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QUESTÃO AGRÁRIA
Advogados alegam cerceamento por não terem conseguido inquirir testemunhas de acusação
Defesa de Rainha ameaça pedir anulação
FERNANDA DA ESCÓSSIA
LUIZ ANTÔNIO RYFF
enviados especiais a Vitória
A defesa de José Rainha, líder do
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), ameaçou pedir a nulidade do julgamento de seu cliente, caso ele seja
condenado. Os advogados de Rainha alegam que houve cerceamento de defesa, já que não puderam inquirir diretamente as testemunhas de acusação.
Ontem à tarde, a defesa de Rainha requereu sem sucesso a suspensão do julgamento. O objetivo
era possibilitar a acareação da
principal testemunha de acusação, José Jorge Guimarães, o Zé
do Coco, com um juiz que, segundo Guimarães, teria adulterado
seu primeiro depoimento.
O juiz Ronaldo Gonçalves de
Sousa não deferiu o requerimento. O julgamento continuou até as
22h15, quando foi interrompido,
após o depoimento das quatro
testemunhas de defesa, para ser
retomado hoje às 8h.
Rainha é acusado de co-autoria
pelas mortes do fazendeiro José
Machado Neto e do soldado PM
Sérgio Narciso, em 5 junho de
1989, durante a ocupação da fazenda Ypuera, propriedade de
Machado, em Pedro Canário, no
norte capixaba.
Em plenário, José Jorge Guimarães afirmou ao júri que transportou José Rainha de caminhão até a
fazenda invadida, na noite de 3
para 4 de junho de 1989. Chorando, a testemunha disse que recebeu seis ameaças de morte contra
si e seus filhos.
Guimarães disse que o então
juiz do município de Montanha,
Eduardo de Oliveira, ao tomar seu
primeiro depoimento, em 21 de
agosto de 1990, mudou a descrição que ele fez de Rainha. Teria
resultado dessa interferência do
juiz, segundo Guimarães, a descrição de Rainha como um homem de rosto redondo, sem barba e sem bigode, mais ou menos
gordo e de cabelos cacheados.
Irregularidade
Uma irregularidade contribuiu
para a ameaça da defesa de pedir a
nulidade do julgamento: depois
de depor, a testemunha de acusação Jurandir Mendes voltou para
a sala onde se encontravam outras duas testemunhas contrárias
a Rainha, José Jorge Guimarães e
Rubens Pagotto.
Pagotto se dirigiu ao plenário,
mas a Folha viu Mendes na mesma sala em que Guimarães aguardava, sob guarda de dois PMs. As
testemunhas ficaram pelo menos
meia hora juntos, das 11h20 até as
11h50. Isso é proibido pelo Código
de Processo Penal, para que uma
testemunha não tome conhecimento do que a outra disse.
Mendes e Guimarães só foram
separados quando um dos advogados de defesa alertou o oficial
de justiça, que providenciou a
transferência de Mendes.
"Isso já é, por si, caso de nulidade absoluta desse julgamento. Se
o júri for favorável, não vou pedir
nada, mas, se for adverso, vou
pensar na situação", afirmou um
dos advogados de Rainha, Luiz
Eduardo Greenhalgh.
No segundo dia do julgamento,
iniciado anteontem, a defesa reclamou muito da atuação do juiz
Ronaldo Gonçalves de Sousa. O
juiz interferia na formulação das
perguntas e, às vezes, adiantava
respostas para as testemunhas.
Quando o jurado Ilias Fernandes Cardoso dos Santos perguntou, por exemplo, a José Jorge
Guimarães se ele poderia descrever o homem que transportara no
caminhão, o juiz respondeu:
"Mas ele já disse que era Rainha!"
A defesa protestou.
A defesa também queria, baseada no artigo 467 do Código de
Processo Penal e alegando jurisprudência favorável, dirigir perguntas diretamente às testemunhas de acusação. O juiz não permitiu. Das três testemunhas de
acusação, nenhuma afirmou ter
visto Rainha no local e no dia do
crime, 5 de junho de 1989, no Espírito Santo. José Jorge Guimarães, a principal delas, disse ter
visto Rainha na antevéspera das
mortes, 3 de junho.
A testemunha Jurandir Mendes
disse que ouviu falar da presença
de Rainha no local do crime, mas
que só o reconheceu um ano depois, ao vê-lo na televisão, como
um dos invasores.
Houve muitas contradições entre os depoimentos das testemunhas de acusação. Guimarães, por
exemplo, disse que conheceu
Mendes horas antes do julgamento. Mendes disse que conheceu
Guimarães há três meses.
Duas testemunhas apresentadas pela defesa, os vereadores
Narcílio Andrade (PMDB-CE) e
Átila Bezerra (PSC-CE), disseram
ter visto Rainha na fazenda São
Joaquim, no Ceará, no dia 5 de junho de 1989, quando ocorreram
as mortes no Espírito Santo.
Andrade e Bezerra relataram
que, à época, Rainha participara
de uma ocupação à fazenda. A
Câmara de Vereadores de Fortaleza nomeou, no dia 31 de maio de
1989, (quarta-feira), uma comissão para visitar a fazenda. A visita
aconteceu no dia 5 de junho.
Os dois vereadores retificaram
declarações anteriores em que,
por escrito, afirmaram ter tomado conhecimento da presença de
Rainha no Ceará um pouco antes,
no dia 27 de maio. Isso certamente será usado pela acusação para
questionar a credibilidade das testemunhas diante do júri.
A acusação apontou contradição nos depoimentos dos dois a
respeito do encontro deles com
advogados de defesa. Embora os
dois vereadores dividam um
quarto no hotel, só Bezerra disse
saber da presença dos advogados
de defesa no mesmo hotel. Andrade disse desconhecer o fato.
A terceira testemunha a ser ouvida, o deputado estadual Eudoro
Santana (PSB-CE), disse que viu
Rainha no Ceará nos dias 30 e 31
de maio, 3, 7 ou 8 de junho, ou seja, dias antes e dias depois do crime. O depoimento de Santana
contradiz diretamente o da testemunha de acusação José Jorge
Guimarães, o Zé do Coco, que
afirma ter transportado Rainha
na noite de 3 para 4 de junho.
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