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São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2003

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"É preciso medidas mais drásticas"

DO ENVIADO A VITÓRIA

Leia trechos da entrevista com o ex-prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa.
 
Folha - O rodízio de veículos de São Paulo é um sistema eficiente?
Enrique Peñalosa
- Temos em Bogotá um sistema chamado de Pico e Placa que tira 40% da frota todos os dias, durante duas horas de manhã e à tarde. É útil, mas, claramente, é algo temporal. Todos os sistemas que restringem automóveis são bons, mas é preciso haver restrições mais drásticas.
O problema do automóvel não é apenas o congestionamento. Mais graves são os problemas causados tentando resolver os congestionamentos. Há uma maneira muito simples de restringir os carros. Basta dizer que não serão feitas soluções para resolver os congestionamentos. Há uma pressão imensa para fazer mais vias. Se fizermos mais vias, as consequências serão terríveis para as cidades.

Folha - O sr. é contra qualquer tipo de abertura de novas avenidas nas grandes cidades?
Peñalosa
- Quase.

Folha - Mas não seria inviável?
Peñalosa
- Obviamente precisamos ter uma malha viária. O problema dos automóveis são as horas de pico. Quando fazemos vias para resolver os congestionamentos nessas horas, é uma inversão muito irracional. Mas é preciso existir algumas vias para que se saia no final de semana, para viajar, para os táxis.

Folha - Em São Paulo, é possível discutir uma restrição veicular mais severa agora, mesmo sem ainda termos um transporte coletivo de boa qualidade?
Peñalosa
- Acredito que talvez a restrição veicular não seja útil se não tivermos um transporte público de boa qualidade. Mas um transporte público de boa qualidade também não adianta se não tivermos uma restrição veicular. E a única maneira para fazer grandes investimentos em transporte público é haver restrições severas ao carro particular. Por que em Nova York ou Paris a população utiliza transporte público? Porque há uma restrição de estacionamento, que é muito caro, e é muito mais rápido se movimentar com transporte público.

Folha - O que começou primeiro em Bogotá: a melhoria do transporte coletivo, com a implantação do Transmilênio, ou a restrição veicular do Pico e Placa?
Peñalosa
- Fizemos as duas coisas no meu governo. O Pico e Placa começou primeiro. O Transmilênio ainda atende apenas 15% da demanda. Mas está crescendo. A idéia é que atenda 80% da população. O Pico e Placa é uma restrição leve. A maior parte das pessoas se levanta mais cedo ou sai de casa mais tarde. É uma restrição muito temporal.

Folha - O pedágio urbano é uma alternativa boa?
Peñalosa
- O ideal é que se proíba os automóveis todos os dias, duas horas e meia de manhã e duas horas e meia à tarde.

Folha - Todos?
Peñalosa
- Todos. O pedágio urbano de Londres é uma opção interessante. Mas eu preferiria uma cidade com restrição total e radical, que levaria as pessoas a caminhar, andar de bicicleta, usar transporte público. Entre nada e esse sistema de Londres eu prefiro ele. Mas poderia ser feita uma combinação: proibição total nos picos da manhã e da tarde e pedágio no resto do dia. O que deve ficar claro aos cidadãos é que está se discutindo não um sistema de transporte, mas um tipo de cidade, um modo de vida. Se a gente quer uma cidade com mais gente nas ruas, mais cultura, mais restaurantes, menos gastos públicos, precisamos restringir a utilização do automóvel particular.
É necessário, mas não suficiente, ter um bom transporte público. E, na medida em que os mais ricos utilizarem transporte público, haverá mais pressão política para que ele tenha uma boa qualidade. É a melhor maneira de gerar pressão política para ter um melhor transporte público.

Folha - Uma das dificuldades de adotar uma restrição veicular mais severa no Brasil é a influência política da medida. Qual é a solução?
Peñalosa
- No Brasil, a minoria se desloca com automóvel, talvez 25% em São Paulo. Se amanhã os automóveis forem proibidos nas horas de pico, automaticamente 75% da população ficará melhor que antes, porque haverá menos congestionamento para eles, menos tempo gasto no transporte.

Folha - Mas o impacto popular negativo não é um mito.
Peñalosa
- Obviamente temos que educar as pessoas sobre esses assuntos. A construção de mais avenidas piora os congestionamentos. Parece contraditório. Gasta-se dinheiro público e não se resolve um problema. Os grupos mais ricos da população precisam ser educados sobre essas questões. Não se trata de medidas contra os ricos e os carros, mas para o bem de todos.
Por que na Holanda ou na Dinamarca, que têm um clima muito pior que em São Paulo, 40% da população se move de bicicleta? Porque são sociedades mais igualitárias, mais democráticas.
Esses temas são muito mais importantes para a nossa qualidade de vida, nossa felicidade, do que outros temas que são as grandes discussões do momento, os acordo com o FMI, a crise do câmbio. Essas são coisas temporárias, que mudam a cada ano. O tipo de cidade que estamos fazendo vai determinar a maneira de viver nos próximos 500 anos.

Folha - A priorização do transporte público é uma unanimidade entre os políticos de Bogotá?
Peñalosa
- Alguns não estão tão totalmente de acordo, mas ninguém se atreveria a ser contra a expansão do Transmilênio. Há muito apoio popular para esse sistema. Mas estamos ainda muito longe. Não somos um exemplo do mundo. Somos uma sociedade muito pobre, atrasada e estamos longe de ter a consciência ideal.

Folha - O sr. também usará esse mesmo discurso em sua futura campanha a presidente?
Peñalosa
- Acredito que fazer uma cidade mais respeitosa da dignidade humana traz resultados políticos positivos. Não se pode ter temor de restringir os automóveis porque depois claramente se observa a melhoria da qualidade de vida. No começo é uma guerra muito grande.



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