Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Petista descrê de "pacto social" e diz que FMI "é inimigo"
PATRICIA ZORZAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Filha do candidato derrotado ao
governo do Rio Grande do Sul,
Tarso Genro, a deputado federal
eleita Luciana Genro, 31, defende
o rompimento do acordo do Brasil com o FMI, argumentando que
o fundo é um "inimigo" do país.
"Lula tem de sentar à mesa de
negociação respaldado por uma
população que tem consciência
de que o FMI é nosso inimigo",
diz ela, integrante de uma das correntes de esquerda do PT.
Deputada estadual em segundo
mandato, afirma ainda não acreditar que mudanças possam ser
feitas a partir de um pacto social e
declara que as discussões sobre o
salário mínimo devem partir dos
R$ 250, agora propostos pela oposição. "Não posso acreditar que o
PT vá realmente manter um salário mínimo de R$ 211 em 2003."
Critica também o ex-presidente
José Sarney, a quem se refere como representante das oligarquias.
"[Ele] não é uma pessoa para
compor um governo que se propõe a fazer mudanças profundas e
reais." A seguir, trechos da entrevista, concedida na sexta-feira.
Folha - Na discussão sobre o salário mínimo, há uma inversão de papéis: o PSDB dizendo querer R$ 240
e o PT pedindo que isso seja definido depois. Qual sua opinião?
Luciana Genro - Pela primeira
vez um operário, um sindicalista
que foi preso político, torna-se
presidente. Essa vitória só foi possível porque houve uma falência
desse modelo neoliberal que privatizou, que fez essa política monetária restritiva, colocou os juros
nas alturas sempre para rolar a
nossa dívida e frear o consumo.
Isso teve uma consequência de estrangulamento da produção, desnacionalização do país. Isso quer
dizer que há setores da burguesia
que ficaram também estrangulados e que acabaram buscando
alianças com o PT. Mas esses setores da burguesia que ajudaram o
Lula já no primeiro turno ou que
se solidarizaram no segundo são
defensores de seguir a exploração.
Então eles querem manter o arrocho salarial. Evidente que esse discursos de querer aumentar o salário mínimo da oposição ao Lula
são pura demagogia. Na verdade,
eles querem manter o arrocho.
Assim como esses setores que
apoiaram o Lula também querem. Lula acabou tentando se colocar como um árbitro entre esses
interesses da burguesia e os interesses da classe trabalhadora que
ele originalmente representa porque é um filho dessa classe. Ao se
colocar como árbitro, fica numa
posição muito difícil porque são
interesses muito difíceis de serem
conciliados porque são opostos.
Folha - Mas não é contraditório?
Genro - É preciso mostrar que os
que dizem querer esse aumento
nunca quiseram. Pressionam para colocar o PT em contradição.
Folha - E estão conseguindo.
Genro - Existe de fato uma contradição, que é a tentativa do Lula
de mudar parcialmente o modelo
de FHC e, ao mesmo tempo, manter os compromissos firmados
que amarram o governo e até inviabilizam, em muitos casos, uma
mudança real e profunda.
Folha - Lula terá de optar por um
dos lados?
Genro - Por isso não acredito
que essa proposta de pacto social
possa trazer resultados positivos
para a maioria dos trabalhadores.
Folha - O que deve ser feito?
Genro - Quero me colocar com
muita humildade nesse debate. O
PT tem uma história de luta contra o FMI, de denunciá-lo como
responsável pela miséria, pela exploração, pela tragédia que vivemos não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Acho que
continuar seguindo as políticas
do FMI não é o caminho para que
possamos atender às demandas
históricas dos trabalhadores. Claro que ninguém espera que o Lula
faça milagre e resolva tudo de
uma hora para a outra. Mas é preciso seguir um caminho que possa apontar para mudanças.
Folha - O caminho seria o rompimento do acordo ou a negociação?
Genro - O caminho está desenhado nas próprias resoluções do
12º Encontro Nacional do PT.
Folha - E é o rompimento.
