São Paulo, segunda-feira, 04 de fevereiro de 2002

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NOVA YORK

"Milhões estão morrendo em países sob políticas do Fundo Monetário Internacional", diz o economista Jeffrey Sachs

Miséria invade debate sobre futuro do FMI

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

Sob os lustres gigantescos da suíte Conrad do rococó Hotel Waldorf Astoria, em Nova York, corria uma tediosa discussão sobre a reforma do sistema financeiro internacional e a enésima atribuição de culpas pelo desastre da Argentina quando o microfone foi aberto para o economista Jeffrey Sachs.
Diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional da mitológica Universidade de Harvard, batizado pela revista "Time", tempos atrás, como o economista mais conhecido do mundo, Sachs sacudiu o torpor da mesa:
"Pessoas aos milhares estão morrendo silenciosamente porque não têm acesso a remédios que poderiam ser facilmente colocados à sua disposição".
Engatou então uma comparação tremenda, em plena Nova York: lembrou os 3.000 mortos nos ataques terroristas de 11 de setembro para dizer: "25 mil morrem por dia, a maioria na África subsaariana".
Sachs voltou então o foco para a discussão original, ao jogar pelo menos parte da culpa no FMI (Fundo Monetário Internacional) e no Banco Mundial e na receita de austeridade fiscal que acompanha inexoravelmente cada pacote de auxílio do fundo aos países em crise. "Apertar os cintos no lado fiscal não faz o menor sentido quando o apertar dos cintos significa a morte", disparou Sachs.

Milhões de mortes
E ainda soltou mais uma frase que ficaria perfeitamente bem na boca de qualquer dos frequentadores do fórum de Porto Alegre: "Milhões estão morrendo em países sob políticas do FMI".
Daí para a frente, a pobreza tornou-se o foco, e temas geralmente anatematizados no mundo dos ricos foram surgindo com absoluta naturalidade.
Um exemplo: a necessidade de introduzir, nas regras internacionais, os mesmos mecanismos de falência que valem para as empresas. Ou, posto de outra forma: permitir que países, Estados e prefeituras deixem de pagar suas dívidas, em determinadas circunstâncias. É a aceitação da moratória, até há pouco um palavrão.
Segundo exemplo: propaganda do perdão da dívida dos países miseráveis, um processo que se arrasta há muito tempo porque parte dos líderes do mundo rico acha que o dinheiro poupado vai acabar nos bolsos de dirigentes corruptos.
Pode não ser bem assim: Ed Mayo, da Fundação Nova Economia, disse que o dinheiro desviado do pagamento da dívida para programas educacionais em Uganda fez a porcentagem de crianças na escola saltar de 54% para 90%, nos últimos dois anos.

Pobreza e terrorismo
Mais gente entrou na trilha aberta por Sachs ao comparar as mortes nos países miseráveis com os atentados de 11 de setembro.
Dominique Strauss-Khan, ex-ministro francês de Finanças, hoje deputado, disse que, de alguma forma, o 11 de setembro era o resultado de uma luta dos excluídos contra o mundo industrializado. E ponderou: "O que não gastamos para aumentar a equidade vamos ter que gastar para cuidar da segurança".
Emendou Hilde Johnson, ministra de Desenvolvimento Internacional da Noruega: "Lutar contra a pobreza é também lutar contra o terrorismo".
Mas a pobreza não invadiu a praia dos ricos apenas nessa sessão. Durante os debates a portas fechadas entre os líderes mundiais presentes, chegou-se à conclusão de que "a persistente disparidade de renda entre ricos e pobres, tanto entre países como dentro dos países, é inaceitável em termos humanos e morais", conforme o resumo feito por Paul Martin, ministro canadense de Finanças.

Perguntas certas
Tudo somado, fica difícil discordar de Strauss-Khan quando ele ironiza:
"Não acredito que o pessoal de Porto Alegre tenha as respostas certas, mas eles estão fazendo as perguntas certas".
Se é assim, parece claro que tampouco Davos, agora em Nova York, tenha as respostas certas. Como diz Trevor Manuel, ministro sul-africano de Finanças, também comentando as discussões fechadas entre os líderes:
"Ninguém discute a necessidade de enfrentar o problema da pobreza. A discussão se dá em torno dos meios para fazê-lo".


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