São Paulo, Domingo, 04 de Julho de 1999
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Menem vira o "pato manco' do Conselho Editorial
Nos seus dez anos de reinado na Argentina, o presidente Carlos Saúl Menem transformou-se igualmente em estrela das reuniões internacionais e regionais de que participou.
Um pouco pela bizarria de sua costeleta, de seu gosto por exibir-se ao lado de lindas mulheres e/ou de demonstrar habilidade no futebol e no tênis. Outro tanto pelo fato de ter sido o responsável por trazer a inflação argentina ao andar em que se encontra nos países desenvolvidos, depois de décadas de descontrole e de dois surtos hiperinflacionários.
Mas, na recém-encerrada Cimeira, Menem deixou a condição de estrela para assumir a de "pato manco", a expressão em inglês ("lame duck") usada para designar governantes em final de período, já sem o poder de outrora.
O que Menem mais perdeu não foi a costeleta, agora aparada, mas o brilho interno, que inexoravelmente repercute externamente.
O presidente falhou em reiteradas tentativas de obter o direito à re-reeleição, ou seja, a um terceiro mandato consecutivo.
O que atrapalhou foram menos os obstáculos jurídicos (contornáveis quando se tem, como é o caso de Menem, maioria na Corte Suprema) e mais a baixa aceitação política e popular à hipótese de Menem concorrer de novo.
Pior: Menem perdeu até a força para influir na escolha do candidato de seu partido (o Justicialista, ou peronista) para sucedê-lo.
Queria alguém mais maleável, que não lhe fizesse sombra, como o cantor romântico Ramón "Palito" Ortega, agora travestido de político. Mas o candidato é o governador da Província de Buenos Aires, Eduardo Duhalde, crítico das políticas menemistas e o herdeiro mais fiel das tradições populistas do peronismo.
Seja qual for o resultado da eleição de outubro, portanto, Menem perderá. Ou para a oposição convencional, cujo candidato é o prefeito de Buenos Aires, Fernando de la Rúa, ou para sua própria oposição interna, caso de Duhalde.
A explicação para o ostracismo do presidente é óbvia: a crise econômica em que se debate a Argentina, cujo reflexo mais incômodo é o alto desemprego (deve ficar, este ano, em 16% da força de trabalho, contra 6% no início da era Menem).
Na cúpula do Rio, enfraquecido pelos problemas internos, Menem nem sequer pôde tirar da cartola o coelho da "dolarização", a mais recente mágica a que se apega para chamar a atenção da mídia.
Afinal, o encontro era com os europeus, mais inclinados a pensar na "euroização", ou seja, na expansão do euro (a moeda comum de 11 dos 15 países da UE) como moeda concorrente do dólar nas transações internacionais.
Desse ponto de vista, fez mais sucesso o presidente venezuelano Hugo Chávez, um coronel rotulado de "golpista" por ter tentado, por duas vezes, chegar ao poder a bordo dos tanques, o que só conseguiu -e graças às urnas- em 98.
Nos debates fechados entre os governantes, Chávez disse que o modelo europeu, ao contrário do norte-americano, era o que melhor combinava os interesses do capital e do trabalho. Música para os ouvidos dos líderes europeus, que não escondem o orgulho pelo seu modelo de bem-estar social.
Menem, ao contrário, preferiu falar do Mercosul como ímã para investimentos estrangeiros, mas soltou números que provocaram mais dúvida que admiração: disse que, entre 98 e 2000, a Argentina receberá US$ 53 bilhões em investimentos externos, 55% deles provenientes da Europa.
É uma cifra que corresponde a quase 20% do PIB argentino, reduzido a US$ 298 bilhões por uma nova e mais correta metodologia de cálculo (era de US$ 335 bilhões).
Tanto como a Argentina, Menem acabou surgindo mais pobre na Cúpula do Rio, desvalorizado pelo fim de um reinado em um momento de extrema dificuldade econômica e de baixa popularidade. (CR)


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