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BANCO NOROESTE
Ex-diretor entra na Justiça contra antigos donos da instituição; caso envolve desfalque de US$ 242 mi
Suspeito de fraude culpa controladores
FREDERICO VASCONCELOS
da Reportagem Local
Investigação realizada pela Folha revela que Nelson Tetsuo Sakagushi, suspeito de ter aplicado um
desfalque de US$ 242 milhões no
Noroeste, moveu ação na Justiça
em que responsabiliza os ex-controladores do banco, as famílias
Wallace e Simonsen.
Em processo trabalhista, Sakagushi pede indenização por danos
morais, relaciona remessas para
contas no exterior e diz que a operação que originou as acusações
foi ordenada por seus superiores.
Aparentemente, Sakagushi não
quer pagar a conta sozinho. O ex-diretor de operações internacionais do Noroeste tenta reverter
-ou confundir- as apurações
que se arrastam há nove meses numa delegacia não especializada em
grandes crimes financeiros.
Sakagushi é o principal acusado
no inquérito policial instaurado a
pedido de Leo Wallace Cochrane
Jr. (ex-presidente da Febraban, federação dos bancos) e seu cunhado, Luiz Vicente Barros Mattos Jr.,
ex-controladores do banco.
O caso Noroeste, que veio à tona
no final de março de 98, envolveu
o desvio de recursos, a partir de 95,
de uma agência do Noroeste no
paraíso fiscal das Ilhas Cayman, no
Caribe, para bancos e empresas
em cinco países (Suíça, Inglaterra,
EUA, China e Nigéria).
O volume desviado correspondia
à metade do patrimônio do banco.
Ainda não foi recuperado nenhum
centavo sequer. Para explicar o
rombo, os envolvidos apresentaram versões no mínimo fantasiosas, como altos investimentos na
construção de um aeroporto na
Nigéria, país famoso por golpes
em especuladores incautos.
Os depoimentos à polícia também reafirmam que Sakagushi teria entregue US$ 12 milhões a uma
"mãe-de-santo", a título de "oferendas" por serviços de proteção
espiritual ao banco.
Até hoje, o Banco Central não
instaurou processo administrativo
para apurar, pelo menos, se houve
gestão temerária da instituição financeira, apesar das evidências de
que os controles do banco não tinham nenhum rigor.
Quando o escândalo veio a público, em abril passado, o BC alardeou que enviaria notícia-crime ao
Ministério Público Federal nos
"próximos dias". Não enviou.
Na mesma ocasião, os ex-controladores divulgaram que iriam processar "nos próximos dias" a firma
de auditoria, a Price Waterhouse,
por haver certificado a existência
de recursos que haviam sumido.
Ainda não processaram.
O advogado Sérgio Bermudes,
que defende a Price, diz que um
processo contra a auditoria "seria
uma iniciativa temerária".
O BC considera que a Price fez o
dever de casa ao informar a descoberta da fraude. Mas não opina sobre balanços anteriores, quando a
fiscalização competia à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
A CVM, por sua vez, não pode
confirmar se abriu procedimento
administrativo contra a Price. O
órgão lava as mãos, dizendo que o
caso está sendo apurado pelo BC.
²
Um rombo e meio
As irregularidades começaram
em 95 e continuaram até o início
de 98, quando já estava em curso o
processo de venda do banco ao
grupo espanhol Santander.
Do preço inicial, acertado em
agosto de 97 (US$ 500 milhões), foi
descontado o valor correspondente à fraude (US$ 242 milhões).
Os compradores exigiram ainda
uma caução de US$ 120 milhões
para eventuais contingências.
Os vendedores receberam no ato
apenas US$ 138 milhões, ou seja,
tiveram que aceitar um desconto
correspondente a um rombo e
meio.
