São Paulo, segunda-feira, 04 de novembro de 2002

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Petista descrê de "pacto social" e diz que FMI "é inimigo"

PATRICIA ZORZAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Filha do candidato derrotado ao governo do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, a deputado federal eleita Luciana Genro, 31, defende o rompimento do acordo do Brasil com o FMI, argumentando que o fundo é um "inimigo" do país.
"Lula tem de sentar à mesa de negociação respaldado por uma população que tem consciência de que o FMI é nosso inimigo", diz ela, integrante de uma das correntes de esquerda do PT.
Deputada estadual em segundo mandato, afirma ainda não acreditar que mudanças possam ser feitas a partir de um pacto social e declara que as discussões sobre o salário mínimo devem partir dos R$ 250, agora propostos pela oposição. "Não posso acreditar que o PT vá realmente manter um salário mínimo de R$ 211 em 2003."
Critica também o ex-presidente José Sarney, a quem se refere como representante das oligarquias. "[Ele] não é uma pessoa para compor um governo que se propõe a fazer mudanças profundas e reais." A seguir, trechos da entrevista, concedida na sexta-feira.
 

Folha - Na discussão sobre o salário mínimo, há uma inversão de papéis: o PSDB dizendo querer R$ 240 e o PT pedindo que isso seja definido depois. Qual sua opinião?
Luciana Genro
- Pela primeira vez um operário, um sindicalista que foi preso político, torna-se presidente. Essa vitória só foi possível porque houve uma falência desse modelo neoliberal que privatizou, que fez essa política monetária restritiva, colocou os juros nas alturas sempre para rolar a nossa dívida e frear o consumo. Isso teve uma consequência de estrangulamento da produção, desnacionalização do país. Isso quer dizer que há setores da burguesia que ficaram também estrangulados e que acabaram buscando alianças com o PT. Mas esses setores da burguesia que ajudaram o Lula já no primeiro turno ou que se solidarizaram no segundo são defensores de seguir a exploração. Então eles querem manter o arrocho salarial. Evidente que esse discursos de querer aumentar o salário mínimo da oposição ao Lula são pura demagogia. Na verdade, eles querem manter o arrocho. Assim como esses setores que apoiaram o Lula também querem. Lula acabou tentando se colocar como um árbitro entre esses interesses da burguesia e os interesses da classe trabalhadora que ele originalmente representa porque é um filho dessa classe. Ao se colocar como árbitro, fica numa posição muito difícil porque são interesses muito difíceis de serem conciliados porque são opostos.

Folha - Mas não é contraditório?
Genro
- É preciso mostrar que os que dizem querer esse aumento nunca quiseram. Pressionam para colocar o PT em contradição.

Folha - E estão conseguindo.
Genro
- Existe de fato uma contradição, que é a tentativa do Lula de mudar parcialmente o modelo de FHC e, ao mesmo tempo, manter os compromissos firmados que amarram o governo e até inviabilizam, em muitos casos, uma mudança real e profunda.

Folha - Lula terá de optar por um dos lados?
Genro
- Por isso não acredito que essa proposta de pacto social possa trazer resultados positivos para a maioria dos trabalhadores.

Folha - O que deve ser feito?
Genro
- Quero me colocar com muita humildade nesse debate. O PT tem uma história de luta contra o FMI, de denunciá-lo como responsável pela miséria, pela exploração, pela tragédia que vivemos não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Acho que continuar seguindo as políticas do FMI não é o caminho para que possamos atender às demandas históricas dos trabalhadores. Claro que ninguém espera que o Lula faça milagre e resolva tudo de uma hora para a outra. Mas é preciso seguir um caminho que possa apontar para mudanças.

Folha - O caminho seria o rompimento do acordo ou a negociação?
Genro
- O caminho está desenhado nas próprias resoluções do 12º Encontro Nacional do PT.

