São Paulo, segunda, 4 de janeiro de 1999

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BANCO NOROESTE
Ex-diretor entra na Justiça contra antigos donos da instituição; caso envolve desfalque de US$ 242 mi
Suspeito de fraude culpa controladores

FREDERICO VASCONCELOS
da Reportagem Local

Investigação realizada pela Folha revela que Nelson Tetsuo Sakagushi, suspeito de ter aplicado um desfalque de US$ 242 milhões no Noroeste, moveu ação na Justiça em que responsabiliza os ex-controladores do banco, as famílias Wallace e Simonsen.
Em processo trabalhista, Sakagushi pede indenização por danos morais, relaciona remessas para contas no exterior e diz que a operação que originou as acusações foi ordenada por seus superiores.
Aparentemente, Sakagushi não quer pagar a conta sozinho. O ex-diretor de operações internacionais do Noroeste tenta reverter -ou confundir- as apurações que se arrastam há nove meses numa delegacia não especializada em grandes crimes financeiros.
Sakagushi é o principal acusado no inquérito policial instaurado a pedido de Leo Wallace Cochrane Jr. (ex-presidente da Febraban, federação dos bancos) e seu cunhado, Luiz Vicente Barros Mattos Jr., ex-controladores do banco.
O caso Noroeste, que veio à tona no final de março de 98, envolveu o desvio de recursos, a partir de 95, de uma agência do Noroeste no paraíso fiscal das Ilhas Cayman, no Caribe, para bancos e empresas em cinco países (Suíça, Inglaterra, EUA, China e Nigéria).
O volume desviado correspondia à metade do patrimônio do banco. Ainda não foi recuperado nenhum centavo sequer. Para explicar o rombo, os envolvidos apresentaram versões no mínimo fantasiosas, como altos investimentos na construção de um aeroporto na Nigéria, país famoso por golpes em especuladores incautos.
Os depoimentos à polícia também reafirmam que Sakagushi teria entregue US$ 12 milhões a uma "mãe-de-santo", a título de "oferendas" por serviços de proteção espiritual ao banco.
Até hoje, o Banco Central não instaurou processo administrativo para apurar, pelo menos, se houve gestão temerária da instituição financeira, apesar das evidências de que os controles do banco não tinham nenhum rigor.
Quando o escândalo veio a público, em abril passado, o BC alardeou que enviaria notícia-crime ao Ministério Público Federal nos "próximos dias". Não enviou.
Na mesma ocasião, os ex-controladores divulgaram que iriam processar "nos próximos dias" a firma de auditoria, a Price Waterhouse, por haver certificado a existência de recursos que haviam sumido. Ainda não processaram.
O advogado Sérgio Bermudes, que defende a Price, diz que um processo contra a auditoria "seria uma iniciativa temerária".
O BC considera que a Price fez o dever de casa ao informar a descoberta da fraude. Mas não opina sobre balanços anteriores, quando a fiscalização competia à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
A CVM, por sua vez, não pode confirmar se abriu procedimento administrativo contra a Price. O órgão lava as mãos, dizendo que o caso está sendo apurado pelo BC.
² Um rombo e meio
As irregularidades começaram em 95 e continuaram até o início de 98, quando já estava em curso o processo de venda do banco ao grupo espanhol Santander.
Do preço inicial, acertado em agosto de 97 (US$ 500 milhões), foi descontado o valor correspondente à fraude (US$ 242 milhões).
Os compradores exigiram ainda uma caução de US$ 120 milhões para eventuais contingências.
Os vendedores receberam no ato apenas US$ 138 milhões, ou seja, tiveram que aceitar um desconto correspondente a um rombo e meio.
O novo banco -Santander Noroeste S/A- fez provisões (reforços para eventuais inadimplências) de R$ 191,3 milhões e recentemente aumentou o capital em R$ 293 milhões. Mesmo assim, os novos administradores ainda não devolveram os US$ 120 milhões da caução aos ex-controladores. Isso sugere que os compradores podem ter trabalhado com a hipótese de um rombo bem maior do que o inicialmente identificado.
Há uma versão, não confirmada, de que o preço acertado para a compra do banco aumentou quando foi descoberta a fraude.
Grupos de acionistas minoritários que se sentiram lesados com a fraude -e prejudicados com o aumento de capital- propuseram responsabilizar os atuais controladores do Santander Noroeste, os ex-controladores e a Price.
² Pressão no tribunal
A Folha apurou que a disputa judicial provocou sério conflito na cúpula do Tribunal de Justiça de São Paulo. Em novembro, inconformado por ter sido afastado do julgamento de um mandado de segurança -depois de haver cassado uma liminar favorável ao banco-, o desembargador Flávio César de Toledo Pinheiro registrou, em ofício interno, a existência de "forças ocultas de pressão".
Toledo Pinheiro contestava seu afastamento do caso por suposto motivo de saúde. "Jamais pensei em me afastar por motivo de saúde, não vou me afastar, mas, afastado do agravo (recurso) em referência, a impetrante (o banco) resolveu seu problema e poderá usufruir livremente da liminar que obteve", escreveu.
O Santander Noroeste conseguiu cassar as liminares e aumentar o capital. Uma câmara especial do tribunal julgará o conflito entre os desembargadores.
A Justiça requereu novas informações ao banco. Alguns acionistas minoritários continuam processando a instituição, em ação que corre em segredo de justiça.
Ao pedir a abertura de inquérito policial assim que o caso veio a público, os ex-controladores do Noroeste se anteciparam e assumiram a condição de vítimas. A preocupação inicial foi alegar que não houve prejuízos para os clientes e acionistas, pois a família controladora arcara com o ônus do rombo.
Com isso, pode ter passado para o público a impressão de que eles não tinham nada a ver com o escândalo ou com a contabilidade e o caixa do banco que dirigiam.
"Não aceito a pecha de incompetente, muito menos a de ladrão", disse Cochrane à "Veja", em abril. A revista citava a desconfiança, no mercado, de que os ex-donos do Noroeste pudessem ter alguma participação no desfalque.
Embora não tenham tido acesso aos livros do banco, investigadores privados que viram os papéis da fraude disseram à Folha que não havia evidências de que a família estivesse envolvida.
² As acusações
Eis um resumo das acusações que motivaram o inquérito:
1) "Desde o início de 1995, elevadas quantias estavam sendo transferidas da agência do banco nas Ilhas Cayman para outros países";
2) "Uma das modalidades do desfalque consistia nos saques de grandes importâncias sem qualquer suporte contábil que lhes emprestasse origens lícitas";
3) "As transferências de valores sobre saldos bancários mantidos em Cayman eram feitas por meio do sistema de informática denominado "swift" (transferência eletrônica que exige a senha de dois funcionários), operado na matriz, em São Paulo";
4) "Tais mensagens, que não possuíam origem lícita, eram liberadas por meio de senhas, cujos detentores eram os srs. Danilo (Danilo Tadeu de Amorim Mainente) e Otávio (Otávio Luiz Apóstolo Valero). Esses funcionários estariam agindo por determinação do sr.Nelson (Sakagushi)".
Finalmente, os advogados de Cochrane Jr. afirmam que Sakagushi, "em inúmeras oportunidades e na presença de diretores e funcionários do banco, admitiu sua responsabilidade".
Pela legislação societária, os diretores estatutários respondem solidariamente pelos resultados da instituição financeira. Sakagushi não era diretor estatutário.



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