham passado, faltava-lhes futuro. Do brigadeiro e de Juarez, ficou a lembrança de que eram contra Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. De Lott, nem isso.
A maneira como Alckmin costurou as alianças que o tornaram candidato bem como delicadeza com que trata a traição do tucanato cearense sugerem que seu rigor é amplo na retórica e seletivo no cotidiano. Está mais para Lula do que para Mário Covas.

O tucanato suicidou-se em junho de 2005

É hipócrita e arrogante a pretensão da cúpula tucana de se apresentar ao eleitorado como guardiã da moralidade. É raro que se possa apontar momento em que um político pensa que teve uma grande idéia e pula do vigésimo andar. Algo como Jânio Quadros, na manhã de 25 de agosto, contemplando a astúcia de seu golpe: renunciaria à Presidência e seria recolocado no Planalto pelo povo. Ficou na rua. Os tucanos danaram-se na primeira metade de junho do ano passado, quando fizeram sua opção preferencial pela hipocrisia elitista. Diante da notícia de que em 1998 a campanha de seu presidente, o senador Eduardo Azeredo, fizera com o publicitário Marcos Valério o mesmo tipo de arranjo que ele viria a fazer em 2002 com o PT, o tucanato decidiu impor sua ética à choldra. Durante quatro meses, mantiveram Azeredo na presidência do partido. Fritaram-no quando viram o tamanho da besteira cometida, mas era tarde.
Em vez de anunciar que limpariam a casa, os tucanos acreditaram que tinham um "habeas caixa". Receberam avisos de que o alto comissariado petista sabia de otras cositas más. Intimidaram-se e, em diversas ocasiões, sinalizaram que calibrariam seus canhões. Com isso, deram ao PT o bordão do "somos todos iguais".
Nas palavras de Jutahy Magalhães, líder do PSDB na Câmara: "Se é para punir caixa dois, tem que punir todo mundo". Houve nessa frase uma constatação verdadeira: todos os candidatos usaram caixa dois. Infelizmente, ela não se destinava a acabar com as malfeitorias, mas a preservar malfeitores.
O PSDB não é uma tribo de larápios. Apenas decidiu não se tornar um partido que combate os malfeitores. Assim como os petistas fazem circular a lorota segundo a qual suas bandalheiras destinam-se a ajudar os pobres, os tucanos querem fazer crer que as deles, por velhas, fazem parte do patrimônio histórico nacional.

Greve de placa
Os trabalhadores brasileiros deveriam mandar botar uma placa de bronze na entrada do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Diria o seguinte:
"Sendo presidente deste sindicato o metalúrgico José Feijóo, às 21h30 de terça-feira, 30 de agosto de 2006, horas depois da dispensa de 1.800 operários da Volkswagen, a porta deste sindicato estava fechada. Se alguém quisesse saber das novidades, era informado pelo guardião das duas fechaduras da portaria que deveria voltar no dia seguinte.
Era presidente da República o excelentíssimo senhor Luiz Inácio Lula da Silva, operário metalúrgico de 1959 a 1972 e presidente deste sindicato de 1975 a 1980.
Era ministro do Trabalho o excelentíssimo senhor Luiz Marinho. Operário da Volkswagen desde 1978, presidiu este sindicato de 1997 a 2003.
São Bernardo do 173º da Independência, 116º da República, 3º do governo petista."

Registro
Há 50 anos a rede de ensino superior americana adotou testes de proficiência para selecionar seus calouros. A medida destinava-se detonar as panelinhas da elite. Passou o tempo e algumas escolas pequenas, porém prestigiosas, começaram dispensar os resultados dos testes da lista de qualificações que abrem suas portas para os candidatos. Fizeram isso primeiro porque desejam aumentar a diversidade do corpo de alunos. Depois, porque duvidam dos testes como medida de desempenho do estudante.
Sem os testes, um processo de seleção transparente dá um trabalho danado para a burocracia escolar.

Está tudo lá
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, indicou que não pretende continuar no governo num segundo mandato de Lula. Se isso acontecer, começará a contagem regressiva para a publicação de um dos tesouros documentais do comissariado de Nosso Guia.
Desde o dia em que chegou a Brasília em 2003, Thomaz Bastos manteve um disciplinado diário. Há um registro para cada dia, mesmo que seja pequeno. Alguns deles são longos e reflexivos. Outros mostram um advogado perplexo.
Em geral, quanto melhor o diário, mais ele demora para ser publicado. O de Getúlio Vargas, iniciado em 1930, esperou 65 anos. O de Heitor Ferreira, secretário dos presidentes Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo, bem como do general Golbery do Couto e Silva, tornou-se parcialmente conhecido 38 anos depois. A versão integral do diário de JK passará muito tempo na geladeira, por razões que nada têm a ver com a política.

FFHH na pista
FFHH posicionou-se para o trono de maior autoridade a bordo da nau sem rumo do PSDB. Se quiser, presidirá o partido, mas pode também ficar na condição de pajé. O monarca não tem pretensões, senão as biográficas, do tamanho do sentimento do mundo. Ademais, pode discutir uma agenda voltada para o interesse do país, pois conhece os buracos que deixou na estrada. FFHH e Lula detestam-se por conta de seus defeitos e amam-se pelas virtudes. Exatamente o contrário do que sucedeu nos grandes embates dos últimos 50 anos. Basta lembrar fosso que separou Carlos Lacerda de Getúlio Vargas e de JK. Ou a barreira que separava Tancredo Neves e Ulysses Guimarães dos generais da ditadura.


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