São Paulo, domingo, 04 de junho de 2000


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ELEIÇÕES 2000
Ex-prefeita defende participação tucana em eventual governo, mas diz que não quer presidente na campanha
Erundina rejeita FHC, mas quer Covas

Juca Varella/Folha Imagem
A pré-candidata do PSB à prefeitura de São Paulo, deputada federal Luiza Erundina, em entrevista em seu escritório político


PATRICIA ZORZAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Contraditória, a Luiza Erundina (PSB) que disputará a Prefeitura de São Paulo diz que pretende ter o PSDB em sua administração, mas se recusa a ter o apoio do presidente Fernando Henrique Cardoso na disputa: ""Descarto, não quero, não interessa".
Dos tucanos, no entanto, espera a adesão do governador Mário Covas, a quem elogia. Depois do confronto entre grevistas e o governador, enviou a Covas um telegrama de solidariedade. "Não posso concordar com as agressões feitas a uma autoridade, contra uma instituição", declara.
Admitindo que é mais fácil ser oposição do que governo, afirma ainda ter amadurecido politicamente e culpa o PT por não ter feito seu sucessor em 92.
Prestes a enfrentar sua terceira eleição municipal, a pré-candidata do PSB declara que sua adversária Marta Suplicy (PT) é capaz de governar São Paulo e que pretende apoiá-la, caso não chegue ao segundo turno. Pesquisa Datafolha feita no final de maio mostra a ex-prefeita com 17%, empatada tecnicamente com Paulo Maluf (PPB), que tem 15%, e 14 pontos percentuais atrás de Marta.

Folha - A sra. disse que o prefeito interino Regis de Oliveira não representava São Paulo por ter sido eleito em uma chapa formada por Celso Pitta e com o apoio de Paulo Maluf. O secretário-geral do PSB, Almino Affonso, é agora um dos articuladores políticos de Regis. Como explicar isso?
Luiza Erundina
- Isso foi uma decisão pessoal dele. O partido firmou posição de oposição ao Regis. Aquilo que for bom para a cidade vamos apoiar e estar juntos. Mas entendemos que o PSB não deveria estar no governo, e ele não está lá como PSB. Respeitamos a decisão dele, individual, mas o partido não responde por essa presença no governo.

Folha - Isso constrange a sra.?
Erundina
- Não, porque o Almino Affonso tem toda uma história, um reconhecimento pelo que representou na luta para a democratização do país. Ele mesmo tem dito que não está lá como PSB. Está lá como indivíduo.

Folha - Essa é uma situação semelhante à da sra., quando resolveu assumir um ministério no governo Itamar Franco (92/94).
Erundina
- Não. Tiramos um presidente da República, reconhecidamente corrupto, contribuímos efetivamente para a saída dele. Eu era prefeita na época e o PT teve uma participação decisiva naquele movimento. Era um momento muito delicado na vida do país. Embora Itamar fosse vice do Collor, ele é uma pessoa que tem passado, história. O próprio Lula fez autocrítica pelo PT não ter ido para o governo Itamar, porque provavelmente isso teria levado o país a uma outra realidade. Certamente não seria FHC o presidente ou, se fosse, não seria com os compromissos que ele tem hoje.

Folha - A sra. acha que vai ser mesmo possível um governo de coalizão, como tem proposto, levando em conta o isolamento de quando foi prefeita em 88?
Erundina
- Porque eu fui vítima de uma experiência dessas, faço uma autocrítica. Assumir com um único partido traz inconveniências e dificuldades a mais. Também não é democrático. Na realidade, estamos indo além do governo de coalizão. Estamos propondo divisão do poder com a criação de subprefeituras com autonomia administrativa, orçamentária, financeira e política.

Folha - Essa divisão de poder aconteceria entre que partidos?
Erundina
- Quero trazer para o governo quadros políticos e técnicos de partidos que realmente queiram ajudar a recuperar São Paulo na sua dignidade, cidadania, ética e esperança. Se eu chegar ao segundo turno, e os candidato, por exemplo, do PT ou do PSDB não, quero o apoio desses partidos. Não para mim, não para o meu partido. Mas para a cidade. Porque acho que São Paulo vive um momento particularmente grave da sua vida institucional. Nesse quadro, imagino um governo que possa contar com o PSDB.

