São Paulo, domingo, 04 de dezembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ VISÕES DA CRISE

Para Matthew Taylor, competição entre instituições do Judiciário incentiva apuração de casos, mas não sanção de corruptos

Falta incentivar punição, afirma analista

DA REPORTAGEM LOCAL

A sensação de permanente impunidade associada a grandes desfalques financeiros e malversações de dinheiro público que o país vive resulta menos de níveis de corrupção extravagantes -em comparação com outras sociedades- do que de uma "montagem" institucional, que estimula o aparecimento de vários casos como esses, sua investigação, mas que não premia a punição dos responsáveis. Quem afirma é o americano Matthew Taylor, 34, que recentemente se tornou professor da USP, após um doutorado sobre o sistema Judiciário brasileiro na Universidade Georgetown, nos EUA.
Num trabalho em parceria com Vinícius Buranelli, pesquisador da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas), intitulado "Acabando em Pizza - O Processo de Responsabilização pela Corrupção no Governo Federal", Taylor analisa a atuação de Ministério Público Federal, Polícia Federal, Tribunal de Contas da União e CPIs.
Conclui, primeiro, que há pouca cooperação entre essas instituições. "Uma certa concorrência entre instituições é sempre muito saudável, mas o Brasil leva ao extremo isso."
Dentre elas, o Ministério Público, encarregado de acompanhar os processos e garantir que as punições ocorram, incentiva seus membros a se esforçarem no estágio de investigação, mas não no de punição. "O Ministério Público exerce o papel de acompanhamento judicial; não digo que não esteja fazendo esse trabalho, mas toda ênfase do plano de carreira de um promotor incentiva o indivíduo a procurar se destacar na investigação mais do que no argumento e no acompanhamento legal", ele diz.
Um país em que todos investigam, mas poucos são premiados por levar criminosos para trás das grades não pode parar de "acabar em pizza".
A seguir, trechos da entrevista.
(RAFAEL CARIELLO)
 

Folha - Como o sr. viu a cassação de José Dirceu? É mais fácil prestar contas dentro do Legislativo do que na Justiça?
Matthew Taylor -
Não quero falar diretamente sobre o caso do Dirceu, mas o que vemos como padrão de comportamento no sistema político é que em raros casos as sanções impostas são financeiras, penais ou cíveis. O que acontece em todos os casos de grandes escândalos que estudamos é que as únicas punições são as desse tipo, reputacionais, como a cassação ou a ameaça de cassação, que não deixa de ser uma punição, mesmo se, como no caso de Jader Barbalho, ele consegue renunciar para não ser cassado.

Folha - Por que não se consegue avançar para os outros tipos de sanções?
Taylor -
A resposta está em duas questões. A primeira é a dificuldade de haver interação ou cooperação entre as instituições. Há instituições muito fortes no Brasil que, em termos comparados, têm financiamento bom, têm burocratas de altíssimo nível.

Folha - O sr. fala da Polícia Federal, do Ministério Público...
Taylor -
...do TCU [Tribunal de Contas da União]. Há muitos mais, como Coaf, a Receita Federal e as polícias estaduais. Essas grandes instituições tendem a trabalhar independentemente umas das outras. Tanto é que vimos, no caso do Maluf, que foi só no final do processo que realmente todas as instituições perceberam que, se não começassem a cooperar, não conseguiriam informações dos paraísos fiscais. Existem rivalidades fortíssimas. O segundo problema está na interação entre os estágios internos de qualquer processo. Por questão interna a cada uma das instituições, tendem a focar mais na investigação do que no monitoramento de casos de corrupção ou na punição. O monitoramento contínuo deveria estar a cargo dos tribunais de contas. Por uma questão histórica, eles não têm tanta independência do Executivo.
Depois, na fase da punição, é claro que há o problema grave do Judiciário, de sua falta de eficiência. Mas não entramos aí, por acharmos que se trata de um consenso.
Existe um problema anterior quanto a isso que é como o Ministério Público procura impor sanções penais e cíveis. Os critérios de promoção interna não dão ênfase ao sucesso da procura de pena. O Ministério Público exerce o papel de acompanhamento judicial, não digo que não esteja fazendo esse trabalho, mas toda ênfase do plano de carreira de um procurador incentiva a busca no destaque pela investigação mais do que pelo argumento e acompanhamento legal. A promoção dentro da instituição é feita por mérito e tempo de casa. Mas o critério de mérito é vago. Quem se destaca acaba se dando melhor.

Folha - Qual o incentivo para que os procuradores e promotores trabalhem mais na investigação?
Taylor -
Tem a ver com a reputação. E, de fato, com a lentidão da Justiça e a demora dos processos. O resultado disso é que não só há pouca punição como também aparecem mais casos. E cada escândalo também aparece mais. Não só você tem o Ministério Público divulgando cada caso, como as CPIs e os políticos também.

Folha - É facilitado o aparecimento contínuo de casos de corrupção, mas não a sua punição?
Taylor -
Exatamente. O Brasil não está entre os países mais corruptos. Mas a falta de responsabilização e a concorrência na fase investigativa tendem a aumentar a frustração e essa visão de que "tudo acaba em pizza". As instituições contribuem para isso. Há um incentivo grande para cada um divulgar a notícia e para não cooperarem. Claro, uma certa concorrência entre instituições é saudável, mas o Brasil leva isso ao extremo.


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