São Paulo, domingo, 04 de junho de 2000


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ELIO GASPARI

Parafusos soltos
Na semana passada ouviram-se duas frases que disputarão um lugar no panteão das monstruosidades nacionais.
O $enador Luiz Estevão explicando o fato de ter se apossado de uma gleba de terras que vale R$ 1 milhão, em Brasília:
"Nós ocupamos essas terras há mais de dez anos."
Um dos baderneiros do mafuá que os professores grevistas montaram na praça da República, no centro de São Paulo, culpando o governador Mário Covas pelas pedradas que recebeu (noves fora a cadeira que foi desviada):
- Ele invadiu o nosso acampamento.

Quanto pior, pior
Uma recomendação para quem acha que as crises econômicas produzem mudanças de governos ou de regimes nos países em desenvolvimento.
Dois pesquisadores da Carnegie Endowment for Peace (Minxin Pei e David Adesnik) reviraram a história dos últimos 50 anos de 22 nações, inclusive o Brasil. Concluíram que uma coisa nada tem a ver com a outra.
Acharam 93 crises econômicas que resultaram em apenas seis mudanças imediatas de regime, cinco das quais ocorridas em apenas dois países, o Equador e a Indonésia. Em 24 casos, os regimes mudaram num prazo que variou entre 18 e 30 meses. De 1945 a 1979, as crises econômicas latino-americanas derrubaram 13 regimes. De 1980 até hoje, só quatro. Mesmo assim, três dessas mudanças (Brasil, Argentina e Uruguai) eram ditaduras vencidas.
Os colapsos econômicos afetam muito menos os regimes democráticos. Desde 1980, eles enfrentaram 23 crises econômicas e 12 mudaram de governo dentro do regime constitucional. Só num caso (Peru) prevaleceu um golpe ditatorial. Em contrapartida, 34 crises econômicas derrubaram 17 ditaduras.
Eles concluíram seu estudo parafraseando a velha recomendação do marqueteiro James Carville ao Partido Democrata americano, pavimentando a primeira eleição de Bill Clinton: "É a política, idiota".
(O trabalho de Pei e Adesnik está no último número da revista "Foreign Policy".)

Confusão
Se ninguém tomar providências, vai acontecer uma grande trombada entre dois grão-tucanos: o ministro José Serra e o governador Tasso Jereissati.
Eles se dão mal desde o tempo da concepção do Plano Real, e o tempo só serviu para piorar as coisas. Um (Tasso) trabalha a reconstrução da aliança com o PFL, isolando o PMDB, e o outro (Serra) trabalha a montagem de uma aliança com o PMDB, isolando o PFL.

O doce rio de dinheiro da Vale


Criada nos anos 40, a Companhia Vale do Rio Doce viveu toda sua existência estatal sem grandes falcatruas nem peleguismos. Passaram-se três anos de sua privatização e o governo participou da derrubada do seu presidente, o empresário Benjamin Steinbruch. Além disso, o dinheiro do BNDES arrisca ser usado para azeitar as discrepâncias financeiras que alimentam a briga dos sócios que a compraram.
Já se passou tempo suficiente para se saber direito o que aconteceu durante a sua privatização, em defesa da qual o governador Marcello Alencar jogou cachorros contra manifestantes.
Manipulou-se o edital. Ele foi montado de forma a excluir as principais mineradoras japonesas e australianas.
Manipulou-se o leilão. Excluídos os japoneses e australianos, caminhava-se para uma situação na qual um consórcio da empresa sul-africana Anglo American com o grupo Ermírio de Moraes seria o único concorrente. Fabricou-se uma disputa ordenando-se ao fundo de pensão do Banco do Brasil, o Previ, a cacifar o consórcio do empresário Benjamin Steinbruch. Surpreendentemente, ele venceu. (Há a suspeita de que não tenha sido surpresa, mas deixa pra lá.)
Manipulou-se a composição acionária do consórcio comprador. O Bradesco, que tinha participado, pelo lado do governo, da avaliação e da arquitetura da privatização, era sócio oculto do grupo vencedor.
O governo continuou influindo na empresa. Poucos meses depois da privatização, os sócios brigaram. Tentaram depor Steinbruch, mas o Planalto o manteve no lugar.
Depois de nova briga, o governo decidiu tirar Steinbruch e pode vir a financiar sua saída. Colocou-se no seu lugar um diretor do Bradesco.
Até a semana passada, estava na mesa de negociações um ás de paus pelo qual Steinbruch poderia ser atraído por um financiamento do BNDES para suas outras atividades industriais.
Em resumo, manipulou-se a privatização, e a Vale é agora dirigida com a participação de um banco que não deveria ter entrado no grupo de compradores. Se isso fosse pouco, quando chega a hora de procurar dinheiro, o primeiro banco que vem à memória é o BNDES.

