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JANIO DE FREITAS
Das causas aos efeitos
Por mais que seja incômoda,
a única tendência lógica, a
partir da eclosão de greves, manifestações de massa e hostilidades
físicas, é a de piora dessa fermentação. De todos os lados, os ingredientes se combinam, até quando
se contrapõem, para levar a extravasamentos mais intensos. E
só contribui para maior agravamento a atitude dos governantes,
sempre seguidos pelos jornalistas
"politicamente corretos", de tratar consequências como se fossem
causas.
O custo da política exclusivamente antiinflacionária tem sido
muito penoso, pela intensidade
das restrições impostas e pela duração, que já está no sexto ano. É
uma política truculenta, como é
próprio do FMI, e imposta pelo
governo com a truculência de um
tratamento desrespeitoso, arrogante e frequentemente boçal
mesmo, para com os reivindicantes ou apenas discordantes.
Está aí, quente ainda, o caso da
FAB. Quando uma Força Aérea
chega a ter mais da metade de
seus aviões sem condições de uso
seguro, por falta de verba para
manutenção, o mínimo a dizer é
que se trata de uma situação calamitosa. Esgotadas a sua e a paciência da oficialidade, o comandante da Aeronáutica desabafa
com a declaração de culpa do
FMI pela retenção das verbas necessárias.
Como a reclamação é de militares, Fernando Henrique Cardoso
manda o chefe do Gabinete Civil
prometer a liberação posterior de
alguma verba. Mas o que diz de
público para os repórteres, com
seu habitual ar de desdém, é que
o brigadeiro Carlos de Almeida
Baptista tem "mentalidade colonial" e é dos que "falam sem saber direito o que estão falando".
Referência a quem foi por ele
mesmo nomeado para comandante-geral da Aeronáutica em
seu governo. É o desrespeito insultuoso, pelo simples gozo primário da prepotência arrogante.
(Quando eram brigadeiros e outros militares que agiam assim,
Fernando Henrique tratou de arranjar um bom emprego no exterior, porque não queria viver sob
a prepotência e a arrogância).
Se o ponto de partida de um período de restrições fosse um Estado organizado na prestação dos
serviços públicos e dos sociais,
com remuneração ao menos decente para funcionalismo e aposentados, com defesa do emprego,
o governo e seus aliados poderiam esperar compreensão e solidariedade. Mas só 20% da população, na estimativa mais otimista, têm com que fingir que o Brasil é assim. Aos demais, qualquer
aperto fere na carne, atinge a vida -se não estão já, como acontece a 35 milhões deles, nos níveis
mais vis da sobrevivência.
É incalculável o número dos levados ao desespero pelo aperto
excessivo e longo, sem perspectiva
de algum alívio. Não adianta dizer que os manifestantes movem-se com motivos políticos. Primeiro, porque dizê-lo, em relação a
manifestações oposicionistas
contra políticos-governantes, é
apenas acaciano. Segundo, por
ser o melhor que podem fazer:
afora isso, e já que não podem ir
para um bom emprego no exterior, só o acoelhamento desumanizante ou a violência generalizada.
O protesto é um direito, enquanto o regime não for incluído
nas "reformas". E de nada adianta, também, explorar uns quantos descontrolados, com suas pedras e ovos, para desfigurar o sentido de greves e manifestações de
massa. Fazê-lo denota o mesmo
descontrole, quando não má-fé.
Para evitar o agravamento de
uma situação inquietante, senão
para sair dela, é fundamental
não a envolver em fantasias, sejam ditadas pelo desconforto de
ver-se reprovado, pelas conveniências de ser "politicamente
correto" ou, nesse caso nada a fazer, pela vocação da boçalidade.
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