São Paulo, sexta-feira, 04 de agosto de 2006

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ELEIÇÕES 2006 / REFORMA POLÍTICA

Mesmo adeptos da reforma vêem entraves à Constituinte

Para dois ministros do Supremo, proposta de Lula é inconstitucional e "exótica"

Oposição considera assunto uma "tática diversionista" do presidente; Ives Gandra diz que Constituinte é "única possibilidade" de reforma


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A reforma política é necessária, mas o consenso termina aí. De que maneira a reforma deve ser feita, se por emenda constitucional ou pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, e que mudanças deveria trazer são questões que dividem ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), especialistas e os próprios políticos.
A realização de uma Assembléia Constituinte, proposta levantada anteontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião com advogados, enfrenta oposição quase que unânime, mas conta com ao menos um apoio de peso, o do advogado Ives Gandra Martins (leia entrevista nesta página).
Para dois ministros do STF -Gilmar Mendes e Carlos Ayres Britto-, a convocação da Constituinte para a reforma política seria inconstitucional.
Ambos disseram que a reforma deve ser feita pela via normal: por meio da aprovação de emendas constitucionais, que exigem duas votações na Câmara e outras duas no Senado, com a aprovação de pelo menos três quintos do Parlamento.
Mendes, vice-presidente do STF, considerou "exótica" a sugestão e disse, em tom de brincadeira: "O Espírito Santo jurídico não esteve presente [na reunião de Lula com os advogados]". Para Britto, da forma como está sendo cogitada, a Constituinte seria um órgão não previsto na Constituição.
Um dos advogados que estiveram com Lula anteontem, Roberto Caldas, também admite a discussão da hipótese. Ele afirma que o caminho jurídico mais tranqüilo seria uma mudança por emenda constitucional, mas que a realidade mostra a dificuldade de a reforma passar no Congresso Nacional: "É algo [a discussão] a ser enfrentado com desassombro".

A importância da reforma
Os maiores escândalos dos últimos anos, como o mensalão, estão todos ligados a temas que seriam abordados numa reforma política.
As principais propostas em discussão abordam, por exemplo, o financiamento público de campanha (o que, em tese, combateria o caixa dois) e a fidelidade partidária (o que inibiria a compra de votos).
Entre os políticos há uma percepção de que uma Constituinte não iria adiante. Um dos mais céticos é o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). Autor de uma proposta de Constituinte em 1997 para o sistema tributário e o pacto federativo, Teixeira diz que uma Constituinte exclusiva para a reforma política seria um "casuísmo". "Nem existe uma definição clara do que seria essa reforma", afirma o deputado.
O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), de oposição, classifica a proposta como "um casuísmo único no mundo", lembrando que "Constituinte é para refundar o Estado". O tucano é a favor da reforma política, mas feita pelo Legislativo.
O advogado Miguel Reale Júnior, responsável pelo comitê financeiro da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB) à Presidência, afirmou que a proposta é uma "arrematada loucura". "Ou Lula está sem assunto ou é um jogo político."

"Tática diversionista"
A oposição acusa o presidente Lula de levantar o tema como "tática diversionista", para tirar o foco dos escândalos do governo. No Senado, PSDB, PFL e PDT disseram que essa é uma estratégia para desviar o foco de escândalos como o da máfia dos sanguessugas.
"Todos sabem o código de comportamento vigente no Palácio do Planalto: acusado, negue; condenado, fuja; pilhado, surpreenda-se; incomodado, disfarce. Se não tiver outra saída, mude de assunto. Essa é a verdade da farsa de mudança de foco tentada pelo candidato a presidente da República", disse o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC).
Em defesa do governo, o senador Tião Viana (PT-AC) disse que essa proposta foi apresentada a Lula por ex-dirigentes da OAB. "Tenho simpatia por essa matéria porque acho que este Congresso e o futuro não terão forças para mudar muita coisa e muito menos para concluir a reforma política."
Ives Gandra vê a Constituinte como único caminho para a reforma. "A reforma política não saiu até agora porque os políticos não querem. Eles não querem fidelidade, voto distrital, perder os seus feudos eleitorais. Dentro dessa linha, eu só vejo uma possibilidade: uma Constituinte exclusiva", diz.
Mas, enquanto Ives Gandra admite a proposta, Dalmo de Abreu Dallari a condena. O professor aposentado da USP classificou a proposta de "absurda e inconstitucional" (leia entrevista nesta página).
(PEDRO DIAS LEITE, EDUARDO SCOLESE, SILVANA DE FREITAS E FERNANDA KRAKOVICS)


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