São Paulo, sexta-feira, 04 de outubro de 2002

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EXUBERÂNCIA ELEITORAL

O tamanho da pindaíba que virá

VINICIUS TORRES FREIRE

Em 1996 Fernando Henrique Cardoso gostava de dizer que era fácil governar o Brasil e pensava que o país podia viver pendurado no cheque especial do investimento externo. O "capital externo era sobrante", dizia o presidente. Só "fracassomaníacos", dizia FHC, reclamavam das exportações miudinhas, do fato de a classe média torrar dólares que não tínhamos em Miami e de comprarmos comida de gato importada, como diz o Elio Gaspari.
Em termos técnicos e chatos, só fracassomaníacos reclamavam do crescente déficit em conta corrente e da imensa necessidade total de financiamento externo. Hoje em dia, FHC e até uns diretores do Banco Central festejam o superávit comercial (a diferença positiva entre exportações e importações) e a redução do déficit em conta corrente (a diferença entre bens e serviços que o país exporta e importa, incluindo mercadorias, juros de dívida, lucros, gastos de turistas etc.).
Quanto menor o déficit em conta corrente, menor a necessidade de investimento externo para cobrir o rombo nas nossas contas em dólares (déficit em conta corrente em si não é ruim, depende do seu tamanho, se é crescente, se o país está muito endividado etc.). No caso do Brasil, a redução do déficit pode ser um assunto dramático, pois o país ainda tem uma dívida externa pesada (pública e privada). Quer dizer, além da diferença entre o que importamos e exportamos, temos de pagar juros e principal da dívida. Hoje em dia, o país precisa, ao todo, uns US$ 45 bilhões por ano de dinheiro de fora para pagar seus compromissos e não ter de gastar suas reservas internacionais.
Alguns economistas dizem que, com o câmbio flutuante, se precisarmos de dólares demais, o real se desvaloriza, gastamos menos no exterior, exportamos mais e precisamos de menos dinheiro para fecharmos as contas externas. O câmbio flutuante seria um mecanismo automático de equilíbrio. É mais ou menos verdade.
Mas, para que o real se desvalorize sem que venha inflação (o que anula o efeito do real desvalorizado), no curto prazo é preciso elevar juros, causar desemprego e diminuir a renda das pessoas (no longo prazo o país pode ficar mais competitivo, exportar mais).
A renda real do brasileiro não cresce há dois anos. Há cada vez mais projeções de que a renda não poderá crescer em 2003 se continuar o atual panorama financeiro mundial. Isto é, de seca de dólares. Qual será o impacto político-social de três anos de estagnação?
As projeções do governo para 2003, muito otimistas, dizem que governo e empresas vão rolar (renovar o empréstimo) uns 90% de nossa dívida externa. Que o investimento externo direto não vai cair muito. Mas o investimento direto está em tendência de queda, e temos rolado só 10% de nossas dívidas. Há especulador e analista estrangeiro dizendo que não vamos ter um centavo de crédito no começo de 2003. Pior, o governo (BC) está gastando dólar demais para não deixar o real se desvalorizar ainda mais.
Há o dinheiro do FMI. Mas, se o cenário atual permanecer, o dinheiro do FMI não será bastante. O próximo presidente chegaria de joelhos às conversas com o Fundo, em março, quando deve sair a nova parcela do empréstimo.
Não temos alternativa, pois, a não ser um choque radical de corte nas despesas do governo de modo a atrair recurso externo e abrir espaço para a queda de juros pouco antes de meados do ano. E mesmo isso não vai garantir a volta do crédito para o país. Mas sem o choque, haverá desastre.


VINICIUS TORRES FREIRE, editor de Dinheiro, escreve às sextas-feiras


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