|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ VISÕES DA CRISE
Para Matthew Taylor, competição entre instituições do Judiciário incentiva apuração de casos, mas não sanção de corruptos
Falta incentivar punição, afirma analista
DA REPORTAGEM LOCAL
A sensação de permanente impunidade associada a grandes
desfalques financeiros e malversações de dinheiro público que o
país vive resulta menos de níveis
de corrupção extravagantes -em
comparação com outras sociedades- do que de uma "montagem" institucional, que estimula
o aparecimento de vários casos
como esses, sua investigação, mas
que não premia a punição dos
responsáveis. Quem afirma é o
americano Matthew Taylor, 34,
que recentemente se tornou professor da USP, após um doutorado sobre o sistema Judiciário brasileiro na Universidade Georgetown, nos EUA.
Num trabalho em parceria com
Vinícius Buranelli, pesquisador
da FGV-SP (Fundação Getúlio
Vargas), intitulado "Acabando
em Pizza - O Processo de Responsabilização pela Corrupção no
Governo Federal", Taylor analisa
a atuação de Ministério Público
Federal, Polícia Federal, Tribunal
de Contas da União e CPIs.
Conclui, primeiro, que há pouca
cooperação entre essas instituições. "Uma certa concorrência
entre instituições é sempre muito
saudável, mas o Brasil leva ao extremo isso."
Dentre elas, o Ministério Público, encarregado de acompanhar
os processos e garantir que as punições ocorram, incentiva seus
membros a se esforçarem no estágio de investigação, mas não no
de punição. "O Ministério Público exerce o papel de acompanhamento judicial; não digo que não
esteja fazendo esse trabalho, mas
toda ênfase do plano de carreira
de um promotor incentiva o indivíduo a procurar se destacar na
investigação mais do que no argumento e no acompanhamento legal", ele diz.
Um país em que todos investigam, mas poucos são premiados
por levar criminosos para trás das
grades não pode parar de "acabar
em pizza".
A seguir, trechos da entrevista.
(RAFAEL CARIELLO)
Folha - Como o sr. viu a cassação
de José Dirceu? É mais fácil prestar contas dentro do Legislativo do
que na Justiça?
Matthew Taylor - Não quero falar diretamente sobre o caso do
Dirceu, mas o que vemos como
padrão de comportamento no sistema político é que em raros casos
as sanções impostas são financeiras, penais ou cíveis. O que acontece em todos os casos de grandes
escândalos que estudamos é que
as únicas punições são as desse tipo, reputacionais, como a cassação ou a ameaça de cassação, que
não deixa de ser uma punição,
mesmo se, como no caso de Jader
Barbalho, ele consegue renunciar
para não ser cassado.
Folha - Por que não se consegue
avançar para os outros tipos de
sanções?
Taylor - A resposta está em duas
questões. A primeira é a dificuldade de haver interação ou cooperação entre as instituições. Há instituições muito fortes no Brasil que,
em termos comparados, têm financiamento bom, têm burocratas de altíssimo nível.
Folha - O sr. fala da Polícia Federal, do Ministério Público...
Taylor - ...do TCU [Tribunal de
Contas da União]. Há muitos
mais, como Coaf, a Receita Federal e as polícias estaduais. Essas
grandes instituições tendem a trabalhar independentemente umas
das outras. Tanto é que vimos, no
caso do Maluf, que foi só no final
do processo que realmente todas
as instituições perceberam que, se
não começassem a cooperar, não
conseguiriam informações dos
paraísos fiscais. Existem rivalidades fortíssimas. O segundo problema está na interação entre os
estágios internos de qualquer
processo. Por questão interna a
cada uma das instituições, tendem a focar mais na investigação
do que no monitoramento de casos de corrupção ou na punição.
O monitoramento contínuo deveria estar a cargo dos tribunais
de contas. Por uma questão histórica, eles não têm tanta independência do Executivo.
Depois, na fase da punição, é
claro que há o problema grave do
Judiciário, de sua falta de eficiência. Mas não entramos aí, por
acharmos que se trata de um consenso.
Existe um problema anterior
quanto a isso que é como o Ministério Público procura impor sanções penais e cíveis. Os critérios
de promoção interna não dão ênfase ao sucesso da procura de pena. O Ministério Público exerce o
papel de acompanhamento judicial, não digo que não esteja fazendo esse trabalho, mas toda ênfase do plano de carreira de um
procurador incentiva a busca no
destaque pela investigação mais
do que pelo argumento e acompanhamento legal. A promoção
dentro da instituição é feita por
mérito e tempo de casa. Mas o critério de mérito é vago. Quem se
destaca acaba se dando melhor.
Folha - Qual o incentivo para que
os procuradores e promotores trabalhem mais na investigação?
Taylor - Tem a ver com a reputação. E, de fato, com a lentidão da
Justiça e a demora dos processos.
O resultado disso é que não só há
pouca punição como também
aparecem mais casos. E cada escândalo também aparece mais.
Não só você tem o Ministério Público divulgando cada caso, como
as CPIs e os políticos também.
Folha - É facilitado o aparecimento contínuo de casos de corrupção,
mas não a sua punição?
Taylor - Exatamente. O Brasil
não está entre os países mais corruptos. Mas a falta de responsabilização e a concorrência na fase
investigativa tendem a aumentar
a frustração e essa visão de que
"tudo acaba em pizza". As instituições contribuem para isso. Há
um incentivo grande para cada
um divulgar a notícia e para não
cooperarem. Claro, uma certa
concorrência entre instituições é
saudável, mas o Brasil leva isso ao
extremo.
Texto Anterior: Escândalo do "mensalão"/Depois da queda: Dirceu transfere "guerrilha" para dentro do partido Próximo Texto: Cooperação Índice
|