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ENTREVISTA DA 2ª
ANA FONSECA
Apenas 4 dos 27 Estados aderiram ao programa; para coordenadora, não pode haver competição
Meta é atrair Estados para o Bolsa-Família, diz secretária
GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em 2004, ano de pleito municipal, o governo federal trabalhará
para tentar evitar a apropriação
política do programa Bolsa-Família. "Não se pode capitalizar
politicamente em cima disso",
afirma Ana Fonseca, 51, coordenadora do projeto.
Ana Fonseca negocia acordos
de cooperação com os governadores estaduais. Baseando-se em
experiência que conduziu em São
Paulo, acha que o entendimento é
essencial.
"A redução das desigualdades,
o alívio da pobreza e o acesso a direitos universais de saúde e educação são compromissos de todos
os entes da Federação. Então, por
que competir?", indaga, em entrevista à Folha.
Para ter uma idéia da dificuldade de conciliar interesses, o Planalto começou a negociar a adesão dos governadores em setembro. Hoje, porém, as negociações
só estão avançadas em 4 dos 26
Estados, além do Distrito Federal.
Ciente da dificuldade, o presidente Lula cancelou o lançamento do Bolsa-Família, em 19 de setembro de 2003, horas antes do
início da cerimônia. Quem estava
com o presidente afirma que, ao
ver o protótipo do cartão que seria entregue aos beneficiários, ele
ficou irritado porque não havia
espaço para as logomarcas dos
governos estaduais. "E agora, o
que eu faço com os governadores?", questionou Lula, segundo
relatos de participantes.
O Bolsa-Família unificou o pagamento de quatro programas
sociais -Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás e Cartão-Alimentação. Repassa entre R$ 50
e R$ 95 mensais a famílias com
renda familiar per capita de até
R$ 50. Foi lançado em outubro e
atendeu, até dezembro, a 3,6 milhões de famílias. Pretende chegar
a 11 milhões até 2006.
Só que, sem a
adesão dos governadores, Fonseca não faz o
prognóstico de
atendimento de
2004.
"Posso dizer
que vou gastar
todo o dinheiro
do programa da
mesma forma como fiz no ano
passado." Rindo,
completou: "Raspei o tacho". A
meta de atendimento foi ultrapassada em 15
mil famílias e o
orçamento para
este ano é de
R$ 5,3 bilhões.
O Bolsa-Família já é o maior programa de transferência de renda da América Latina, mas o gabinete de Ana Fonseca fica num dos anexos do Palácio do Planalto, distante do centro
do poder. "Só o que me falta é esse
monte de salamaleque."
Folha - A sua principal meta para
2004 é trazer os governadores para
o Bolsa-Família?
Ana Fonseca - Sim. As negociações estão avançadíssimas com
Goiás, Mato Grosso do Sul, Acre e
Amazonas. O batimento dos cadastros [de beneficiários do governo federal e dos Estados] está a
pleno vapor. É preciso checar
quantas e quais são as famílias
atendidas pelo governo federal e
pelos Estados para saber quem está sem atendimento.
Folha - Por que é tão difícil fazer
os governadores aderirem ao Bolsa-Família?
Fonseca - Não é difícil.
Folha - Como não? De 27 governadores, só 4 aderiram.
Fonseca - Quatro estão com as
negociações avançadas. Há ainda
o Rio Grande do Sul, o Distrito Federal, Roraima.
É difícil conciliar a base de dados [de beneficiários] dos Estados
e do governo federal. No caso dos
Estados que têm programas de
transferência de renda, o cruzamento é feito de um por um.
Folha - Interesses políticos são
um fator de risco para o sucesso do
programa?
Fonseca - O que caracteriza uma
Federação é a existência dos municípios, dos Estados e do governo federal. Todos têm
autonomia.
Como é que você introduz e faz crescer o
sentido da cooperação em vez do sentido
da competição?
Folha - O objetivo é
afastar o programa das
disputas políticas?
Fonseca - Todos vão
ganhar com o Bolsa-Família. Até recentemente, o governo federal pagava R$ 15,
R$ 30 ou R$ 45. Havia
casos em que uma família ganhava R$ 15
do governo, e a vizinha, R$ 120 do Estado.
Isso só alarga a desigualdade. Como diz
um amigo meu, os
""bolsos são diferentes, mas a calça
é a mesma: é tudo recurso público". Cooperando, aliviaremos os
cofres de Estados e municípios.
Folha - Como fazer um programa
nacional de grande alcance sem a
participação de São Paulo, Rio e Minas Gerais?
Fonseca - Vamos para São Paulo, onde eu coordenei o programa
de renda mínima [municipal].