O novo banco -Santander Noroeste S/A- fez provisões (reforços para eventuais inadimplências) de R$ 191,3 milhões e recentemente aumentou o capital em R$
293 milhões. Mesmo assim, os novos administradores ainda não devolveram os US$ 120 milhões da
caução aos ex-controladores. Isso
sugere que os compradores podem
ter trabalhado com a hipótese de
um rombo bem maior do que o inicialmente identificado.
Há uma versão, não confirmada,
de que o preço acertado para a
compra do banco aumentou quando foi descoberta a fraude.
Grupos de acionistas minoritários que se sentiram lesados com a
fraude -e prejudicados com o aumento de capital- propuseram
responsabilizar os atuais controladores do Santander Noroeste, os
ex-controladores e a Price.
²
Pressão no tribunal
A Folha apurou que a disputa judicial provocou sério conflito na
cúpula do Tribunal de Justiça de
São Paulo. Em novembro, inconformado por ter sido afastado do
julgamento de um mandado de segurança -depois de haver cassado uma liminar favorável ao banco-, o desembargador Flávio César de Toledo Pinheiro registrou,
em ofício interno, a existência de
"forças ocultas de pressão".
Toledo Pinheiro contestava seu
afastamento do caso por suposto
motivo de saúde. "Jamais pensei
em me afastar por motivo de saúde, não vou me afastar, mas, afastado do agravo (recurso) em referência, a impetrante (o banco) resolveu seu problema e poderá usufruir livremente da liminar que obteve", escreveu.
O Santander Noroeste conseguiu
cassar as liminares e aumentar o
capital. Uma câmara especial do
tribunal julgará o conflito entre os
desembargadores.
A Justiça requereu novas informações ao banco. Alguns acionistas minoritários continuam processando a instituição, em ação
que corre em segredo de justiça.
Ao pedir a abertura de inquérito
policial assim que o caso veio a público, os ex-controladores do Noroeste se anteciparam e assumiram a condição de vítimas. A preocupação inicial foi alegar que não
houve prejuízos para os clientes e
acionistas, pois a família controladora arcara com o ônus do rombo.
Com isso, pode ter passado para
o público a impressão de que eles
não tinham nada a ver com o escândalo ou com a contabilidade e o
caixa do banco que dirigiam.
"Não aceito a pecha de incompetente, muito menos a de ladrão",
disse Cochrane à "Veja", em abril.
A revista citava a desconfiança, no
mercado, de que os ex-donos do
Noroeste pudessem ter alguma
participação no desfalque.
Embora não tenham tido acesso
aos livros do banco, investigadores
privados que viram os papéis da
fraude disseram à Folha que não
havia evidências de que a família
estivesse envolvida.
²
As acusações
Eis um resumo das acusações
que motivaram o inquérito:
1) "Desde o início de 1995, elevadas quantias estavam sendo transferidas da agência do banco nas
Ilhas Cayman para outros países";
2) "Uma das modalidades do
desfalque consistia nos saques de
grandes importâncias sem qualquer suporte contábil que lhes emprestasse origens lícitas";
3) "As transferências de valores
sobre saldos bancários mantidos
em Cayman eram feitas por meio
do sistema de informática denominado "swift" (transferência eletrônica que exige a senha de dois
funcionários), operado na matriz,
em São Paulo";
4) "Tais mensagens, que não
possuíam origem lícita, eram liberadas por meio de senhas, cujos
detentores eram os srs. Danilo
(Danilo Tadeu de Amorim Mainente) e Otávio (Otávio Luiz Apóstolo Valero). Esses funcionários
estariam agindo por determinação
do sr.Nelson (Sakagushi)".
Finalmente, os advogados de
Cochrane Jr. afirmam que Sakagushi, "em inúmeras oportunidades e na presença de diretores e
funcionários do banco, admitiu
sua responsabilidade".
Pela legislação societária, os diretores estatutários respondem solidariamente pelos resultados da
instituição financeira. Sakagushi
não era diretor estatutário.
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