Folha - E é o rompimento.
Genro
- O rompimento com o FMI, a recusa da Alca, a busca de outro tipo de integração. Ninguém defende o isolamento do Brasil. Ao contrário, precisamos ter parceiros na América Latina, na Europa, mas não em uma política de subordinação.

Folha - Mas parte do eleitorado confiou no discurso mais moderado do Lula. Como arbitrar isso?
Genro
- É um debate que o próprio governo teria que colocar para a sociedade. Todo mundo quer paz, tranquilidade. As pessoas viram no Lula essa possibilidade de mudança com paz e tranquilidade, sem confronto, sem contrariar os interesses de ninguém. A questão é debater se isso é possível. Eu acho que não é possível.

Folha - É viável um aumento real do salário mínimo?
Genro
- Acho que os R$ 211 são uma proposta simplesmente para fechar as contas no Orçamento. Não posso acreditar que o PT vá realmente manter um salário mínimo de R$ 211 em 2003. Os R$ 250 que o [senador eleito Paulo" Paim (RS) coloca é o patamar de onde a gente tem de partir.

Folha - O FMI já fala em aumentar o superávit primário.
Genro
- Acho que o Lula tinha de denunciar este acordo. O que significa isso? Amanhã romper e dizer que não quer mais conversa? Não. Significa construir esse ambiente dentro do país, mostrar a inviabilidade de melhorar a vida das pessoas e de se submeter aos interesses do FMI. O Lula tem de sentar à mesa de negociação respaldado por uma população que tem consciência de que o FMI é nosso inimigo, de que as políticas neoliberais que ele impõe ao Brasil e à América Latina são as responsáveis pela tragédia que vivemos nesse continente.

Folha - Autonomia do Banco Central e um ministro da Fazenda de fora do PT. Como vê essas idéias?
Genro
- Como parte dessa contradição, da tentativa parcial de mudar o modelo versus a manutenção dos compromissos com o FMI. A burguesia nunca aceitou a discussão da independência do BC. O PT também sempre foi contra. Por que agora que o PT governa a burguesia quer a independência? Para continuar ditando a política monetária.

Folha - Como deve ser a convivência do PT com sindicatos, sem-terra?
Genro
- Os movimentos têm de continuar sendo vistos pelo governo como aliados. Eles podem ajudar o PT porque o governo vai ser duramente pressionado pela direita, pela classe dominante que vai querer continuar a manter seus privilégios.

Folha - O MST deve fazer invasões durante o governo Lula?
Genro
- A reforma agrária é extremamente necessária e até hoje só se avançou, um mínimo, graças à luta do MST, às ocupações.

Folha - Esses mecanismos têm de ser usados em um governo Lula?
Genro
- O MST é que tem que avaliar. Vão apresentar uma pauta de reivindicações e vão iniciar um processo de diálogo.

Folha - Mas o método é válido?
Genro
- Acho que as ocupações são válidas e não são um confronto com o governo. São essencialmente um confronto com o latifúndio, que significa o atraso e que tem de ser confrontado duramente. Se o governo enxergar no MST um aliado, as ocupações vão ser uma forma de ajudar o próprio governo a acabar com o latifúndio improdutivo no país.

Folha - Mas há invasões de terras produtivas.
Genro
- Isso tem a ver com o fato de o governo FHC ter feito aquela medida provisória que criminaliza as ocupações e que congela as desapropriações nas terras ocupadas. O MST passou a ocupar as terras produtivas para continuar fazendo pressão e, ao mesmo tempo, não inviabilizar a desapropriação. É uma tática.

Folha - A MP deve ser revogada?
Genro
- Com certeza. Acredito que será uma das primeiras medidas do Lula.

Folha - Como a sra. acha que Sarney, ACM, Garotinho, Ciro devem participar do governo?
Genro
- Acho que não deveriam ocupar espaços no governo. Sou contra as oligarquias que sempre governaram, como o Sarney. [Ele] não é uma pessoa para compor um governo que se propõe a fazer mudanças profundas e reais.

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