São Paulo, quinta, 3 de dezembro de 1998

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DIPLOMACIA
Decisão ainda não foi comunicada oficialmente e se deve à participação do deputado em sequestro de embaixador
EUA negarão visto para Gabeira ir à ONU

Juca Varella/Folha Imagem
O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ, ontem no plenário da Câmara


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

O governo dos EUA vai negar visto de entrada no país ao deputado Fernando Gabeira (PV-RJ).
Gabeira foi indicado pelo Congresso para integrar a comissão de observadores parlamentares na atual Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
A decisão norte-americana ainda não foi comunicada oficialmente ao Brasil. Mas a Folha apurou que ela já está tomada.
Gabeira, 57, que nunca esteve nos EUA, disse que interpretará a recusa como um ato não contra ele e sim contra a possibilidade de o Brasil escolher seus representantes junto a entidades multilaterais. "Será um ato contra a soberania do país", afirmou ontem à Folha.
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"Terrorista"
A negativa será baseada no parágrafo 1.182, inciso 3B da Lei da Imigração e Naturalização dos EUA.
Esse item diz que são "inelegíveis para visto ou admissão nos EUA" estrangeiros que "tenham se engajado em atividade terrorista" ou que, a critério da autoridade consular norte-americana, "provavelmente" venham a se engajar.
Acordo entre a ONU e o governo dos EUA, no entanto, prevê que cada Estado-membro tem o direito de mandar a delegação que desejar às reuniões da entidade e que o país anfitrião tem obrigação de permitir a entrada de seus integrantes na cidade de Nova York, onde a organização tem sua sede.
Os EUA podem limitar o perímetro de movimentação de alguns cidadãos considerados não gratos ao país a alguns quilômetros em torno do edifício da ONU e de seu local de moradia em Nova York.
Essa tem sido a fórmula utilizada em casos como o do presidente cubano Fidel Castro e o do líder palestino Iasser Arafat, que têm movimentos restritos a algumas áreas da cidade quando vão à ONU.
Mas o acordo de sede não prevê punições ao país anfitrião que negue visto de entrada a algum delegado de Estado-membro. Os EUA já negaram vistos de entrada em situações similares à de Gabeira e não sofreram consequências além de eventual constrangimento.
Na década de 70, por exemplo, a ONU resolveu transferir de Nova York para Genebra a sessão extraordinária da Assembléia Geral convocada para discutir a questão palestina porque os EUA haviam recusado visto a Iasser Arafat.
O caso de Gabeira é diferente dos de Arafat ou Castro. O cubano é chefe de governo. O palestino, quando foi pela primeira vez à ONU, era o presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que havia sido aceita como observadora junto à entidade.
Os EUA podem argumentar que a presença de Gabeira na delegação parlamentar não é imprescindível para a representação dos interesses do Brasil junto à ONU (ao contrário de Castro e Arafat).
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Agravantes
O que pesa contra Gabeira, aos olhos dos EUA, não é o simples fato de ele ter participado de atividades terroristas. Para eles, há dois agravantes da maior seriedade, segundo a Folha apurou ontem.
Primeiro: sua ação foi contra um embaixador dos EUA (Charles Elbrick, sequestrado em 1969, no Rio, em ação conjunta dos grupos MR-8 e ALN, e depois libertado em troca de prisioneiros políticos do regime militar brasileiro).
Segundo: de acordo com a avaliação do governo dos EUA, Gabeira nunca fez um "ato de contrição" pelo episódio. Autoridades norte-americanas interpretaram recentes declarações suas, quando do lançamento do filme "O que É Isso, Companheiro?", como reafirmação de sua conduta na época.
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"Visão crítica"
Gabeira disse à Folha que seu livro (homônimo do filme), embora não seja expressão de arrependimento, constitui "uma visão crítica" do sequestro de 1969.
Quanto às afirmações feitas na época do lançamento do filme, Gabeira disse que elas foram "uma avaliação do momento histórico", feita com objetivos "construtivos". "Eu não posso dar uma interpretação açucarada dos fatos. Quando disse que o embaixador poderia ter morrido, tentei mostrar às pessoas que sequestros podem resultar em mortes."
O Consulado do Brasil em Washington ainda não recebeu nenhuma reação oficial do governo norte-americano e está pedindo que a situação seja definida o mais depressa possível. O próprio embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima participa das gestões para que o visto a Gabeira seja concedido.



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