São Paulo, quarta-feira, 05 de abril de 2000


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QUESTÃO AGRÁRIA
Advogados alegam cerceamento por não terem conseguido inquirir testemunhas de acusação
Defesa de Rainha ameaça pedir anulação

FERNANDA DA ESCÓSSIA
LUIZ ANTÔNIO RYFF
enviados especiais a Vitória

A defesa de José Rainha, líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), ameaçou pedir a nulidade do julgamento de seu cliente, caso ele seja condenado. Os advogados de Rainha alegam que houve cerceamento de defesa, já que não puderam inquirir diretamente as testemunhas de acusação.
Ontem à tarde, a defesa de Rainha requereu sem sucesso a suspensão do julgamento. O objetivo era possibilitar a acareação da principal testemunha de acusação, José Jorge Guimarães, o Zé do Coco, com um juiz que, segundo Guimarães, teria adulterado seu primeiro depoimento.
O juiz Ronaldo Gonçalves de Sousa não deferiu o requerimento. O julgamento continuou até as 22h15, quando foi interrompido, após o depoimento das quatro testemunhas de defesa, para ser retomado hoje às 8h.
Rainha é acusado de co-autoria pelas mortes do fazendeiro José Machado Neto e do soldado PM Sérgio Narciso, em 5 junho de 1989, durante a ocupação da fazenda Ypuera, propriedade de Machado, em Pedro Canário, no norte capixaba.
Em plenário, José Jorge Guimarães afirmou ao júri que transportou José Rainha de caminhão até a fazenda invadida, na noite de 3 para 4 de junho de 1989. Chorando, a testemunha disse que recebeu seis ameaças de morte contra si e seus filhos.
Guimarães disse que o então juiz do município de Montanha, Eduardo de Oliveira, ao tomar seu primeiro depoimento, em 21 de agosto de 1990, mudou a descrição que ele fez de Rainha. Teria resultado dessa interferência do juiz, segundo Guimarães, a descrição de Rainha como um homem de rosto redondo, sem barba e sem bigode, mais ou menos gordo e de cabelos cacheados.

Irregularidade
Uma irregularidade contribuiu para a ameaça da defesa de pedir a nulidade do julgamento: depois de depor, a testemunha de acusação Jurandir Mendes voltou para a sala onde se encontravam outras duas testemunhas contrárias a Rainha, José Jorge Guimarães e Rubens Pagotto.
Pagotto se dirigiu ao plenário, mas a Folha viu Mendes na mesma sala em que Guimarães aguardava, sob guarda de dois PMs. As testemunhas ficaram pelo menos meia hora juntos, das 11h20 até as 11h50. Isso é proibido pelo Código de Processo Penal, para que uma testemunha não tome conhecimento do que a outra disse.
Mendes e Guimarães só foram separados quando um dos advogados de defesa alertou o oficial de justiça, que providenciou a transferência de Mendes.
"Isso já é, por si, caso de nulidade absoluta desse julgamento. Se o júri for favorável, não vou pedir nada, mas, se for adverso, vou pensar na situação", afirmou um dos advogados de Rainha, Luiz Eduardo Greenhalgh.
No segundo dia do julgamento, iniciado anteontem, a defesa reclamou muito da atuação do juiz Ronaldo Gonçalves de Sousa. O juiz interferia na formulação das perguntas e, às vezes, adiantava respostas para as testemunhas.
Quando o jurado Ilias Fernandes Cardoso dos Santos perguntou, por exemplo, a José Jorge Guimarães se ele poderia descrever o homem que transportara no caminhão, o juiz respondeu: "Mas ele já disse que era Rainha!" A defesa protestou.
A defesa também queria, baseada no artigo 467 do Código de Processo Penal e alegando jurisprudência favorável, dirigir perguntas diretamente às testemunhas de acusação. O juiz não permitiu. Das três testemunhas de acusação, nenhuma afirmou ter visto Rainha no local e no dia do crime, 5 de junho de 1989, no Espírito Santo. José Jorge Guimarães, a principal delas, disse ter visto Rainha na antevéspera das mortes, 3 de junho.
A testemunha Jurandir Mendes disse que ouviu falar da presença de Rainha no local do crime, mas que só o reconheceu um ano depois, ao vê-lo na televisão, como um dos invasores.
Houve muitas contradições entre os depoimentos das testemunhas de acusação. Guimarães, por exemplo, disse que conheceu Mendes horas antes do julgamento. Mendes disse que conheceu Guimarães há três meses.
Duas testemunhas apresentadas pela defesa, os vereadores Narcílio Andrade (PMDB-CE) e Átila Bezerra (PSC-CE), disseram ter visto Rainha na fazenda São Joaquim, no Ceará, no dia 5 de junho de 1989, quando ocorreram as mortes no Espírito Santo.
Andrade e Bezerra relataram que, à época, Rainha participara de uma ocupação à fazenda. A Câmara de Vereadores de Fortaleza nomeou, no dia 31 de maio de 1989, (quarta-feira), uma comissão para visitar a fazenda. A visita aconteceu no dia 5 de junho.
Os dois vereadores retificaram declarações anteriores em que, por escrito, afirmaram ter tomado conhecimento da presença de Rainha no Ceará um pouco antes, no dia 27 de maio. Isso certamente será usado pela acusação para questionar a credibilidade das testemunhas diante do júri.
A acusação apontou contradição nos depoimentos dos dois a respeito do encontro deles com advogados de defesa. Embora os dois vereadores dividam um quarto no hotel, só Bezerra disse saber da presença dos advogados de defesa no mesmo hotel. Andrade disse desconhecer o fato.
A terceira testemunha a ser ouvida, o deputado estadual Eudoro Santana (PSB-CE), disse que viu Rainha no Ceará nos dias 30 e 31 de maio, 3, 7 ou 8 de junho, ou seja, dias antes e dias depois do crime. O depoimento de Santana contradiz diretamente o da testemunha de acusação José Jorge Guimarães, o Zé do Coco, que afirma ter transportado Rainha na noite de 3 para 4 de junho.


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