São Paulo, quarta, 4 de março de 1998

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ELIO GASPARI
Prenderam o banqueiro (em Nova York)

A banca americana não tem sorte com os jovens gênios a quem entrega a administração do ervanário da plutocracia latino-americana. Nos anos 80, para alegria de alguns caciques do Citibank, a Casa Morgan viu-se metida num escândalo. O chefe de seu departamento de América Latina, Anthony Guebauer, foi apanhado em cima de um desfalque de alguns milhões de dólares. Ele movimentava indevidamente depósitos de clientes e levava uma vida de nababo, com apartamento na Park Avenue, casa na praia e coleção de obras de arte.
Pelo menos três brasileiros declararam-se prejudicados por suas operações: Francisco Catão, Cecílio Rego Almeida e Leonidas Bório. Guebauer fora o chefe do cartel de bancos que renegociava a dívida externa brasileira. Um jovem promotor chamado Rudolph Giuliani remeteu-o à penitenciária, onde passou alguns anos, e seu lugar no cartel foi ocupado por William Rhodes, uma estrela ascendente no Citibank.
Hoje, tendo pago o que devia à sociedade, Guebauer vive uma existência pacata em Nova York, Giuliani tornou-se prefeito da cidade e Rhodes, condecorado pelo governo brasileiro, é um dos vice-presidentes do Citi.
Chegou a vez do Citi. Seu astro chama-se Carlos Gomez. Tem 40 anos de idade e se parece com o jogador Maradona. Mora num apartamento de dez cômodos na Park Avenue, tem casa na praia e coleção de arte. Foi apanhado em cima de um desfalque de pelo menos US$ 13 milhões.
Ganhava US$ 200 mil por ano e pagava US$ 50 mil só de condomínio. Durante sete anos, Gomez trabalhou no departamento que cuida dos grandes depósitos de latino-americanos. Ao que tudo indica, sua clientela era formada basicamente por mexicanos e centro-americanos. Não há sinal do gorjeio de sabiás de Pindorama.
Enquanto brilhou, Gomez foi um daqueles personagens míticos da banca. Sua casa saiu na revista Harper's Bazaar, e seu nome enfeitava o voluntariado-chique da biblioteca e do museu da cidade de Nova York. Depois de um longo romance com um sobrinho-neto do falecido senador Jacob Javitz, casara-se com uma energética (e banal) decoradora de interiores.
Sua vida foi magnificamente contada por três repórteres da revista New York. De seus desfalques conhecidos, um pelo menos é pouco criativo. Inventou uma conta-fantasma com o nome de um suposto milionário de El Salvador, irmão de outro milionário (verdadeiro) que era cliente do banco. Com o patrimônio de um por garantia, emprestou ao outro.
Fez o mesmo com uma conta aberta em nome de um colega de colégio. Fazia tudo isso num departamento que está sob investigação, acusado de ter lavado dinheiro para a quadrilha dos irmãos Salinas, aquela que levou o México para a modernidade.
Em dezembro do ano passado, Gomez deixou o Citibank para abrir seu próprio negócio. Apanhado, o jovem sábio contou ao Federal Bureau of Investigation que a conta do milionário-fantasma fora aberta com o conhecimento do milionário-existente (Francisco Calleja). O milionário-existente diz que não sabia de nada. É provável que o Citi consiga chegar a um acordo com Gomez, recuperando uma parte do dinheiro, mas os trambiques poderão lhe custar alguns anos de cadeia.
A investigação do FBI destina-se a forçar o cumprimento das leis dos Estados Unidos, e, por isso, dificilmente o caso de Gomez servirá para iluminar as catacumbas do fluxo do ervanário latino-americano para os grandes centros financeiros internacionais.
Esse episódio pode ter uma só utilidade abaixo do Equador. Levando em conta que Gomez foi preso em janeiro -e solto por conta de uma fiança de US$ 1 milhão- pode-se ligar uma espécie de relógio da impunidade.
As falcatruas de Gomez guardam uma remota semelhança com as contas-fantasmas de Clarimundo Soares, do Banco Nacional. No caso de Clarimundo, parece claro que ele não tirava benefício pessoal proporcional ao tamanho da maracutaia. No de Gomez, está claro que ele não agia com a concordância de seus chefes do Citibank. Nos dois casos, o patrimônio de uma sociedade anônima estava sendo lesado.
O trambique do Nacional foi descoberto em 1996. Até agora, não aconteceu nada. O trambique de Gomez, descoberto há um mês, muito provavelmente acabará em cadeia antes do fim deste ano.



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