São Paulo, sexta-feira, 04 de maio de 2001

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SENADO EM CRISE

Arruda e ACM mantêm suas versões, e persistem as contradições entre os três depoimentos sobre a violação do painel eletrônico

Regina reafirma ordem para obter lista

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A ex-diretora do Prodasen Regina Célia Peres Borges reafirmou ontem, em acareação com os senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e José Roberto Arruda (sem partido-DF), que recebeu determinação clara para extrair a lista de votação da cassação do então senador Luiz Estevão (PMDB-DF).
Regina lançou mão da lógica para desmontar a versão de que ela teria se precipitado ao tirar a lista do computador. Segundo a ex-diretora, não teria "lógica" ela violar o sigilo de uma votação para assegurar que o sistema era seguro -como afirmou Arruda.
"Eu nunca violaria o painel para provar que ele é seguro. Recebi claramente um pedido para obtenção da lista de votação. Eu fiz esse trabalho para cumprir uma ordem, quanto a isso não arredo", afirmou ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado, contrapondo-se a Arruda.
Apesar de ACM, Arruda e Regina terem sido colocados frente a frente durante sete horas e questionados pelos senadores sobre todos os pontos conflitantes no episódio da violação do painel, permaneceram as contradições entre as versões ao final da acareação. As principais delas são:
1) Arruda disse que apenas fez uma consulta sobre a segurança do painel e que Regina se precipitou, mandando violar o sigilo dos votos da cassação de Luiz Estevão;
2) Regina afirmou ter recebido um pedido, que, pelas circunstâncias (ser chamada à noite na casa do então líder do governo no Senado), encarou como uma ordem expressa do então presidente do Senado;
3) Arruda disse que procurou Regina por delegação de ACM, porque ambos estariam preocupados com a possibilidade de fraude na votação;
4) ACM negou ter dado a Arruda ou a outra pessoa a incumbência de falar em seu nome;
5) Arruda afirmou que Regina deveria ter dado um retorno à sua "consulta" e que não o fez. Insistiu que só falou com ela depois das 17h do dia 28, o dia da cassação, depois que ela já tinha a lista;
6) Regina disse que conversou com o senador por telefone às 10h09 do dia 28, confirmando que havia preparado o sistema para emitir a lista dos votos.

Tensão
A sessão da acareação, que teve sete horas de duração, começou tensa, às 14h42. O presidente do conselho, Ramez Tebet (PMDB-MS), abriu os trabalhos visivelmente nervoso, lendo regras que deveriam ser obedecidas. Em vários momentos, usou uma campainha e pediu silêncio. As regras, no entanto, foram esquecidas logo depois, dando lugar a uma nova rodada de depoimentos.
O relator do conselho, Saturnino Braga (PSB-RJ), o primeiro a fazer perguntas, afirmou ser difícil acreditar na versão apresentada por Arruda. A base de sua descrença seria a "consulta" que o ex-tucano teria feito a Regina.
Segundo Saturnino, quem faz uma indagação -não um pedido ou uma ordem- depois tenta obter a resposta, o que Arruda nega ter feito. Também questionou a omissão de ACM em relação ao ilícito praticado por Regina.
Jefferson Péres (PDT-AM) pediu aos presentes o fim do "eufemismo" e levantou, pela primeira vez, a questão da mentira, ao dizer que alguém estava faltando com a verdade. Foi incisivo ao perguntar a ACM se o pefelista "admoestou" ou não Regina pela fraude.
Minutos antes, ACM fora contraditório em relação a seu depoimento, quando disse ter admoestado Regina por conta do painel. Ontem atribuiu a admoestação a outro motivo. "Essa pergunta é crucial. O senador Antonio Carlos agora diz que a admoestou por outro assunto", frisou Péres.

