São Paulo, domingo, 04 de dezembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ DEPOIS DA QUEDA

Ex-deputado, que poderá faturar R$ 15 mil com palestras, avisou aliados que mobilizará PT contra política econômica conservadora

Dirceu transfere "guerrilha" para dentro do partido

FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Cassado, José Dirceu transferirá a "guerrilha política" para dentro do PT e entrará com tudo no circuito das palestras remuneradas.
O ex-ministro já avisou a seus aliados que vai mobilizar o partido e a sociedade contra o conservadorismo na política econômica, sobretudo durante a discussão do programa de governo da campanha de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Dirceu vai propagar o evangelho da "repactuação das forças sociais", jargão que tem usado com freqüência. Deve assinar na semana que vem com uma empresa de Brasília especializada em conferências. Segundo estimativas do setor, pode faturar até R$ 15 mil em cada uma.
Planeja ainda estrear um blog, estuda proposta de ser articulista de um jornal (não revela qual) e recebeu convite do ex-ministro da Previdência Raphael de Almeida Magalhães para integrar um grupo de estudos sobre desenvolvimento. Além do livro, a ser escrito por Fernando Morais, em que deverá expor "as limitações e os erros do governo".
O alvo da nova militância de Dirceu atende por Antonio Palocci. Desde que foi obrigado a deixar a Casa Civil, em junho, ele uniu a defesa de seu mandato à pregação de uma insurreição contra o "paloccismo" -a combinação de juros altos, superávit primário estratosférico e baixa execução orçamentária.
O ex-ministro teve quase 20 encontros com intelectuais, sindicalistas e militantes nos últimos três meses, sempre pedindo que o ajudem a "fazer a disputa programática" interna. "Somos prisioneiros de uma visão muito ortodoxa da economia", disse, por exemplo, a 20 reitores de universidades federais em Brasília, em encontro reservado em novembro.

Influência
Dirceu está debilitado, mas ainda possui fiel séquito no PT. Exerce influência em parte da Executiva, como o tesoureiro, Paulo Ferreira, e o coordenador da estratégia eleitoral petista, Gléber Naime. Na Câmara, tem pelo menos 20 escudeiros, como Ângela Guadagnin (SP), João Paulo Cunha (SP), José Pimentel (CE) e Nilson Mourão (AC). E mantém boas relações com a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Dirceu diz não querer mais saber da política do PT, mas será inevitavelmente tragado para o debate interno, comenta um amigo próximo, em Brasília.
Mesmo sem exercer cargo de direção, que jura não querer mais, o ex-ministro não abre mão do engajamento na campanha de Lula. Deseja ser o porta-voz da resistência petista à possibilidade de, mais uma vez, Palocci dominar o debate econômico, como fez em 2002. "O Zé é um dos maiores estrategistas políticos desse país e uma voz que o PT sempre vai parar para ouvir", diz o aliado Chico Vigilante, presidente do PT do DF.
É o que preocupa alguns petistas. A possibilidade de um Dirceu solto, sem amarras no governo ou no partido, correndo o país, minando a política de Palocci. Outros lembram que o ex-deputado, mesmo no auge do poder, não teve força para alterar substancialmente os rumos do governo. De qualquer forma, Dirceu promete um debate respeitoso.
Por ora, a nova fase está congelada. Ele promete dedicar o mês à família e ao livro. O primeiro trimestre de 2006 deve passar nos EUA, com um amigo. Estará de volta a tempo de participar do encontro partidário de abril que discutirá o novo programa de Lula.
Na semana que vem, Dirceu deve assinar contrato com a Ata, uma agência de promoção de palestras sediada em Brasília. Há alguns dias, já antevendo a cassação, fez um primeiro contato. "Ele seria um palestrante excepcional. É bom analista e estrategista. Pode ser ouvido tanto por trabalhadores como por banqueiros", diz o diretor da agência, Thales Leite. Dois convites já apareceram, da Argentina e dos EUA.


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