São Paulo, quarta-feira, 04 de julho de 2001

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RADIODIFUSÃO

Antecessor de Pimenta, Barros ataca anteprojeto das Comunicações

Ministro utiliza Estado a seu favor, diz Mendonça

DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros acusou ontem Pimenta da Veiga, seu sucessor, de utilizar ""o instrumento do Estado para desenvolver sua atividade política" e disse que o governo, as grandes empresas de comunicação e o Congresso se beneficiam da concentração de poderes e dos uso político da pasta.
Mendonça de Barros se referia ao anteprojeto da lei de serviços de radiodifusão posto em discussão pública por Pimenta da Veiga. O anteprojeto dá superpoderes ao ministério, concedendo a seu titular o controle, por exemplo, sobre licitações de rádio e de TV.
A seguir, trechos da entrevista:
 

Folha - Qual era o projeto de Sérgio Motta sobre o assunto?
Luiz Carlos Mendonça de Barros -
Ele queria transferir toda a responsabilidade sobre a área postal, de telecomunicação e de radiodifusão para agências independentes porque achava que dava uma proteção maior para a sociedade de influência política. Há um histórico (da influência política) no Ministério das Comunicações, principalmente na gestão do Antonio Carlos Magalhães [ministro das Comunicações de José Sarney, 1985-1990". Sérgio apontava duas questões básicas: todas essas licenças têm um valor comercial e esse valor comercial tinha de ser explicitado por um processo licitatório. Evidentemente que não é aberto, porque, em alguns casos, existiria algum tipo de restrição, como ao capital estrangeiro e à concentração. Haveria todo um cuidado de que, por meio desse processo licitatório, fossem respeitados princípios importantes, principalmente na parte de radiodifusão, em que a questão da democracia é fundamental.
Na opinião dele, (com) isso no ministério, a sociedade fica muito menos protegida de interesses não-sociais do que em uma agência regulatória, em que a direção tem mandato fixo e é obrigada a ir ao Congresso para prestar contas. Ele começou com o sistema de telecomunicação e os passos seguintes seriam a parte postal e de radiodifusão. Sempre houve pressão por parte dos interesses estabelecidos, principalmente na radiodifusão, para que esse processo não continuasse.

Folha - Pressão das empresas?
Mendonça de Barros -
Das empresas, porque é muito mais fácil você agir a favor de seus interesses em alguma coisa mais escondida.

Folha - O ministro Pimenta da Veiga disse que Sérgio Motta teria mudado de idéia sobre isso.
Mendonça de Barros -
Mentira. Sérgio Motta e o Pimenta da Veiga eram inimigos políticos e, mais do que isso, representavam duas gerações de políticos.

Folha - Seria impossível que Pimenta soubesse da mudança de planos?
Mendonça de Barros -
Eu era amigo, confidente, uma pessoa para quem o Sérgio abria suas idéias. Se há uma pessoa que seria depositária dessas preocupações seria eu. Não o ministro, que era inimigo dele.

Folha - De onde veio a inimizade?
Mendonça de Barros -
Basicamente do fato de Pimenta da Veiga ser um político velho. Daquele mais tradicional, que usa o instrumento do Estado para desenvolver sua atividade política.

Folha - É isso que o sr. acha que está acontecendo agora?
Mendonça de Barros -
Não tenha dúvida.

Folha - O fato de ele ser pré-candidato à Presidência?
Mendonça de Barros -
É, e se não é a presidente, é a governador. Ele é candidato a alguma coisa. E a ação dele tem sido toda no sentido de criar uma máquina em que ele possa ter uma expressão nacional, que ele não consegue ao nível das idéias e das propostas, de ter essa expressão nacional ao nível de pequenas ações, empregos, inaugurações. Essa mudança é da cabeça dele (Pimenta da Veiga). De ele querer voltar a ter um poder discricionário, que, no fundo, implica poder político.

Folha - Quem mais seria beneficiado com isso? Grandes empresas?
Mendonça de Barros -
Elas sempre foram contra esse projeto. Quando o Pimenta da Veiga assumiu, a primeira coisa que fez foi demitir os que estavam envolvidos nisso. A coisa mais barulhenta foi a demissão do Egydio (Bianchi, ex-presidente dos Correios).

Folha - É também um retrocesso do ponto de vista técnico?
Mendonça de Barros -
É. Quando você tem a influência política, não há prevalência do técnico.

Folha - Mas a influência política beneficia o governo como um todo.
Mendonça de Barros -
É óbvio. O problema é que havia críticas no governo ao Sérgio Motta exatamente por isso. Diziam: "Você está abrindo mão de uma ação política do governo". Ele dizia: "Estou porque acho que política não é assim que se faz".

Folha - O que o presidente acha desse projeto (de Sérgio Motta)?
Mendonça de Barros -
Nunca conversei com ele sobre isso, mas, se ele deixou o Sérgio tocar, é porque, de certa forma, concordava.

Folha - O projeto será aprovado?
Mendonça de Barros -
Acho que sim, porque o Congresso tem interesse nisso. De certa forma, os deputados sempre foram os agentes da ação política nesse campo. Só quem perde é a sociedade.


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