Folha - Como a sra. interpreta as manifestações elogiosas em relação à sra. do presidente FHC e do governador Mário Covas?
Erundina
- É lastimável que adversários estejam usando isso contra mim. Quem acompanha meu desempenho no Congresso pode testemunhar que tenho sido uma crítica sistemática do governo FHC. Em relação ao governador Mário Covas, foi o reconhecimento de uma experiência de governo positiva. Ele se referiu especificamente à política da educação. Se um governador, ou qualquer outra pessoa, refere-se aos acertos do governo, não posso interpretar isso. A menos que haja má-fé de interpretar que nisso haja uma aproximação. Não tenho controle de como os meus adversários reagem em relação aos acontecimentos, aos fatos. Portanto, essa tentativa de me desacreditar por uma interpretação tendenciosa em torno da manifestação de alguém sobre o momento de um processo eleitoral, acho que no mínimo é má-fé.

Folha - A sra. espera o apoio do PSDB ainda no primeiro turno caso o candidato do partido não decole?
Erundina
- Não. Não vejo como o PSDB possa descartar uma candidatura e apoiar outra. Agora, o segundo turno, vai ser a coalizão entre duas candidaturas e, se uma dessas for a minha, espero o mesmo tratamento que dei à candidatura Mário Covas, em 98.

Folha - E o apoio de FHC no segundo turno?
Erundina
- Não. Não. Descarto, não quero, não interessa.

Folha - Mas, na campanha de 96, quando o presidente tinha melhor popularidade em São Paulo, a sra. usou em sua campanha imagens dele anunciando a isenção de impostos para microempresas. A sra. se arrepende disso?
Erundina
- Não me arrependo. Naquele momento eram medidas positivas.

Folha - Hoje não há nada de positivo?
Erundina
- Muito pelo contrário. São todas medidas que atentam contra o interesse nacional, contra o interesse dos trabalhadores. Esse salário mínimo que ele adotou recentemente, esse tratamento que é dado aos servidores públicos, esse tratamento que é dado aos aposentados.

Folha - Mas seu relacionamento com Covas é diferente.
Erundina
- Até porque o governador Mário Covas é muito diferente do presidente FHC. Tenho as melhores referências do governador. Ele mantém uma linha de coerência na forma de se comportar. Você pode até criticar a postura. Fora disso, a ética, a moral, seus compromissos políticos, não há como atacá-lo. Tenho muito respeito pelo governador.

Folha - A sra. fala com ele?
Erundina
- Não. Não tenho nenhuma relação.

Folha - Depois da agressão que ele sofreu na quinta-feira, a sra. falou com ele?
Erundina
- Mandei um telegrama me solidarizando, mas ao mesmo tempo criticando a falta de diálogo com os servidores. Os servidores têm todo o direito de usar um instrumento que a própria Constituição reconhece como tal, que é a greve. Reconheço que a situação salarial dos servidores é precaríssima. Há seis anos estão sem ter reajuste e defendo que o governo tem que abrir o diálogo. Não interessa a ninguém o acirramento dessas relações, essa tensão. Mas não concordo que sejam adotadas medidas violentas, seja de que lado for. Não posso concordar com as agressões feitas a uma autoridade, contra uma instituição.

Folha - Seu governo foi marcado por greves do funcionalismo, aumento do número de camelôs, paralisação de obras, inchaço da máquina. Essa experiência favorece, na realidade, a seus adversários.
Erundina
- Ao contrário. Tenho como justificar todos esses carimbos. Primeiro, os camelôs não começaram comigo. Segundo, o crescimento dos camelôs não foi no meu governo. Foi no governo seguinte. Não por culpa deles, mas pelo agravamento da crise social, do desemprego. Obras, tive de fazer uma opção. Ou construía obras para passar automóvel embaixo ou construía seis hospitais, como fiz, dezenas de novas escolas, dezenas de novas creches.

Folha - A sra. sempre foi defensora da candidatura de Lula à Presidência e ele nunca teve experiências no Executivo -o que agora usa para criticar a petista Marta Suplicy. Qual a diferença?
Erundina
- Nunca disse que a Marta não era adequada porque não tinha experiência. Apenas quando se coloca qual a diferença entre nós duas, a Marta coloca que ela é mais cosmopolita, que tem um partido grande. Quando falo sobre experiência, é para mostrar que há diferenças de um lado e de outro.

Folha - A sra. acha então que, apesar da falta de experiência, ela seria capaz de governar São Paulo?
Erundina
- Claro. Nunca disse que ela não seria. Até porque não é você individualmente quem governa. É preciso ser capaz de construir uma equipe competente e de coordená-la politicamente.

