São Paulo, domingo, 05 de março de 2006

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JANIO DE FREITAS

Os irmãos eram melhores

Seja Alckmin ou Serra, o candidato do PSDB não precisa se preocupar muito com Lula: suas maiores dificuldades estão em si mesmos e no PSDB. O desgaste que os dois sofrem, sobretudo Serra, por efeito do impasse desinteligente na cúpula partidária, já é mais enfraquecedor para o futuro candidato do que a propalada recuperação de Lula.
Não me lembro de uma operação de escolha de candidato tão desastrada quanto essa que Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati produzem. Criaram a necessidade infundada de pressa sem, no entanto, terem condições de encaminhar com brevidade a solução entre os pretendentes. Atribuíram-se o poder arbitrário de dizer "é este", e seu poder não resistiu nem à indiferença com que Alckmin seguiu e segue seu roteiro. Ou seja, Fernando Henrique e Jereissati, mesmo que se desconsiderem as libações públicas, fizeram tudo o que não deve ser feito em política.
Alckmin tem um problema. Serra tem vários. Originário de uma corrente partidária avessa à do comando peessedebista nos últimos dez anos, Alckmin suscita nesses expoentes o medo, muito justificado, de que sua eleição levaria à criação de novo predomínio no PSDB, sem Fernando Henrique, Jereissati e outros enólogos. Essa é a vantagem que Serra tem. Dizê-lo preferido, propriamente, seria exagero, mas sua convivência mal-humorada com Fernando Henrique e Jereissati não deixa de ser convivência, até com alguma submissão útil. Problemas, porém, não lhe faltam.
Quando Serra se lançou à prefeitura de São Paulo, dizia aqui o artigo "A mudança do reformista" em 23 de maio de 2004: "A lucidez da candidatura de José Serra a prefeito é pelo menos discutível. Em mais dois anos, estaria em situação privilegiada para escolher entre duas possibilidades expressivas: a candidatura ao governo paulista, como representante do bem cotado governo Alckmin, ou a candidatura de oposição à Presidência. Neste caso, com perspectivas que o governo Lula vai tornando cada vez mais promissoras, e nada sugere que o cenário passe por alteração radical até 2006".
"Serra fez a escolha menor. Se vencer, dificilmente teria condições políticas para abandonar a prefeitura com apenas um ano de mandato e concorrer à Presidência. Se perder, terá esvaziado muito, talvez sem remédio, a posição excepcional de provável pólo dos eleitores que se sentem ludibriados, aos quais se somariam os naturalmente seus. Uma senhora massa de votos."
Não foi, convenhamos, um artigo muito idiota. Passados dois anos, os fatos estão aí. Serra venceu, mas o que perdeu não foi menor. Hoje tem a perspectiva da candidatura presidencial promissora, e não sabe se vai ou se fica, porque até agora não sabe como fazer para ir nem o que lhe custará a renúncia que renegara.
Mais ainda, se sair candidato, Serra volta ao problema que o sufocou na disputa com Lula, quando era gritante a ansiedade do eleitorado por uma política econômica ativa e positiva, e Serra fugiu ao tema por seu compromisso com Fernando Henrique. Caso seja agora o "escolhido" de Jereissati e Fernando Henrique, estará diante da mesma ansiedade do eleitorado e do mesmo comprometimento com seu indicador Fernando Henrique, que já determina a corrupção como mote do candidato peessedebista. O que e como Serra poderá fazer na campanha, eis outra de suas questões indigestas.
De tudo, fica uma evidência. Há pelo menos dois anos, o atual cenário político e eleitoral podia ser vislumbrado, e nem se presumia a sociedade do comando petista/governista com Marcos Valério & cia. Os expoentes do PSDB não o viram. Seu entupimento atual foi plantado àquela altura e agora é apenas agravado com requintes de inabilidade política incomparável. E que não será atenuada por possível decisão de Serra pela candidatura, porque ninguém sabe o que Alckmin diz, exatamente, com os repetidos avisos de que a decisão de Serra não o afasta da disputa, como pensam os eleitores exclusivos Fernando Henrique, Jereissati e Aécio Neves.
Os irmãos Marx também eram três, mas faziam pastelão inteligente.


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