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São Paulo, sexta-feira, 03 de outubro de 2003

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AO PÉ DO OUVIDO

Em entrevista a emissoras de rádio, presidente afirma que "acabou o tempo das vacas magras" e defende ida a Cuba

"Demos uma trucada" nos ricos, diz Lula

GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Na primeira entrevista coletiva concedida exclusivamente a emissoras de rádio do país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 57, disse que "demos uma trucada" nos Estados Unidos e União Européia durante as negociações da OMC (Organização Mundial do Comércio) em Cancún, no mês passado.
Lula disse ainda que "acabou o tempo das vacas magras" e afirmou que "todo o sacrifício que tinha que ser feito já foi feito", pintando um quadro otimista para a economia no último trimestre.
Na política, defendeu a aprovação das reformas e afirmou que a aprovação dos textos vão render dividendos eleitorais ao PT.
Em 1 hora e 35 minutos de entrevista, Lula respondeu, ao vivo, com transmissão da Radiobrás (a estatal de comunicação do governo), 18 perguntas de nove jornalistas. A estatal abriu o seu sinal para todas as rádios do Brasil.
Abordou temas polêmicos, como o fato de o PT ter mudado várias posições históricas. Falou sobre Estatuto do Idoso e até sobre o seu time, o Corinthians. A assessoria da Presidência disse não ter tido conhecimento antecipadamente o teor das perguntas.
 

SEGURANÇA PÚBLICA - ""É fácil falar de segurança e muito difícil fazer política de segurança. O que o povo espera é que todos os bandidos sejam presos. Mas para ter uma ação de segurança é preciso primeiro organizar a polícia. Criamos o Sistema Único de Segurança Pública. O crime organizado está no empresariado, na sociedade, no poder político, no Judiciário, tem braço internacional."

RODOVIAS - ""O problema das estradas é de vários anos de irresponsabilidade de não cuidar da manutenção daquilo que já existia. Pegamos o governo com todas as estradas deterioradas. Todas. As coisas estão andando. Não do jeito que gostaríamos porque não temos os recursos necessários."

CRESCIMENTO ECONÔMICO -""A retomada do crescimento da economia é o nosso desejo, a nossa obsessão e o nosso sonho. Podemos falar que para os próximos 12 meses a inflação não ultrapassará 7% e os mais otimistas acham que pode chegar a 5%. As taxas de juros começaram a cair e começamos a bater recorde atrás de recorde nas nossas exportações. Claro que o interessante é combinar o crescimento das exportações com o do consumo interno para que a gente possa melhorar e gerar empregos. Tudo isso está dentro de uma certeza de que acabou o tempo das vacas magras. Todo o sacrifício que tinha que ser feito já foi feito."

INFRA-ESTRUTURA - ""Já vamos começar a chamar empresários brasileiros e internacionais para saber quem está disposto a fazer primeiro parceria com o governo, o chamado PPP (Parceria Público-Privada). Tudo na lógica do crescimento econômico e da geração dos empregos. Não sei se serão 10, 5 ou 20 (milhões)."

TRANSGÊNICOS - ""Não se trata de ser contra ou a favor. Tínhamos duas coisas a fazer: ou proibíamos a comercialização e mandávamos a Polícia Federal atear fogo na soja. Isso seria uma fotografia horrível num país em que o povo está com fome e que precisa exportar. Ou se entendia a situação do momento e se criava as condições de comercialização. Nos próximos 15 dias vamos dar entrada no projeto de lei para que o Congresso possa definitivamente regulamentar e definir o problema dos transgênicos no Brasil. Se for preciso, contrataremos fiscais para que a gente veja a rotulagem."

REFORMA POLÍTICA - ""Sou favorável à reforma política e amplamente favorável à fidelidade partidária. Não sei quem disse que o governo está patrocinando a troca de partidos. É engraçado porque no PT não entrou quase ninguém. Pelo contrário, estamos com a decisão de tirar os companheiros que trabalharam contra a decisão da bancada. O mandato não pode ser dele [político] e sim do partido. A deliberação do partido vale para todos. Quem não concordar, tem que sair. A reforma política tem que ser dura e permitir que se reorganize o quadro partidário no país, que é muito frágil e débil. É preciso acabar com partidos de aluguel."