A terceirização é lorota atrasocrata


Uma das coisas de que FFHH mais se orgulha é da reforma do Estado que julga ter patrocinado. É verdade que fez muitas coisas positivas, mas há nela uma patranha que conviria ser retirada do anedotário oficial.
O governo repete que substituiu funcionários públicos caros por trabalhadores terceirizados baratos. Diante dos números que oferece, nada é mais verdadeiro. Um operador de copiadoras no quadro de funcionários das instituições federais de pesquisa recebe R$ 392 por mês. Terceirizando-se o serviço, contrataram-se brasileiros para fazer a mesma coisa pagando-se apenas R$ 197. Nada mais moderno.
Essa conta é uma rematada lorota. Produto da desonestidade intelectual de quem a propaga e da cobiça de quem embolsa seus benefícios.
A cifra de R$ 197 equivale àquilo que o trabalhador terceirizado recebe, não ao que a Viúva paga. No caso em questão, o trabalhador terceirizado custa ao Tesouro R$ 871 por mês. É isso que a empresa que o aluga cobra às instituições a que presta serviços. Essa situação se reproduz em quase todos as terceirizações de serviços para empresas privadas.
Os hierarcas e empresários que manobram essa transação dizem que o custo de R$ 871 está distorcido, pois nele embutiram-se outras despesas, como o material de limpeza dos prédios. Verdadeira maluquice. Deforma os custos, ilude a contabilidade pública e abre o caminho a roubalheiras. Salário de operador de copiadora é salário de operador de copiadora, e detergente é detergente. Se uma coisa virar outra vai-se produzir apenas porcaria.
FFHH está numa fase de reclamar a exclusão social. Pois deveria olhar para a copiadora de um centro federal de pesquisas e ver nela um balanço da essência anti-social de seu mandarinato: desempregou um servidor que ganhava R$ 392 e colocou no lugar trabalhador que ganha R$ 197. Ao fazer isso, conseguiu gastar mais R$ 300. Tirou o trabalho de um, tungou o outro e produziu riqueza para o dono da empresa que aluga gente. Criou uma relação na qual o rentista do trabalho alheio embolsa uma quantia superior à da remuneração de seu empregado. Aproximou-se do modelo vigente na metade do século passado, quando os senhores urbanos alugavam seus escravos.

A choldra.com paga mas não lê


Um pedido ao presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, e ao empresário Emílio Odebrecht. Libertem a História do Brasil.
Com o dinheiro da Viúva (no caso do Senado) e com o ervanário que a graça divina lhe deu (no caso de Odebrecht), eles financiaram uma das maiores iniciativas culturais das últimas décadas. Foi a coleta e a edição, pelo Senado, dos nove volumes de "Textos Políticos da História do Brasil". Transcreve cerca de 300 documentos da vida nacional.
Não há nada de parecido por aí. Os dois organizadores da coleção, os professores Paulo Bonavides e Roberto Amaral, trabalharam por 25 anos nesse levantamento e abriram mão de seus direitos autorais para a edição de apenas mil exemplares, distribuídos pelo Senado.
Era compreensível que a coleção se esgotasse, mas há milhares de estudantes e pesquisadores interessados em ler documentos como a carta que Thomas Jefferson escreveu ao secretário de Estado John Jay, em 1787, contando a conversa que tivera com um estudante de medicina metido na Inconfidência Mineira.
Pois agora vê-se que a íntegra da coleção está na Internet. Seria o caso de pular de alegria, mas esse tipo de satisfação, quando bate na plebe, é ilusão. O que está na Internet é um tira-gosto. Se alguém quiser ler a carta de Jefferson, tem que se associar ao Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americano (Cebela). Preço? R$ 60 por ano. O Senado e a Odebrecht acabaram associados a uma tunga.
O Cebela pode cobrar quanto quiser pelos seus serviços, mas não fica bem que o Senado Federal (sustentado pela Viúva) e a Odebrecht (assistida pela renúncia fiscal) tenham os seus nomes vinculados a uma operação de venda do acesso a textos da história nacional. Não há notícia de outro país onde semelhante coisa aconteça.
Para que se tenha uma idéia do que significa cobrar R$ 60 pelo acesso a um material público que o Poder Público ajudou a divulgar, convém lembrar que isso equivale à metade do que cobra o "The Wall Street Journal" pela sua assinatura eletrônica, com direito a serviços especiais.
ACM e o empresário podem arrumar um jeito para que a choldra.com possa conhecer os documentos de sua história sem ter que pagar por eles. Se nada puderem fazer, talvez convenha tirar os nomes do Senado e da Odebrecht desse absurdo.

