São Paulo, Domingo, 04 de Julho de 1999
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COMÉRCIO EXTERIOR
Depois de cerimônias, chegou a hora de discutir seriamente protecionismo, sob pressões de EUA e UE
Após Cimeira, Brasil enfrenta negociação

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

Terminada a cúpula União Européia/América Latina-Caribe e, dentro dela, a cúpula menor, entre a UE e o Mercosul, o Brasil passa a enfrentar negociações de enorme impacto interno.
Ao contrário do que ocorreu nas cúpulas do Rio de Janeiro, desta vez não se trata de retórica e cerimônia, mas da substância do comércio que estará em negociação.
Para entender a pressão, basta prestar atenção no enorme abismo entre a posição de empresários brasileiros e a dos países ricos.
Marcos Vinícius Pratini de Moraes, presidente da AEB (Associação de Exportadores Brasileiros), diz, até erguendo a voz: "O Brasil não tem mais nada que abrir; agora, é a vez deles (dos europeus)".
Do outro lado, ao contrário, comunicações já encaminhadas à OMC (Organização Mundial de Comércio), o xerife do comércio internacional, pedem mais.
Exemplos:
1 - Comunicação da Noruega lembra que, em bens industriais, "as tarifas pico (as mais altas, portanto) foram definidas como sendo as acima de 15%. Reduções adicionais devem ser procuradas".
O comunicado norueguês alude ao fato de que, na mais recente rodada de negociações comerciais (a Rodada Uruguai), toda tarifa acima de 15% foi definida como "pico" e, como tal, provisória.
No caso do Brasil, os 15% não são pico, mas a tarifa média efetivamente praticada para a importação de bens industriais.
Logo, fica evidente que os europeus, ao contrário do que pede Pratini, vão, sim, exigir aberturas adicionais.
2 - Na área de serviços, comunicação da União Européia lembra que "todos os membros da OMC comprometeram-se a reduzir obstáculos ao comércio em serviços, de acordo com o princípio da liberalização progressiva".
Mais: a UE quer também reduzir "os desequilíbrios entre os compromissos dos diferentes países".
Traduzindo: os europeus cobram mais acesso na área de serviços, por mais que eles próprio tenham ficado, por exemplo, com quase toda a área de telecomunicações no Brasil e em outros países em desenvolvimento.

Área agrícola
O único ponto em que o Brasil não jogará na defensiva, nas próximas negociações comerciais, é a na área agrícola.
Tanto Austrália como Estados Unidos já enviaram à OMC comunicações nas quais pedem uma profunda revisão de todo o leque "de medidas que distorcem o comércio" (na formulação norte-americana).
O leque inclui a abertura dos mercados internos para produtos agrícolas de outros países, os subsídios para exportação de bens agrícolas e os subsídios para a produção para consumo interno.
Só a UE gasta US$ 150 bilhões/ano para ajudar seus produtores.
A Austrália lembra que, se no setor industrial a tarifa média caiu para 4%, "no agrícola, tarifas de 300% ou mais não são incomuns".
O Brasil leva para as futuras negociações comerciais exatamente essa prioridade: abrir o mercado agrícola tanto da UE quanto dos EUA.
Mas, para obter alguma abertura na área agrícola, o Brasil será pressionado a ceder em setores como compras governamentais.
Trata-se das concorrências públicas para o fornecimento de bens e serviços, desde estradas até material de escritório, para repartições públicas. Esse capítulo representa, em média, 15% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da renda nacional) de cada país.

Crítica da UE
A UE acusa o sistema atual de concorrências de ser, em geral, "opaco e discriminatório". Ou seja, favorece as empresas locais em detrimento das estrangeiras.
Quer abrir também essa área.
UE e EUA pressionam igualmente pelo que a Noruega define como "políticas comerciais e ambientais que mutuamente se reforcem e sejam legalmente consistentes".
Tradução: os países desenvolvidos querem que o comércio internacional preveja normas que evitem danos ambientais na produção e comercialização de determinados produtos.
Para o governo brasileiro, trata-se de protecionismo disfarçado. Um país poderia, por exemplo, brecar compras de madeira originária do Brasil alegando que a derrubada das árvores é ecologicamente danosa, seja falsa ou não a alegação.

Pressão
Todas essas pressões aparecerão nas três negociações comerciais em que o país se envolverá a partir de novembro: o acordo com a UE em torno de uma eventual futura zona de livre comércio, a Rodada do Milênio (a negociação entre os 134 países-membros da OMC para liberalizar o comércio) e a Alca (Área de Livre Comércio das Américas, que pretende englobar os 34 países americanos, excluída apenas Cuba).
O governo brasileiro será pressionado nas três para fazer concessões. Mesmo que as faça na OMC, não basta, julga Charlene Barshefsky, xerife do comércio internacional dos EUA:
"Por mais ambiciosa que seja a agenda da OMC, a Alca, por definição, é significativamente mais ambiciosa, (já que) visa eliminar tarifas de forma completa".



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