POLÍTICA EXTERNA - ""Em Cancún [última rodada de negociação da Organização Mundial do Comércio no mês passado], o que aconteceu de fantástico é que conseguimos juntar 22 países que representam mais da metade da população mundial -os Estados Unidos e a União Européia não esperavam que isso pudesse acontecer. O Brasil por generosidade dos outros passou a ser o coordenador.
Para o brasileiro entender bem: nós demos uma trucada. Estávamos com o zápete na mão. Pegamos 70% da pauta dos americanos e transformamos na nossa pauta. A pauta que eles queriam discutir conosco três meses antes da reunião. Quando os confrontamos com a pauta deles, eles se juntaram à União Européia para garantir o subsídio dado aos seus agricultores. Saímos de lá muito a cavaleiro. Obviamente que ninguém ganhou nada, mas criamos as condições para que seja discutido com mais seriedade a questão comercial na Organização Mundial do Comércio."

PROGRAMAS SOCIAIS -""Quando o Fome Zero nasceu teve gente fazendo comentários de que no outro dia a fome estaria resolvida. Ora, se não foi resolvida em séculos, não seria eu, que tenho os poderes máximos de um ser humano normal, que iria resolver. Os municípios atendidos serão 1.227. O programa está funcionando a toda a prova. Vou dar um dado de Guaribas (PI). Começamos lá em fevereiro. A taxa de mortalidade infantil caiu de 37,5 por mil para zero. Obviamente que a cidade ainda não virou uma Califórnia e nem uma Ribeirão Preto, mas o Fome Zero mudou a cara da cidade. Pela primeira vez a cidade tem um instituto de beleza. O Fome Zero é um sucesso absoluto."

PT NO GOVERNO - ""Os ideais do PT não são incompatíveis com o fato de estar no governo. Quando você teoriza, você acha, pensa, acredita. Quando você governa, você faz. É como um paciente na sala de cirurgia. O médico tem que decidir se corta ou não corta. O risco você tem que correr.
As pessoas que dizem que esse governo não mudou (é igual ao anterior) ou não entendem o que está acontecendo ou não querem entender. Houve mudança não apenas nas pessoas eleitas, mas no comportamento das pessoas eleitas e nas diretrizes da política. Se tivéssemos dado sequência à política econômica anteriormente colocada em prática, quem sabe os juros estivessem mais altos, a inflação estivesse, quem sabe, a 40% e talvez não tivesse um dólar de financiamento.
Isso mudou por conta da credibilidade. É como plantar uma jabuticaba, ou um pé de fruta qualquer, com e sem enxerto. No primeiro momento você pode até não notar a diferença, só que uma vai produzir frutos muito mais rápido e é o que vamos fazer.
Ou seja: hoje nós não estamos trabalhando para não deixar o país cair no abismo. Hoje trabalhamos com a certeza de que a economia vai voltar a crescer, que a estabilidade foi conseguida e que a inflação está controlada."

O VICE - ""Entre as coisas boas que Deus fez à minha vida foi ter conhecido o José Alencar. Acho que a coisa mais normal é que em alguns momentos você possa ter visões diferentes sobre as coisas. Temos DNAs diferentes, gostamos de clubes diferentes, temos coisas diferentes na vida. Tenho com a minha mulher, com o meu filho, por que não posso ter com o José Alencar. Ele é o vice que o Brasil precisa. O fato de ele falar sobre juros? Pode continuar falando. Acontece que alguns podem pensar que os juros poderiam baixar 20% de uma vez. Eu acho que não. Temos que dar os passos de acordo com as pernas, se não você vai ter distensão e vai ficar muitos meses acamado. Cautela e caldo de galinha não fazem mal. Em relação aos transgênicos era um tema polêmico. Eu viajei sem que a medida provisória tivesse ficado pronta. Se pudesse, teria assinado. O José Alencar fez muito bem de ouvir as pessoas. Não vejo defeito nisso, e sim virtude. Ele não era conhecedor do assunto e disse isso à imprensa. Ele tinha a Marina [Silva, ministra] e deputados querendo discutir. A medida provisória foi assinada e, entre mortos e feridos, todos estão vivos."

