São Paulo, segunda-feira, 04 de fevereiro de 2002

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Argentina causa temor de "contágio intelectual" em NY

DO ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

O Brasil (e o resto da América Latina) pode ter se descolado economicamente da Argentina, mas surge, agora, o temor de um novo tipo de efeito, o "contágio intelectual". A expressão foi cunhada sábado por Pedro Pablo Kuczynski, ministro de Economia e Finanças do Peru, para designar a hipótese de que o fracasso argentino gere "uma reversão das reformas liberais", postas em prática em toda a região desde início dos anos 90.
O ex-vice-diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Stanley Fischer, hoje vice-presidente do Citigroup, cuida de introduzir uma espécie de habeas-corpus preventivo:
"A crise [argentina" tem pouco a ver com as reformas pró-mercado e tudo a ver com o regime cambial", disse Fischer em sessão no sábado sobre a Argentina como parte do encontro anual 2002 do Fórum Econômico Mundial.
Talvez pelo risco de contágio (intelectual ou econômico), a sessão teve casa mais que cheia: o salão Sutton, do Waldorf Astoria, QG do Fórum este ano, tinha até gente em pé, coisa rara de se ver nos debates da instituição.
De alguma forma, o salão se transformou em um gigantesco divã para que os argentinos, franca maioria entre os presentes, exorcizassem os seus demônios e também os demônios alheios, culpando-os pela crise.
Juan José Llach, diretor do Departamento de Economia da Universidade Austral e alto funcionário da Economia no governo Menem, apontou o dedo veladamente para os Estados Unidos.
"Justamente quando o setor bancário se normalizava, em junho [de 2001", Washington passou a fazer críticas sistemáticas à Argentina", queixou-se.
Poderia ter se queixado, e com mais razão, do FMI, se prestasse atenção à duas frases de Fischer, que foi o funcionário do Fundo que montou todos os pacotes de socorro à Argentina.
Primeiro, Fischer disse que era "óbvio" que haveria "maciças distorções" na economia, quando fosse rompido o regime cambial atrelado ao dólar desde 1991. Não obstante, o FMI apoiou o câmbio fixo até onde deu, mesmo sabendo, como o próprio Fischer diria depois, que "todas as crises dos últimos anos terminaram com o fim do câmbio fixo".
É razoável supor que, agora, o FMI continuará atrapalhando. Llach disse o óbvio: "Sem o apoio do FMI, será muito difícil, se não impossível, corrigir a situação argentina".
Mas Fischer, que já não é do FMI mas pertence a um conglomerado financeiro, diz que "a comunidade internacional deve reter o apoio até que haja um plano coerente". Só depois daria "algum" financiamento.
É possível haver um plano coerente sem um apoio prévio? Duvida Guillermo de la Dehesa, ex-secretário de Finanças da Espanha, hoje no Banco Pastor, também espanhol.
"Não se pode fazer um orçamento adequado se não se sabe qual será o preço do peso em um sistema de livre flutuação", ensina De la Dehesa.
Rebate Fischer: "Se não houver um orçamento adequado, a desvalorização não pára".
Em meio à busca da impossível quadratura do círculo, acabou perdido o apelo quase desesperado do setor privado argentino. "Precisamos de dinheiro, precisamos capitalizar o sistema", cobrava Arturo Acevedo, presidente da Acindar, principal siderúrgica argentina.
Idêntico apelo foi feito por um brasileiro (Armínio Fraga, presidente do Banco Central) nas reuniões fechadas entre os líderes mundiais. Armínio deixou claro que, nas circunstâncias, seria ilusório esperar um plano perfeito e bem acabado do novo governo argentino.
Não obstante, a ajuda deveria ser concedida urgentemente. Armínio deixa Nova York levemente mais otimista do que chegou com a perspectiva de que a comunidade internacional tenha se sensibilizado com o drama argentina e esteja agora mais disposta a atuar do que estava na semana passada.


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