São Paulo, domingo, 04 de junho de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS
Das causas aos efeitos

Por mais que seja incômoda, a única tendência lógica, a partir da eclosão de greves, manifestações de massa e hostilidades físicas, é a de piora dessa fermentação. De todos os lados, os ingredientes se combinam, até quando se contrapõem, para levar a extravasamentos mais intensos. E só contribui para maior agravamento a atitude dos governantes, sempre seguidos pelos jornalistas "politicamente corretos", de tratar consequências como se fossem causas.
O custo da política exclusivamente antiinflacionária tem sido muito penoso, pela intensidade das restrições impostas e pela duração, que já está no sexto ano. É uma política truculenta, como é próprio do FMI, e imposta pelo governo com a truculência de um tratamento desrespeitoso, arrogante e frequentemente boçal mesmo, para com os reivindicantes ou apenas discordantes.
Está aí, quente ainda, o caso da FAB. Quando uma Força Aérea chega a ter mais da metade de seus aviões sem condições de uso seguro, por falta de verba para manutenção, o mínimo a dizer é que se trata de uma situação calamitosa. Esgotadas a sua e a paciência da oficialidade, o comandante da Aeronáutica desabafa com a declaração de culpa do FMI pela retenção das verbas necessárias.
Como a reclamação é de militares, Fernando Henrique Cardoso manda o chefe do Gabinete Civil prometer a liberação posterior de alguma verba. Mas o que diz de público para os repórteres, com seu habitual ar de desdém, é que o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista tem "mentalidade colonial" e é dos que "falam sem saber direito o que estão falando". Referência a quem foi por ele mesmo nomeado para comandante-geral da Aeronáutica em seu governo. É o desrespeito insultuoso, pelo simples gozo primário da prepotência arrogante. (Quando eram brigadeiros e outros militares que agiam assim, Fernando Henrique tratou de arranjar um bom emprego no exterior, porque não queria viver sob a prepotência e a arrogância).
Se o ponto de partida de um período de restrições fosse um Estado organizado na prestação dos serviços públicos e dos sociais, com remuneração ao menos decente para funcionalismo e aposentados, com defesa do emprego, o governo e seus aliados poderiam esperar compreensão e solidariedade. Mas só 20% da população, na estimativa mais otimista, têm com que fingir que o Brasil é assim. Aos demais, qualquer aperto fere na carne, atinge a vida -se não estão já, como acontece a 35 milhões deles, nos níveis mais vis da sobrevivência.
É incalculável o número dos levados ao desespero pelo aperto excessivo e longo, sem perspectiva de algum alívio. Não adianta dizer que os manifestantes movem-se com motivos políticos. Primeiro, porque dizê-lo, em relação a manifestações oposicionistas contra políticos-governantes, é apenas acaciano. Segundo, por ser o melhor que podem fazer: afora isso, e já que não podem ir para um bom emprego no exterior, só o acoelhamento desumanizante ou a violência generalizada.
O protesto é um direito, enquanto o regime não for incluído nas "reformas". E de nada adianta, também, explorar uns quantos descontrolados, com suas pedras e ovos, para desfigurar o sentido de greves e manifestações de massa. Fazê-lo denota o mesmo descontrole, quando não má-fé.
Para evitar o agravamento de uma situação inquietante, senão para sair dela, é fundamental não a envolver em fantasias, sejam ditadas pelo desconforto de ver-se reprovado, pelas conveniências de ser "politicamente correto" ou, nesse caso nada a fazer, pela vocação da boçalidade.


Texto Anterior: Rumo a 2002: Sucessão de FHC acirra rivalidade Serra-Malan
Próximo Texto: Eleições: PT pode perder espaço na Câmara
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.