EXPORTAÇÕES - ""A terra está ficando pequena para nossas metas. Quando começamos o governo determinamos que a política externa fosse mais arrojada."

CUBA - ""Primeiro, como é o nome [da entidade de jornalistas que criticou o fato de Lula não ter questionado publicamente a questão dos direitos humanos em viagem a Cuba]? Repórteres sem Fronteira? Vocês, repórteres, estão sem informação. É descabido lá de Paris alguém ficar fazendo julgamento do meu comportamento com relação a Cuba.
Segundo, eu conversei quase duas horas com o presidente Fidel sobre a questão dos prisioneiros. Acontece que fui a Cuba como chefe de Estado e as boas maneiras indicam que ele não dê palpite na política de outro país. Respeito é bom, eu dou e gosto de receber. Conversei sobre o brasileiro preso, sobre os cinco cubanos condenados à pena de morte nos EUA. Ponderei várias coisas ao Fidel sobre as quais me permito não falar.
Se alguém tiver que falar é ele. Eu, José Dirceu e Frei Betto passamos uma hora e meia conversando sobre direitos humanos e não tenho nenhuma obrigação de dar satisfação aos Repórteres Sem Fronteira. Passei minha vida inteira lutando por liberdade democrática. Isso vale para mim, para Cuba, Paris e todo mundo."

ESQUERDA - ""Confesso que não gosto de rótulos. Eu prefiro ser o Lula torneiro mecânico, pernambucano de Garanhuns, que chegou à Presidência da República.

NOMEAÇÕES POLÍTICAS - "Eu acho engraçado, gente, é pensar que, alguém ganhando as eleições, vai contratar os adversários para trabalhar no seu governo. Fantástico isso, alguém achar que "bom, o Lula ganhou a Presidência, então ele vai chamar o pessoal do Maluf, o pessoal do Fernando Henrique Cardoso, o pessoal do Collor, para trabalhar". Não. Há vários cargos no governo que são cargos de confiança, que é o presidente que põe e que tira.
E essas pessoas têm que ter competência técnica, competência política e ser da confiança do presidente. É assim. Eu ouvi outro dia reclamação porque nós contratamos o Duda Mendonça. Queriam que eu contratasse o publicitário do Fernando Henrique Cardoso? O do Collor? Eu tenho que contratar quem eu confio. Não tem outro jeito, meu caro. Seja eleito para alguma coisa para ver se você consegue fazer diferente. E quem fizer diferente está fazendo bobagem."

REFORMA AGRÁRIA - "A reforma agrária vai sair não porque alguém está invadindo ou porque alguém está matando. Ela vai sair por uma necessidade de se fazer justiça social no Brasil."

REFORMAS E ELEIÇÕES -"Nós fizemos uma reforma que o povo queria que fosse feita. Não tem uma pesquisa que não diga que mais de 70% da sociedade brasileira era favorável à reforma. Portanto não dá para você ficar com medo de um corporativismo minoritário, porque não era o conjunto da categoria. Você pode ficar certa de que nós teremos mais votos na próximas eleições por conta da reforma."

NOTICIÁRIO - "Eu, quando levanto de manhã, leio cinco ou seis jornais todo santo dia. Às vezes, se eu fosse me ater pelas manchetes dos jornais, eu nem sairia do Palácio da Alvorada, tal era a confusão estabelecida na praça."

REFORMA TRIBUTÁRIA - "Nós vamos fazer a reforma tributária. Eu não tenho nenhuma preocupação com o Senado ou com a Câmara. Nenhuma. Fazer política achando que todo mundo tem que dizer amém ao presidente não é possível. Fazer política achando que o presidente é um ser superior, que não tem que conversar com as pessoas, não é possível."

REFORMA DA PREVIDÊNCIA - ""A reforma da Previdência foi feita do tamanho que precisava ser feita. Eu acho que tem muita gente criticando por inveja, porque muitos tentaram, passaram anos e anos no poder e não conseguiram fazer o que eu fiz em apenas nove meses de governo."

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