Até recentemente, o governo federal atendia, por meio do Bolsa-Escola, a 79 mil famílias, e o governo do Estado, 14 mil. A prefeitura juntou o programa municipal com o estadual. Todos ganharam, sobretudo aqueles a quem o
programa se destina. Não se pode
capitalizar politicamente em cima
disso. A redução das desigualdades, o alívio da pobreza e o acesso
a direitos universais de saúde e
educação são compromissos de
todos os entes da Federação. Então, por que competir? Claro que é
audacioso o que estamos fazendo.
Mas não vejo problemas nem
com o governador Geraldo Alckmin [PSDB-SP].
Folha - Quando ficará definida a
participação dos Estados no programa?
Fonseca - Tenho a impressão de
que, quando fecharmos com os
primeiros quatro ou cinco governadores, o resto vem mais rápido.
Folha - A oferta de programas
complementares, a chamada "porta de saída" da pobreza, será feita
pelos Estados. E se isso não ocorrer?
Fonseca - O Bolsa-Família tem
algumas inovações em relação a
outros programas: evita a competição entre os entes da Federação,
alivia a pobreza e constrói portas
de saída para que as pessoas deixem de ser pobres. É um avanço.
Quando dizemos que todo o grupo familiar é alvo do programa,
isso quer dizer que todos serão
atendidos pelas políticas complementares.
Como as pessoas ficarão autônomas do programa? Como vão
ser independentes? Geralmente se
transfere renda para um, oferece
capacitação para outro e microcrédito para uma terceira pessoa.
Estamos dizendo o seguinte: vamos oferecer tudo para o mesmo
grupo familiar.
Folha - Mas a oferta desses programas continua dependendo dos
governadores.
Fonseca - Eles já têm esses programas e muitos deles são financiados com recurso federal. Estamos pedindo aos governadores
que tornem as famílias atendidas
pelo Bolsa-Família os alvos preferenciais desses programas e políticas. Essa negociação está adiantada.
Folha - Nos casos em que o governador participar do
programa com dinheiro, como será
essa integração?
Fonseca - Vamos
tomar o exemplo
de Goiás. O Estado
paga R$ 120 para as
famílias do seu
programa de renda
mínima. O governo federal irá pagar
R$ 50. Ou seja: o
Estado, em vez de
continuar pagando
R$ 120, vai colocar
R$ 70 e economizará R$ 50 para ampliar a rede de atendimento.
Folha - Vai haver
dinheiro para financiar a expansão do
programa em 2004?
Fonseca - Uma parte da expansão tem relação com a participação dos Estados. A outra vem de
um adicional de recursos de R$ 1
bilhão no Orçamento de 2004 [em
comparação com 2003]. Há ainda
os acordos de cooperação internacional. O Banco
Interamericano de
Desenvolvimento
está abrindo a possibilidade de financiar, além de apoio
técnico e institucional, pagamento de
benefício, mas isso
ainda está sendo estudado do ponto de
vista jurídico.
Folha - Nos próximos três anos o governo vai conseguir
libertar os pobres
dos programas de
transferência de renda e das cestas básicas ou apenas indicará o caminho para isso?
Fonseca - Depende
do tipo de pobreza da família: se é
antiga, estrutural ou recente. Há
famílias que, com algumas oportunidades a mais, podem sair
mais rapidamente do programa.
Folha - A ausência de crescimento
econômico dificultará a saída dessas famílias da pobreza?
Fonseca - Um cenário de crescimento é mais favorável à emancipação das famílias, embora seja
preciso outras coisas. O Brasil já
cresceu a taxas elevadas, e o bolo
não foi dividido. O crescimento é
importante, enriquece o horizonte dessas famílias, mas por si só
não dará conta disso.
Folha - Há como dissociar o combate à pobreza da geração de empregos?
Fonseca - Dependendo de onde
os empregos forem criados e dos
setores da economia que crescerem, haverá um maior número de
postos de trabalho.
Folha - O objetivo do Bolsa-Família ainda é oferecer a todos os beneficiários oportunidade de emancipação?
Fonseca - Todas as famílias que
entrarem no programa terão essa
oportunidade, só que não da mesma maneira. Pode haver qualificação para uns, microcrédito para
outros e assim por diante.
Folha - Quais as regiões prioritárias para expandir o Bolsa-Família?
Fonseca - Precisamos chegar às
capitais e regiões metropolitanas,
onde, em termos percentuais, há
um menor número de pobres. Só
que 2% de pobres no Rio, em São
Paulo e em Belo Horizonte é um
contingente muito grande de pessoas. É preciso enfatizar isso.
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