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ANÁLISE
Ao mirar o futuro, Aécio acertou o passado
FERNANDO SERAPIÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Na gravura "O quarto do arquiteto", de Lina Bo Bardi, a arquiteta do Masp criou uma cena com armário entreaberto,
mesa com cadeira e uma prateleira. Os personagens são maquetes de edifícios em diferentes estilos. Uma possível interpretação irônica da obra é que
os arquitetos possuem soluções
guardadas nas gavetas e as utilizam conforme a necessidade.
Lembro-me disso diante da nova obra de Oscar Niemeyer.
A Cidade Administrativa
Presidente Tancredo Neves é
composta por cinco edifícios,
encomendados pelo governador Aécio Neves para reunir no
extremo norte de Belo Horizonte mais de 40 órgãos estaduais. São três motivos alegados: induzir o desenvolvimento
da região, diminuir despesas
(principalmente aluguéis) e facilitar a gestão com a convivência entre funcionários.
À primeira vista, principalmente se observado por dentro,
tudo é uma maravilha: os móveis são novos, os equipamentos, sofisticados, e os espaços,
confortáveis -como nas melhores empresas privadas.
Contudo, do ponto de vista
arquitetônico não há novidade.
O prédio mais imponente abriga o gabinete do governador. É
um edifício envidraçado de
quatro andares que fica pendurado por estrutura externa.
Com mais graça, tal solução foi
utilizada por Niemeyer há 40
anos para uma editora na Itália.
Louvando o novo prédio, o
arquiteto e o calculista afirmam que ele é "o maior edifício
suspenso do mundo". E daí?
Eles se vangloriam como se o
ineditismo técnico fosse de suma importância para o futuro
da humanidade.
Gastando energia em retórica desgastada, Niemeyer deixa
de lado questões atuais como a
eficiência energética -o complexo tem a maior área de vidros da América Latina. Fachadas envidraçadas voltadas para
as faces ensolaradas, por exemplo, é um erro primário que exigirá mais energia do ar-condicionado. Os dois edifícios maiores são destinados às secretarias. Gêmeos, eles são gigantescos e curvos -e também foram
retirados das "gavetas" do arquiteto. Eles têm proporção semelhante de um hotel em Petrópolis, desenhado em 1950.
Por fim, além de um auditório
pouco gracioso, o conjunto é
completo por um centro de
convivência, com restaurantes
e lojas, que pretende substituir
a rua -o espaço primordial de
convivência urbana.
E é justamente aí que está o
maior problema. Se a arquitetura é requentada, a ideia de
pensar em centro administrativo longínquo é tão nova quanto
o bonde. Urbanisticamente, é
um desastre. O governo deveria
permanecer na região central,
renovando edifícios subutilizados e incrementando a vida urbana. Ao deixar os edifícios da
praça da Liberdade para atividades culturais, serão empobrecidos o uso e a diversidade
local. Se na era da revolução das
telecomunicações é estranho
falar da necessidade do contato
físico, para ajudar a desenvolver a periferia seria mais útil financiar transporte coletivo de
massa. Claro, daria mais trabalho e menor visibilidade.
Infelizmente, há 50 anos os
políticos acreditam na mística
de perpetuar-se com um postal
de Niemeyer a fim de repetir a
trajetória daquele que encomendou Pampulha e Brasília
(raríssimos são os que apostam
na capacidade arquitetônica de
sua própria geração). Aécio Neves cometeu o mesmo erro: mirando o futuro, ele acertou o
passado.
FERNANDO SERAPIÃO é arquiteto e editor
executivo da revista "Projeto Design".
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