Folha - O que a torna então diferente da Marta?
Erundina
- Ela ainda não fez isso. Sou uma pessoa que já provei que sou competente, capaz e que sei governar na concepção política do termo, mais do que simplesmente administrar.

Folha - A sra. não conseguiu fazer seu sucessor em 88, quando o PT perdeu para Maluf. Em 96, a sra. perdeu para Pitta. Isso não é um indicativo de que a cidade desaprova sua administração?
Erundina
- Uma disputa em São Paulo não pode ser avaliada só pelo resultado, porque não se perde por um único fato. O PT, durante os quatro anos de meu mandato, em nenhum momento assumiu o governo como seu. Em todas as campanhas eleitorais, em nenhum momento o partido se utilizou dos acertos do governo. Era como se fosse um partido de oposição ao governo. Então, se o próprio partido, que estava no governo, não assumia, não defendia, não afirmava esse governo, como é que eu poderia garantir sozinha?

Folha - Mas em 96 já era a sra. disputando diretamente com o Pitta e Paulo Maluf fez seu sucessor.
Erundina
- O Maluf gastou uma fábula com propaganda. O fura-fila era uma proposta virtual nos programas eleitorais fantásticos, caríssimos. Impressiona. E provavelmente ele vai fazer isso de novo. Espero que o eleitor não se deixe enganar mais uma vez.

Folha - Apesar disso, o Maluf continua em segundo lugar...
Erundina
- Mas o Maluf sempre começa lá em cima. Agora ele começou médio e está caindo. A direita hoje também está dividida. Tem o Tuma, o Maluf...

Folha - Mas a esquerda também está dividida entre a sra e a Marta.
Erundina
- Mas temos outros partidos juntos e vamos estar juntos no segundo turno, com certeza. Se for a Marta, vou estar fazendo a campanha dela. Se for eu, espero que ela faça o mesmo. Ela nunca tem dito nada, mas tenho afirmado que vai ser isso. A esquerda não está dividida, mas disputando um espaço que é comum.

Folha - Quando deixou o PT, a sra. disse que o partido não tinha um projeto. O PSB tem?
Erundina
- As esquerdas, o PT inclusive, o meu partido, são partidos que não têm um projeto e nem poderiam ter porque nunca fomos governo em todos os níveis. É compreensível que eles não tenham o acúmulo de experiência que a direita tem, no interesse deles. As esquerdas não acumularam experiência porque nunca foram poder real nesse país.

Folha - Quem é o nome da esquerda para 2002?
Erundina
- Não estamos discutindo isso agora. É precoce. No momento estou preocupada com a eleição de São Paulo.

Folha - Hoje São Paulo tem uma dívida de cerca de R$ 16,5 bilhões. Não é um suicídio político comandar esta cidade?
Erundina
- Já administrei uma dívida tão complexa quanto essa. E a receita era menor do que a de hoje. Acho que uma dívida, quando chega a esse patamar, deixa de ser uma questão financeira e passa a ser uma questão política.

Folha - Em 96, havia 13 ações na Justiça contra a sra. por sua administração, inclusive do TCM (Tribunal de Contas do Município).
Erundina
- Em mais de 30 anos, o único governo que teve suas contas rejeitadas pelo TCM foi o meu, em um claro sinal de perseguição política. Nenhuma conta do Maluf, do Pitta foi rejeitada. Então ele não vale como referência. Mas todos os que passam pelo poder público saem com ações. Tenho ganho todas, só perdi uma por uma matéria que publiquei para me defender de que teria facilitado uma greve e vou ser obrigada a pagar R$ 182 mil pelos custos atualizados dessa matéria. Qualquer governante tem ações contra si. A diferença é a natureza, a motivação dessas ações.

Folha - Qual a diferença da Luiza Erundina de 88 para a de hoje?
Erundina
- Sou mais madura, mais experiente, mais consciente das limitações de ser governo. Sou mais tolerante na convivência com as outras forças políticas e entendo que um governo tem de ser mais amplo. Mudei muito.

Folha - É mais fácil ser oposição?
Erundina
- Evidente. Você foi a vida toda oposição e tinha bandeiras de luta de oposição, que prevêem transformações estruturais. Mas transformações estruturais não dependem apenas da vontade de pessoas ou de partidos. Quando você chega lá é que compreende os limites e percebe que nem sempre aquelas bandeiras que serviam como plataforma de luta nem sempre são plenamente viáveis. Nem sempre nem tudo é questão de vontade política. Há determinações concretas, legais, institucionais, administrativas, políticas.


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