Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"É preciso medidas mais drásticas"
DO ENVIADO A VITÓRIA
Leia trechos da entrevista com o
ex-prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa.
Folha - O rodízio de veículos de
São Paulo é um sistema eficiente?
Enrique Peñalosa - Temos em
Bogotá um sistema chamado de
Pico e Placa que tira 40% da frota
todos os dias, durante duas horas
de manhã e à tarde. É útil, mas,
claramente, é algo temporal. Todos os sistemas que restringem
automóveis são bons, mas é preciso haver restrições mais drásticas.
O problema do automóvel não é
apenas o congestionamento. Mais
graves são os problemas causados
tentando resolver os congestionamentos. Há uma maneira muito
simples de restringir os carros.
Basta dizer que não serão feitas
soluções para resolver os congestionamentos. Há uma pressão
imensa para fazer mais vias. Se fizermos mais vias, as consequências serão terríveis para as cidades.
Folha - O sr. é contra qualquer tipo de abertura de novas avenidas
nas grandes cidades?
Peñalosa - Quase.
Folha - Mas não seria inviável?
Peñalosa - Obviamente precisamos ter uma malha viária. O problema dos automóveis são as horas de pico. Quando fazemos vias
para resolver os congestionamentos nessas horas, é uma inversão
muito irracional. Mas é preciso
existir algumas vias para que se
saia no final de semana, para viajar, para os táxis.
Folha - Em São Paulo, é possível
discutir uma restrição veicular
mais severa agora, mesmo sem ainda termos um transporte coletivo
de boa qualidade?
Peñalosa - Acredito que talvez a
restrição veicular não seja útil se
não tivermos um transporte público de boa qualidade. Mas um
transporte público de boa qualidade também não adianta se não
tivermos uma restrição veicular. E
a única maneira para fazer grandes investimentos em transporte
público é haver restrições severas
ao carro particular. Por que em
Nova York ou Paris a população
utiliza transporte público? Porque
há uma restrição de estacionamento, que é muito caro, e é muito mais rápido se movimentar
com transporte público.
Folha - O que começou primeiro
em Bogotá: a melhoria do transporte coletivo, com a implantação
do Transmilênio, ou a restrição veicular do Pico e Placa?
Peñalosa - Fizemos as duas coisas no meu governo. O Pico e Placa começou primeiro. O Transmilênio ainda atende apenas 15%
da demanda. Mas está crescendo.
A idéia é que atenda 80% da população. O Pico e Placa é uma restrição leve. A maior parte das pessoas se levanta mais cedo ou sai de
casa mais tarde. É uma restrição
muito temporal.
Folha - O pedágio urbano é uma
alternativa boa?
Peñalosa - O ideal é que se proíba os automóveis todos os dias,
duas horas e meia de manhã e
duas horas e meia à tarde.
Folha - Todos?
Peñalosa - Todos. O pedágio urbano de Londres é uma opção interessante. Mas eu preferiria uma
cidade com restrição total e radical, que levaria as pessoas a caminhar, andar de bicicleta, usar
transporte público. Entre nada e
esse sistema de Londres eu prefiro
ele. Mas poderia ser feita uma
combinação: proibição total nos
picos da manhã e da tarde e pedágio no resto do dia. O que deve ficar claro aos cidadãos é que está
se discutindo não um sistema de
transporte, mas um tipo de cidade, um modo de vida. Se a gente
quer uma cidade com mais gente
nas ruas, mais cultura, mais restaurantes, menos gastos públicos,
precisamos restringir a utilização
do automóvel particular.
É necessário, mas não suficiente, ter um bom transporte público. E, na medida em que os mais
ricos utilizarem transporte público, haverá mais pressão política
para que ele tenha uma boa qualidade. É a melhor maneira de gerar
pressão política para ter um melhor transporte público.
Folha - Uma das dificuldades de
adotar uma restrição veicular mais
severa no Brasil é a influência política da medida. Qual é a solução?
Peñalosa - No Brasil, a minoria
se desloca com automóvel, talvez
25% em São Paulo. Se amanhã os
automóveis forem proibidos nas
horas de pico, automaticamente
75% da população ficará melhor
que antes, porque haverá menos
congestionamento para eles, menos tempo gasto no transporte.
Folha - Mas o impacto popular negativo não é um mito.
Peñalosa - Obviamente temos
que educar as pessoas sobre esses
assuntos. A construção de mais
avenidas piora os congestionamentos. Parece contraditório.
Gasta-se dinheiro público e não se
resolve um problema. Os grupos
mais ricos da população precisam
ser educados sobre essas questões. Não se trata de medidas contra os ricos e os carros, mas para o
bem de todos.
Por que na Holanda ou na Dinamarca, que têm um clima muito
pior que em São Paulo, 40% da
população se move de bicicleta?
Porque são sociedades mais igualitárias, mais democráticas.
Esses temas são muito mais importantes para a nossa qualidade
de vida, nossa felicidade, do que
outros temas que são as grandes
discussões do momento, os acordo com o FMI, a crise do câmbio.
Essas são coisas temporárias, que
mudam a cada ano. O tipo de cidade que estamos fazendo vai determinar a maneira de viver nos
próximos 500 anos.
Folha - A priorização do transporte público é uma unanimidade entre os políticos de Bogotá?
Peñalosa - Alguns não estão tão
totalmente de acordo, mas ninguém se atreveria a ser contra a
expansão do Transmilênio. Há
muito apoio popular para esse sistema. Mas estamos ainda muito
longe. Não somos um exemplo do
mundo. Somos uma sociedade
muito pobre, atrasada e estamos
longe de ter a consciência ideal.
Folha - O sr. também usará esse
mesmo discurso em sua futura
campanha a presidente?
Peñalosa - Acredito que fazer
uma cidade mais respeitosa da
dignidade humana traz resultados políticos positivos. Não se pode ter temor de restringir os automóveis porque depois claramente
se observa a melhoria da qualidade de vida. No começo é uma
guerra muito grande.
Texto Anterior: Entrevista da 2ª: Enrique Peñalosa e Derek Turner Próximo Texto: "Melhoria em corredor é passo para pedágio" Índice
|