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Argentina causa temor de "contágio intelectual" em NY
DO ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK
O Brasil (e o resto da América
Latina) pode ter se descolado economicamente da Argentina, mas
surge, agora, o temor de um novo
tipo de efeito, o "contágio intelectual". A expressão foi cunhada sábado por Pedro Pablo Kuczynski,
ministro de Economia e Finanças
do Peru, para designar a hipótese
de que o fracasso argentino gere
"uma reversão das reformas liberais", postas em prática em toda a
região desde início dos anos 90.
O ex-vice-diretor-gerente do
FMI (Fundo Monetário Internacional), Stanley Fischer, hoje vice-presidente do Citigroup, cuida de
introduzir uma espécie de habeas-corpus preventivo:
"A crise [argentina" tem pouco
a ver com as reformas pró-mercado e tudo a ver com o regime cambial", disse Fischer em sessão no
sábado sobre a Argentina como
parte do encontro anual 2002 do
Fórum Econômico Mundial.
Talvez pelo risco de contágio
(intelectual ou econômico), a sessão teve casa mais que cheia: o salão Sutton, do Waldorf Astoria,
QG do Fórum este ano, tinha até
gente em pé, coisa rara de se ver
nos debates da instituição.
De alguma forma, o salão se
transformou em um gigantesco
divã para que os argentinos, franca maioria entre os presentes,
exorcizassem os seus demônios e
também os demônios alheios,
culpando-os pela crise.
Juan José Llach, diretor do Departamento de Economia da Universidade Austral e alto funcionário da Economia no governo Menem, apontou o dedo veladamente para os Estados Unidos.
"Justamente quando o setor
bancário se normalizava, em junho [de 2001", Washington passou a fazer críticas sistemáticas à
Argentina", queixou-se.
Poderia ter se queixado, e com
mais razão, do FMI, se prestasse
atenção à duas frases de Fischer,
que foi o funcionário do Fundo
que montou todos os pacotes de
socorro à Argentina.
Primeiro, Fischer disse que era
"óbvio" que haveria "maciças distorções" na economia, quando
fosse rompido o regime cambial
atrelado ao dólar desde 1991. Não
obstante, o FMI apoiou o câmbio
fixo até onde deu, mesmo sabendo, como o próprio Fischer diria
depois, que "todas as crises dos
últimos anos terminaram com o
fim do câmbio fixo".
É razoável supor que, agora, o
FMI continuará atrapalhando.
Llach disse o óbvio: "Sem o apoio
do FMI, será muito difícil, se não
impossível, corrigir a situação argentina".
Mas Fischer, que já não é do
FMI mas pertence a um conglomerado financeiro, diz que "a comunidade internacional deve reter o apoio até que haja um plano
coerente". Só depois daria "algum" financiamento.
É possível haver um plano coerente sem um apoio prévio? Duvida Guillermo de la Dehesa, ex-secretário de Finanças da Espanha,
hoje no Banco Pastor, também espanhol.
"Não se pode fazer um orçamento adequado se não se sabe
qual será o preço do peso em um
sistema de livre flutuação", ensina
De la Dehesa.
Rebate Fischer: "Se não houver
um orçamento adequado, a desvalorização não pára".
Em meio à busca da impossível
quadratura do círculo, acabou
perdido o apelo quase desesperado do setor privado argentino.
"Precisamos de dinheiro, precisamos capitalizar o sistema", cobrava Arturo Acevedo, presidente da
Acindar, principal siderúrgica argentina.
Idêntico apelo foi feito por um
brasileiro (Armínio Fraga, presidente do Banco Central) nas reuniões fechadas entre os líderes
mundiais. Armínio deixou claro
que, nas circunstâncias, seria ilusório esperar um plano perfeito e
bem acabado do novo governo
argentino.
Não obstante, a ajuda deveria
ser concedida urgentemente. Armínio deixa Nova York levemente mais otimista do que chegou
com a perspectiva de que a comunidade internacional tenha se
sensibilizado com o drama argentina e esteja agora mais disposta a
atuar do que estava na semana
passada.
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