Elogios
Em diversas ocasiões, ACM elogiou Regina, a quem chamou de funcionária competente. Tentou colar sua imagem à dela e, assim, obter a simpatia da opinião pública, que está favorável à servidora.
Chegou a ler um discurso em que a ex-diretora do Prodasen o elogiava durante uma solenidade.
A estratégia de ACM foi eficaz durante parte da acareação, já que o tom ameno e os elogios tiraram de si o foco das perguntas. Arruda ficou por horas como o único responsável pela violação do painel.
O máximo de participação que ACM admite ter tido no episódio foi partilhar com Arruda sua preocupação acerca de uma suposta tentativa de Luiz Estevão de adulterar a votação, o que teria ouvido em comentários à época.

Choque

A principal contradição de Regina com ACM diz respeito a um dos dois encontros que teriam tido depois que a violação passou a ser investigada pela Unicamp.
Regina afirmou ter ido conversar sobre a violação com ACM na casa de sua secretária Isabel Flecha de Lima. Segundo ACM, o encontro ocorreu por outros assuntos. Os dois, no entanto, concordaram que a questão da violação foi um dos temas tratados.
Quanto a Arruda, há uma contradição fundamental: se era uma consulta sobre a segurança ou uma ordem para violação.
"A palavra consulta eu descarto absolutamente", disse Regina. "Pedido e ordem têm uma diferença tênue. Dependendo da autoridade, um pedido tem a força de uma ordem expressa", acrescentou. "A possibilidade de dizer "não" é que vai determinar como aquilo será recebido."
Ao final da acareação, o foco das perguntas -e também dos ataques- passou de Arruda para ACM. O tom da mudança foi um apimentado diálogo entre ACM e Emília Fernandes (PT-RS).
Depois de dizer a Regina que "é lamentável chegar ao final de uma carreira assim [respondendo por uma fraude"", Emília trocou farpas com o pefelista. "Considero o seu estilo [de ACM" autoritário e prepotente", atacou. "Não vou dizer o que penso de V. Excia.", respondeu ACM. "Pois poderia dizer. Mas não sou eu que estou sendo questionada", disse Emília.
Roberto Freire (PPS-PE) chamou a atenção para o fato de que, ao aceitar as três diferentes versões acerca da "ordem" para obter a lista, "não tem ninguém sendo responsável [pela ordem"". Acusou ACM de ter cometido crimes, além de faltar com o decoro: prevaricação, condescendência criminosa e violação de sigilo funcional. ACM atribuiu a ofensiva a diferenças pessoais.
Pedro Simon (PMDB-RS) manteve-se firme ao estilo dramático, repetindo, com gestos e simulação de diálogos, como teriam sido as conversas entre ACM e Arruda e deste último com Regina.
"Eu tenho a convicção de que a senhora [Regina" fez [a violação" por determinação do senador Arruda", declarou Simon, logo depois de dizer que as "razões de Estado" alegadas por ACM para manter a fraude em sigilo seriam "razões de Estado autoritário, acima das razões individuais".

E-mail
Nas suas considerações finais, o senador Arruda lançou mão de um último recurso: citou uma mensagem que recebeu pela Internet, por meio da qual os advogados Valdir Campos Lima e Carlúcio Campos Coelho sugeriam uma intrincada estratégia de defesa. O ex-líder do governo disse que se interessou pelo e-mail e que mandou alguém ao escritório dos advogados. Chegando lá, seu emissário constatou que eram amigos de um filho de Regina, Dorival Borges de Souza Neto, que também é advogado.
Com essa informação, o senador pretendeu mostrar que seus oponentes seguiam estratégias previamente estudadas, enquanto ele se limitava a falar a verdade.
Depois Arruda disse em entrevista que a responsabilidade dos três é a mesma e que não aceita um julgamento com dois pesos e duas medidas.
Apesar dos momentos críticos dos depoimentos, Regina e Arruda não choraram, embora, em determinados momentos, tivessem a voz embargada. "Minha consciência está dizendo que colaborei naquilo que foi possível. Ela está tranquila", disse Regina ao deixar o Senado, após sete horas de depoimento.



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