Genro - O rompimento com o
FMI, a recusa da Alca, a busca de
outro tipo de integração. Ninguém defende o isolamento do
Brasil. Ao contrário, precisamos
ter parceiros na América Latina,
na Europa, mas não em uma política de subordinação.
Folha - Mas parte do eleitorado
confiou no discurso mais moderado do Lula. Como arbitrar isso?
Genro - É um debate que o próprio governo teria que colocar para a sociedade. Todo mundo quer
paz, tranquilidade. As pessoas viram no Lula essa possibilidade de
mudança com paz e tranquilidade, sem confronto, sem contrariar
os interesses de ninguém. A questão é debater se isso é possível. Eu
acho que não é possível.
Folha - É viável um aumento real
do salário mínimo?
Genro - Acho que os R$ 211 são
uma proposta simplesmente para
fechar as contas no Orçamento.
Não posso acreditar que o PT vá
realmente manter um salário mínimo de R$ 211 em 2003. Os R$
250 que o [senador eleito Paulo"
Paim (RS) coloca é o patamar de
onde a gente tem de partir.
Folha - O FMI já fala em aumentar
o superávit primário.
Genro - Acho que o Lula tinha de
denunciar este acordo. O que significa isso? Amanhã romper e dizer que não quer mais conversa?
Não. Significa construir esse ambiente dentro do país, mostrar a
inviabilidade de melhorar a vida
das pessoas e de se submeter aos
interesses do FMI. O Lula tem de
sentar à mesa de negociação respaldado por uma população que
tem consciência de que o FMI é
nosso inimigo, de que as políticas
neoliberais que ele impõe ao Brasil e à América Latina são as responsáveis pela tragédia que vivemos nesse continente.
Folha - Autonomia do Banco Central e um ministro da Fazenda de fora do PT. Como vê essas idéias?
Genro - Como parte dessa contradição, da tentativa parcial de
mudar o modelo versus a manutenção dos compromissos com o
FMI. A burguesia nunca aceitou a
discussão da independência do
BC. O PT também sempre foi
contra. Por que agora que o PT
governa a burguesia quer a independência? Para continuar ditando a política monetária.
Folha - Como deve ser a convivência do PT com sindicatos, sem-terra?
Genro - Os movimentos têm de
continuar sendo vistos pelo governo como aliados. Eles podem
ajudar o PT porque o governo vai
ser duramente pressionado pela
direita, pela classe dominante que
vai querer continuar a manter
seus privilégios.
Folha - O MST deve fazer invasões
durante o governo Lula?
Genro - A reforma agrária é extremamente necessária e até hoje
só se avançou, um mínimo, graças à luta do MST, às ocupações.
Folha - Esses mecanismos têm de
ser usados em um governo Lula?
Genro - O MST é que tem que
avaliar. Vão apresentar uma pauta de reivindicações e vão iniciar
um processo de diálogo.
Folha - Mas o método é válido?
Genro - Acho que as ocupações
são válidas e não são um confronto com o governo. São essencialmente um confronto com o latifúndio, que significa o atraso e
que tem de ser confrontado duramente. Se o governo enxergar no
MST um aliado, as ocupações vão
ser uma forma de ajudar o próprio governo a acabar com o latifúndio improdutivo no país.
Folha - Mas há invasões de terras
produtivas.
Genro - Isso tem a ver com o fato
de o governo FHC ter feito aquela
medida provisória que criminaliza as ocupações e que congela as
desapropriações nas terras ocupadas. O MST passou a ocupar as
terras produtivas para continuar
fazendo pressão e, ao mesmo
tempo, não inviabilizar a desapropriação. É uma tática.
Folha - A MP deve ser revogada?
Genro - Com certeza. Acredito
que será uma das primeiras medidas do Lula.
Folha - Como a sra. acha que Sarney, ACM, Garotinho, Ciro devem
participar do governo?
Genro - Acho que não deveriam
ocupar espaços no governo. Sou
contra as oligarquias que sempre
governaram, como o Sarney.
[Ele] não é uma pessoa para compor um governo que se propõe a
fazer mudanças profundas e reais.
Texto Anterior: Esquerda do PT articula diálogo com sem-terra Próximo Texto: Frases Índice
|