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TÍTULOS SOB SUSPEITA
Prefeito de São Paulo diz que BC fez ``análise parcial, estereotipada, errada e maldosa'' de sua gestão
Pitta vê `motivação política' em relatório
JOSIAS DE SOUZA
Secretário de Redação
O prefeito de
São Paulo, Celso
Pitta, enxerga
``motivação política'' por trás
do relatório do
Banco Central
que o acusa de
ter autorizado operações financeiras lesivas aos cofres municipais.
Em documento revelado pela
Folha na última sexta-feira, o BC
analisou negócios com títulos públicos feitos ao tempo em que Pitta
era secretário de Finanças da gestão de Paulo Maluf. Contabilizou
um prejuízo de R$ 8,396 milhões
entre dezembro de 94 e fevereiro
de 96. E concluiu: ``Parece claro
que houve motivação dolosa
(má-fé).''
Ontem, quebrando um silêncio
de três dias, Pitta disse que o BC fez
``uma análise parcial, estereotipada, errada e maldosa'' de sua gestão. O prefeito recebeu a reportagem da Folha em seu gabinete.
Em entrevista de uma hora e cinco minutos, rebateu as acusações
do BC, antecipando declarações
que fará à CPI do Senado caso venha a ser convocado. O prefeito estava acompanhado de José Antônio de Freitas, atual secretário de
Finanças do município, e Wagner
Baptista Ramos, coordenador da
Dívida Pública da prefeitura desde
a gestão Jânio Quadros.
Abaixo os principais pontos da
defesa de Pitta:
1) Opção pelo mais fraco: O BC
diz que a prefeitura optou por trabalhar com corretoras de pequeno
porte, em detrimento de grandes
bancos ou fundos de pensão, parceiros mais confiáveis. Pitta argumenta que não se trata de uma opção. Os títulos da prefeitura são
lançados ao mercado em leilões
públicos, dos quais podem participar pequenas, médias e grandes
corretoras. Ouça-se o seu raciocínio: ``Nosso interesse sempre foi o
de ter esses papéis em poder de
fundos ou investidores que pudessem segurá-los por um longo prazo. Mas se os grandes não se interessaram, esse é um problema do
mercado. A prefeitura não indica
as corretoras. Elas é que elegem os
títulos da prefeitura para trabalhar''. Há um detalhe que Pitta
pronuncia com especial ênfase:
``Todas as corretoras habilitadas a
apresentar propostas nos leilões,
grandes ou pequenas, estão cadastradas no Banco Central, a quem
cabe fiscalizá-las''.
2) Custo desnecessário: O BC
acusa Pitta de ter pago deságios
``absurdos'' em suas transações
com as corretoras. O documento
afirma que houve ``custo adicional (e desnecessário) ao erário municipal''. Pagaram-se juros muito
acima do mercado. Novamente,
Pitta diz ter agido premido por
contingências do mercado. Ele
afirma que, ``no segundo semestre
de 94, o Plano Real retirou liquidez
do sistema financeiro''. Em português claro: o real retirou dinheiro
de circulação. A escassez monetária levou as pequenas corretoras a
uma situação de insolvência. ``Começou a haver um risco de quebra
em cadeia dessas pequenas instituições'', diz Pitta. Para evitar que
as corretoras afundassem com
seus títulos nas mãos, a prefeitura
pôs-se a comprá-los, para preservar a credibilidade dos papéis.
Dê-se novamente a palavra a Pitta:
``Se não tivéssemos agido, haveria
um efeito dominó. Quebraria a
primeira corretora, que levaria
mais uma, e mais outra. No final,
nós seríamos obrigados a resgatar
todos os títulos existentes no mercado naquele momento, sem qualquer desconto. Na época, nossa
carteira de títulos estava em R$2,8
bilhões''.
3) ``Empresas-laranja'': O BC diz
que, após obter lucros fantásticos
com as transações feitas com a prefeitura, as corretoras relacionavam-se com ``empresas de fachada''. Invariavelmente, registravam
prejuízo nessa segunda cadeia de
negócios -uma manobra para
encobrir os ganhos e sonegar ao
fisco. A Folha revelou em sua edição de domingo que algumas das
empresas mencionadas no relatório do BC são mesmo ``fantasmas''
ou ``laranjas''. Ou ainda, para usar
palavras do documento do BC,
empresas constituídas exclusivamente para funcionar como ``receptoras de recursos de procedência ilícita''. Pitta não nega o fato
nem defende as tais organizações
de fachada. Apenas exime-se de
responsabilidade. Diz: ``Se as empresas, para esconder lucro do Imposto de Renda, usaram artifícios
como notas frias e negócios com
fantasmas, a prefeitura não tem
nada a ver com isto. É um problema da Receita Federal e do próprio
Banco Central. Eles é que devem
fiscalizar''.
Ataque
Vencida a fase da defesa, Pitta
parte para o ataque. O prefeito diz
que, na origem da crise de liquidez
dos títulos públicos está uma decisão do BC envolvendo duas siglas.
Conhecidas do mercado, as siglas
não passam de economês para o
grande público: Selic e Cetip.
Comece-se por explicar o que está por trás das siglas. Selic é o Serviço de Liquidação de Custódia.
Nele, o BC registra os títulos públicos lançados no mercado -federais, estaduais ou municipais. Cetip é a Central de Títulos Privados,
onde são anotadas as emissões de
papéis privados.
No final de 92, sempre segundo
Pitta, o BC decidiu que as novas
emissões de títulos públicos, destinadas ao pagamento de condenações judiciais (os chamados precatórios), deveriam ser lançadas na
Cetip. Com isso, misturou-se numa mesma carteira títulos públicos, menos valorizados, e papéis
privados, mais cobiçados pelo
mercado.
Para simplificar: antes de 92, os
títulos públicos, podres, eram
acondicionados apenas na cesta
do Selic. Depois, lançados no cesto
da Cetip, misturaram-se a maçãs
mais vistosas -CDBs e debêntures privadas, por exemplo. Resultado: para vender os seus títulos, a
prefeitura viu-se forçada a aceitar
deságios maiores. O fenômeno, segundo Pitta afetou também outras
administrações públicas.
Pitta tenta obter cópia do relatório do BC desde sexta-feira, dia em
que a Folha o estampou em suas
páginas. Por ordem do prefeito,
Wagner Baptista Ramos, coordenador da Dívida Pública do município, discou para dois departamentos do BC: o da Dívida Pública
e, por orientação deste, para o de
Fiscalização. Até o final da tarde de
ontem, o relatório não havia sido
remetido à prefeitura.
O prefeito se diz intrigado com o
fato de o documento ter vazado
primeiro para a imprensa. ``Estamos sendo acusados das piores
coisas e não nos foi dado nem mesmo acesso ao relatório''.
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