São Paulo, domingo, 4 de janeiro de 1998.




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Crise asiática acelera as reformas

ANTONIO CARLOS SEIDL
da Reportagem Local

Perversamente, seria da mais alta conveniência para o Brasil que a crise asiática não acabasse tão cedo: a pressão de uma catástrofe externa é o aditivo que a máquina do Congresso Nacional precisa para concluir as reformas estruturais, principalmente as reformas administrativa e da Previdência Social, durante o período de convocação extraordinária, que tem início depois de amanhã.
A avaliação consensual é de dois importantes estrategistas de bancos de investimentos internacionais, especializados na economia brasileira: Neil Dougall, economista do Kleinwort Benson, de Londres, que pertence ao grupo financeiro Dresdner, da Alemanha, e Paulo Leme, vice-presidente do Goldman Sachs, de Nova York.
A convocação extraordinária do Congresso pelo presidente Fernando Henrique Cardoso tem como objetivo apressar a tramitação das reformas estruturais.
Neil Dougall diz que o progresso recente das reformas constitucionais é "encorajador", ressaltando que o Brasil, ironicamente, pode estar, muito em breve, em uma situação econômica muito mais forte do que há seis meses, quando os índices dos mercados de ações do país atingiram "níveis de valorização estratosféricos".
Paulo Leme diz que o viés político da macroeconomia nunca ficou tão evidente quanto agora no Brasil. Segundo Leme, se o Congresso não aproveitar a convocação extraordinária para aprovar as reformas administrativa e da Previdência Social, o país sofrerá a queda da credibilidade que foi arduamente reconquistada nesses últimos dois meses no mercado internacional.
A prova dessa reconquista, diz Leme, é a recuperação, ainda que lenta e sujeita a pequenas oscilações, das cotações dos papéis da dívida externa brasileira no mercado internacional.
Defesa ousada
Neil Dougall diz que a defesa adotada pelo governo brasileiro contra a turbulência asiática foi mais rápida e mais profunda do que o mais ousado dos analistas internacionais poderia esperar.
"Ainda há riscos de contágio, mas, comparado com o México de 1994 e com os países asiáticos do presente, o Brasil mostrou-se disposto a engolir um remédio bastante amargo para cortar o mal pela raiz", avalia Dougall.
Para o economista do Dresdner Kleinwort Benson, os resultados positivos desse "tratamento de choque" ficarão tão mais evidentes quanto mais rápido for o processo de conclusão das reformas estruturais.
"O ímpeto das reformas será crucial para fortalecer a confiança do mercado internacional no Brasil. A confirmação de que os investidores adotam uma visão de longo prazo em relação ao Brasil está no fato de que os altos ágios pagos nas privatizações mais recentes não foram afetados pela turbulência asiática", declarou.
Neil Dougall afirma que a reforma da Previdência Social é o grande desafio da convocação extraordinária do Congresso: "Sem a reforma, o déficit da Previdência Social vai alcançar US$ 5 bilhões no ano que vem, cerca de 0,6% do PIB, crescendo para US$ 10 bilhões no ano 2000".
"Acreditamos, no entanto, que há uma boa chance de ambas as reformas, a administrativa e a da Previdência, completarem todos os estágios de tramitação congressional até março deste ano", diz.
Mergulho fundo
Neil Dougall acha que as medidas introduzidas no auge da turbulência asiática tiveram o efeito desejado de armar uma rede de segurança para o real, mas à custa de uma recessão.
Para o Dresdner Kleinwort Benson, a atividade econômica vai "mergulhar fundo" este ano: o banco reduziu sua projeção de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto, a soma das riquezas do país) em 1998 de 3,5% para 0%.
"O desemprego, como consequência imediata da queda súbita do nível de atividade econômica, vai aumentar acentuadamente, mas, admitindo-se que as taxas de juros continuem a cair continuamente, pode haver um reaquecimento econômico no terceiro trimestre deste ano, um momento oportuno para o presidente Fernando Henrique Cardoso, tendo em vista as eleições", diz Dougall.
Paulo Leme concorda com a avaliação de Dougall, segundo a qual a receita contra o vírus asiático vai causar recessão no país.
A Goldman Sachs reduziu sua projeção de crescimento do PIB de 4% para 0,5% em 1998.



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