ENTREVISTA

Fernando Xavier Ferreira


(51 anos, presidente da Telefônica no Brasil)
- O senhor assinou um convênio com o governo de São Paulo para equipar 2.170 escolas da rede pública com equipamento de acesso à Internet por cabo, uma tecnologia dez vezes mais rápida que a das conexões discadas. Essa era uma das promessas de Tony Blair antes de se tornar o primeiro-ministro britânico. Ele queria que isso saísse de graça para o Estado. O seu serviço vai custar dinheiro?
- A Telefônica não vai montar essa rede para ganhar dinheiro. Se fosse para isso, investiríamos em outras coisas os R$ 30 milhões que o projeto demandará. Há pouco mais de três meses o presidente Fernando Henrique Cardoso manifestou seu interesse em que colaborássemos com a melhoria dos serviços educacionais e de saúde. Na semana passada assinamos o convênio com o governador Mário Covas. Vamos fazer a ligação por cabo em todas as escolas equipadas com computadores. Atingiremos 3,3 milhões de estudantes, número equivalente à metade da população escolar. Quando houver mais escolas habilitadas, mais ligações faremos. Hoje um cliente particular paga pela instalação do equipamento e arca com uma mensalidade de R$ 65. Além disso, paga algo como R$ 15 por mês ao provedor de Internet. Não vamos cobrar pela instalação nem pelo provimento. Cobraremos só a mensalidade. Creio que ela venha a girar em torno da metade das tarifas cobradas na ocasião, que certamente serão mais baixas que as de hoje.

- Já há escolas com ligação por cabo?
- Não. Até o fim deste ano instalaremos um projeto piloto em cem escolas. Até o fim do primeiro semestre do ano que vem, mais 400, e nesse período nada será cobrado. No fim de 2001 as 2.170 estarão cabeadas. Quando essa rede estiver montada, ela permitirá não só o acesso rápido à Internet, mas interligará a metade da rede pública estadual de São Paulo. Posso lhe assegurar que são poucos os lugares do mundo com esse tipo de situação. Além disso, estamos em entendimentos com a Secretaria da Saúde para organizar uma rede semelhante com os hospitais e os postos de atendimento. Tanto para as escolas quanto para a rede de saúde, levaremos os cabos a localidades que, a partir de cálculos comerciais, não seriam conectadas por agora. Assim, em vez de ficarmos dizendo que as escolas não têm boa comunicação porque estão em lugares mais afastados, podemos dizer que os lugares afastados terão ligações por cabo porque lá há escolas.
- As escolas privadas estão manifestando o mesmo tipo de interesse que o governo de São Paulo teve pela ligação rápida na Internet?
- Já recebemos inúmeros pedidos, mas só nesta semana teremos um tipo de conexão adequado para elas.


Ficou de fora
O professor Alfred Stepan, da Universidade de Columbia, escapou de uma boa. No ano passado, foi sondado para a hipótese de vir a ser o embaixador dos Estados Unidos no Brasil. Autor de um clássico sobre a atuação dos militares na política brasileira, ele preferiu continuar estudando e ensinando.


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