São Paulo, Domingo, 04 de Julho de 1999
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QUESTÃO AGRÁRIA
Para líder dos sem-terra, governo não faz reforma agrária nem movimento obtém ganhos permanentes
MST não tem conquistas reais, diz Stedile

CARLOS EDUARDO ALVES
da Reportagem Local
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) admite que vive um momento difícil. "Existe um impasse. O governo não faz reforma agrária, e nós não estamos conseguindo conquistas reais", afirma João Pedro Stedile, líder do MST.
Stedile data o impasse: outubro de 98, quando Fernando Henrique Cardoso ganhou novo mandato no primeiro turno da eleição.
"De lá para cá, o governo ficou prepotente para aplicar a ideologia neoliberal para tentar resolver os conflitos de terra", acha Stedile. O MST critica principalmente o que chama de "esvaziamento" do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Stedile vê algo pior agora: o governo teria optado por entregar ao mercado a solução para a reforma agrária.
O Banco da Terra, uma das novidades que FHC trouxe para a questão, é um dos alvos do ideólogo dos sem-terra.
"O governo paga as desapropriações à vista, mas os assentados ficam devendo ao banco, sem condições de pagar", declara.
Stedile critica ainda, no Banco da Terra, a possibilidade de o proprietário de terra fixar o preço e poder exercer a recusa ao negócio.
Em meio a torpedos contra todos os novos programas governamentais para a área, João Pedro Stedile chega a dizer que sente saudade de projetos como o Procera, que financiava a reforma agrária. O Procera não era elogiado pelo MST quando vigente.
Segundo Stedile, em 99 o governo não assentou famílias. "Não houve desapropriações. O máximo que se fez foi regularizar títulos", afirma.
O quadro desalentador, sempre de acordo com o líder dos sem-terra, forçou uma mudança de estratégia. "Pela primeira vez, conseguimos nos articular com Contag, igreja e outras entidades para criar uma unidade em atos contra o governo", diz ele.
Nos próximos dias, o MST pretende iniciar uma vigília em Brasília para forçar a obtenção de um encontro com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Para criar um fato político, em 27 de julho sai do Rio uma "marcha popular", oriunda de vários Estados, em direção a Brasília. A intenção é estar na capital federal em outubro, ocupando espaço na mídia.

Números
Apesar da propalada opção pela atuação política e da falta de resultado das "ocupações" - invasão continua sendo palavra vetada no MST -, os sem-terra dizem que aumentou o número de invasões.
De janeiro até o dia 14 de maio último, de acordo com o MST, o movimento organizou 149 invasões. Para se ter base de comparação, em todo ano de 97 foram feitas 173 invasões de terra, segundo os dados do MST.
"A tensão agrária é maior nas regiões Sul e Nordeste do país, mas são tantos os problemas que não dá para escolher áreas prioritárias para a nossa atuação", diz Stedile.
O líder do MST ainda despeja outros números para dimensionar a "dramaticidade" do que chama de impasse na reforma agrária: segundo ele, existem hoje cerca de 500 acampamentos de sem-terra espalhados pelo país, o que seria um recorde. "São 102 mil famílias que esperam solução", afirma Stedile.


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