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São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2003

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ENTREVISTA DA 2ª

ENRIQUE PEÑALOSA e DEREK TURNER

Experiências adotadas em Londres e em Bogotá são apontadas como exemplos de alternativa para SP

Restrição mais dura a carros ganha respaldo de políticos

Moacyr Lopes Junior - 18.jun/Folha Imagem
Trânsito caótico em São Paulo; duas experiências radicais de restrição à circulação de carros já deram certo, em Londres e em Bogotá


ALENCAR IZIDORO
ENVIADO ESPECIAL A VITÓRIA (ES)

Imagine um governo que decida cobrar uma taxa diária de quem utiliza carro particular. Que incentive a elevação dos preços dos estacionamentos. Que descarte a possibilidade de construir mais vias para diminuir os congestionamentos. Ou, finalmente, que adote uma política deliberada de reajuste do preço da gasolina.
Essas medidas, num mundo influenciado pela "cultura do automóvel", poderiam ser vistas como a extinção da carreira política de um governante. Mas duas experiências internacionais recentes indicam que essa tese não é necessariamente verdadeira. Seus idealizadores avaliam que elas seriam alternativas para São Paulo.
O 14º Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito, realizado no mês passado em Vitória (ES), debateu as duas experiências internacionais mais recentes de restrição veicular drástica e priorização ao transporte coletivo -que, contrariando as previsões iniciais, conquistaram a aprovação popular e se tornaram até um instrumento de marketing político.
O pedágio urbano de Londres, implantado em fevereiro passado, é uma delas. No evento capixaba, foi detalhado pelo mentor da idéia -Derek Turner, ex-diretor do departamento de transportes londrino, que deixou a função para dar consultoria a várias cidades que já cogitam ações semelhantes.
O sistema prevê um pagamento diário de 5 libras (quase R$ 25) para quem quiser entrar de carro no centro. O monitoramento se dá por meio de câmeras. A multa é de 80 libras -beira R$ 400.
O dinheiro arrecadado (são estimados R$ 493 milhões anuais) será usado exclusivamente para pagar a implantação do projeto e em melhorias no transporte público.
A medida, que enfrentava resistência e críticas inicialmente, conseguiu reduzir em 20% a circulação de carros na área delimitada. A utilização de ônibus e bicicletas aumentou. Depois de três meses, 75% dos executivos disseram, em pesquisa, aprovar a restrição.
O primeiro-ministro Tony Blair, desafeto do prefeito de Londres, Ken Livingstone, reconheceu ao jornal "Financial Times" os resultados positivos. "Era uma experiência sobre a qual muita gente tinha dúvidas. Francamente, inclusive eu, mas acho que ele [Livingstone] merece crédito por ter implantado", disse.
"O pedágio urbano tem três vantagens: reduz os congestionamentos, cria uma taxa de investimento e torna mais atraentes as viagens no transporte público", afirmou Turner à Folha.
A segunda experiência recente que já se tornou referência mundial se deu em Bogotá, na Colômbia. Nos anos 90, ela era conhecida pela desorganização de seu transporte coletivo -formado por pequenos veículos independentes, num fenômeno semelhante ao dos perueiros.
O ex-prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa, formado em economia e história nos EUA e com mestrado em administração pública na França, implantou um sistema de rodízio em 1998 (batizado de Pico e Placa) proibindo a circulação de 40% da frota nos horários críticos da manhã e da tarde. Retirou espaços públicos de estacionamento para a ampliação de calçadas e de ciclovias.
Taxou a gasolina em 20% -e a quantia arrecadada foi usada na construção do Transmilênio, um tipo de transporte intermediário entre ônibus e metrô, inspirado nos corredores de Curitiba.
Peñalosa teve em seu mandato altos índices de rejeição. Depois, com a inauguração do Transmilênio, os resultados positivos surgiram. O projeto e a restrição Pico e Placa têm a aprovação de mais de 90% da população. O ex-prefeito já se diz candidato a presidente -tendo como principais bandeiras os incentivos ao transporte coletivo e as restrições aos carros.
É radical: "O ideal é proibir [todos] os automóveis todos os dias, duas horas e meia de manhã e duas horas e meia à tarde", disse à Folha. "Na medida em que os mais ricos usarem transporte público, haverá mais pressão política para ele ter uma boa qualidade."
Peñalosa foi lançado ainda em 2002, na "chapa" do direitista Álvaro Uribe -atual presidente, que tem mandato até 2006, quando seria substituído pelo ex-prefeito da capital colombiana.
Bogotá é hoje a cidade mais radical do mundo no "Dia Sem Meu Carro". Está longe de ter uma rede de qualidade, mas a expansão do Transmilênio é um compromisso dos políticos -são previstos 200 km até 2015.

O repórter viajou a convite da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos)


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